A decretação ex-oficio da prisão do devedor de alimentos

(*) Grecianny Carvalho Cordeiro

A doutrina e a jurisprudência dominante tem resistido à idéia de aceitar a possibilidade da decretação ex-officio da prisão do devedor de alimentos, entretanto, uma nova corrente surge buscando mostrar justamente o contrário, conforme veremos a seguir.

O DIREITO POSITIVO

A Constituição Federal, no art.5º, inciso LXVII diz o seguinte:

“LXVII- não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;”

Já o art. 733, parágrafo 1º do CPC assim dispõe:

“Art.733- ……………………………………………………….

1º Se o devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretar-lhe-á a prisão.”

“Art.19. O juiz, para instrução da causa ou na execução da sentença ou do acordo, poderá tomar todas as providências necessárias para seu esclarecimento ou para o cumprimento do julgado ou do acordo, inclusive a decretação de prisão do devedor até 60 (sessenta) dias.” (Lei nº 5478/68).

Como se pode inferir da leitura do parágrafo 1º do art.733 do CPC acima transcrito, compete ao juiz decretar a prisão do devedor de alimentos que não pagar, nem se escusar, pelo prazo de um a três meses, não se exigindo aqui, de modo algum, haja prévio requerimento do credor.

A redação do referido texto legal é imperativamente clara, não deixando dúvidas quanto à possibilidade do juiz, de ofício, decretar a prisão do devedor de alimentos.

Entretanto, a interpretação jurisprudencial acerca do parágrafo 1º do art. 733 assim tem se pronunciado:

“Não obstante a redação imperativa do art.733, 1º do CPC, a prisão civil do devedor de alimentos não pode ser decretada de ofício.” (RT 488/294 e Bol.AASP 918/85)

Em outras palavras, esse entendimento jurisprudencial significa o mesmo que dizer que o legislador disse no texto da lei o que não queria dizer.

Já a redação do art.19 da Lei de Alimentos confere ao juiz a possibilidade de tomar todas as providências necessárias para o cumprimento do julgado ou acordo, em qualquer fase do processo, podendo, inclusive, decretar a prisão do devedor de alimentos. Ora, aqui se evidencia uma clara sintonia entre a Lei de Alimentos e o art. 733, parágrafo único do CPC.

Logo, pode-se perceber que a legislação infraconstitucional a respeito da decretação da prisão ex-oficio do devedor de alimentos, em momento algum, veda a que o juiz decrete a prisão deste sem o prévio requerimento do credor . Destarte, vale lembrar a regra básica da hermenêutica de que tudo aquilo que não é proibido é lícito.

O nosso ordenamento jurídico, através das leis retro citadas, conferem de forma indubitável ao juiz, a possibilidade deste decretar de ofício a prisão do inadimplente da obrigação de alimentos. E mais, tais preceitos legais não ferem em absoluto nenhum princípio ou regra constitucional.

E como não bastasse a existência de tais leis, sob as quais se baseiam tal entendimento, a Lei 8.952/94 introduziu o parágrafo 5º no art. 461 do CPC que estabelece o seguinte:

“Art.461…………………………………………………….

5º. Para a efetivação da tutela específica ou para obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial.”

Logo, do citado artigo se conclui que a reforma porque passou o CPC conferiu amplíssimos poderes ao juiz para que esse, no exercício do seu mister, pudesse adotar medidas que achasse adequadas à melhor prestação e efetivação da tutela jurisdicional, no sentido de obter um resultado prático equivalente ao do adimplemento, portanto, resta-nos induvidado que a decretação ex-oficio pelo juiz da prisão do devedor de alimentos é absolutamente possível e, em determinados casos, necessária à prestação efetiva da tutela jurisdicional.

A PRISÃO EX-OFICIO DO DEVEDOR DE ALIMENTOS

A despeito de muitos autores, ao tratarem da prisão civil do devedor de alimentos sequer discutirem sobre a possibilidade de decretação ex-oficio desta, a doutrina é quase unânime no sentido de que tal entendimento é inviável e incabível.

“(…)incabe ao Juiz agir de ofício em relação à prisão do devedor alimentar, mesmo que fique evidenciado nos autos a extrema necessidade do credor. Cabe a ele, e somente a ele, pedi-la, até porque o direito de alimentar e, em decorrência, a sujeição do alimentante inadimplente à prisão, é personalíssimo.” (José Amir do Amaral, Aspectos da Prisão Civil, p.165).

Araken de Assis também não admite que o juiz possa decretar a prisão civil do alimentante inadimplente de ofício, cabendo, nesse caso, ao devedor, interpor habeas corpus , face ao “error in procedendo” decorrente da falta de pedido por parte do credor.

Amílcar de Castro assevera que a decretação da prisão do devedor de alimentos somente pode ser feita mediante requerimento do credor, jamais de ofício. Isso se justifica porque o credor é o maior interessado no assunto e talvez não entenda ser oportuna a aplicação de tal medida.

Eduardo Alberto de Morais Oliveira, in A Prisão Civil na Ação de Alimentos, compartilha da opinião de que a medida extrema será decretada pelo juiz se este for expressamente provocado, uma vez que cabe ao credor promover a execução da sentença dos alimentos, conforme o art.733 e ss. do CPC c/c art.18 da Lei de Alimentos.

“E, como é sabido, a prisão só poderá ser decretada a requerimento da parte interessada e após o exaurimento dos meios compulsivos.” (RT 468/297, 477/114, 534/307, 535/275 e 547/297).

Apesar da vasta fundamentação de que se vale a doutrina e jurisprudência para defender a impossibilidade de decretação de ofício do alimentante inadimplente, olvida-se ela por completo dos mandamentos legais atinentes ao assunto, os quais são claros e expressos em conferir ao juiz tal faculdade, independentemente do requerimento do credor dos alimentos nesse sentido.

Poucos são os autores que defendem a possibilidade de decretação ex oficio do devedor de alimentos, senão vejamos:

“se o juiz agir de ofício, inclusive para decretar a prisão do devedor, tem respaldo legal para fazê-lo. E assim está previsto em face da relevância da matéria, que visa a atender as necessidades básicas e primárias das pessoas para a própria subsistência garantindo, assim, o bem maior, que é a vida.” (Francisco Fernandes de Araújo, RT 634/31).

“omisso o executado em efetuar o pagamento, ou em oferecer escusa que pareça justa ao órgão judicial, este, sem necessidade de requerimento do credor, decretará a prisão do devedor”. (José Carlos Barbosa Moreira, O Novo Processo Civil Brasileiro, II/115)

“a prisão é decretável de ofício: a decretação é pelo juiz do cível, a requerimento do credor, ou de ofício”. (Pontes de Miranda, Comentários ao CPC, X/84)

“Sem embargo das opiniões em contrário, que parece colocarem maior sentido na liberdade do que na própria vida, o Judiciário não só pode, mas deve em muitas situações decretar a custódia civil do alimentante. E cumpre fazê-lo de ofício, não apenas por força da redação imperativa do art.733, 1º, do Código de Processo Civil, mas também pelo art.19 da lei de alimentos.” (Arnaldo Marmitt, Pensão Alimentícia, Aide, Rio de Janeiro, 1993, p.180)

CONCLUSÃO

Pelo que foi exposto acima, não nos resta nenhuma dúvida quanto à possibilidade da decretação de ofício, pelo juiz, da prisão civil do alimentante inadimplente, e adotamos tal entendimento posto que a legislação infraconstitucional é clara nesse sentido, imperativa mesmo, como é o caso do parágrafo 1º do art. 733 do CPC e, por outro lado, o mencionado ponto de vista não fere a nenhum preceito constitucional.

E mais, tal posicionamento tornou-se ainda mais sustentável a partir da vigência do parágrafo 5º do art. 461 do CPC, o qual conferiu amplíssimos poderes ao juiz, na intenção de se obter uma tutela jurisdicional efetiva, onde o resultado prático alcançado deva ser equivalente ao do adimplemento, ou seja, o credor de alimentos “deve ter tudo aquilo, exatamente aquilo que lhe foi reconhecido como devido.”

Ora, determinando-se ao alimentante cumprir com seu dever de prestar os alimentos, quer mediante sentença, quer mediante acordo judicial, e este não o fez, nem se escusou, nada mais admissível do que o juiz, a par do caso e verificando os fatos, decretar a prisão civil deste para cumprir a referida obrigação, do contrário, teria o credor tão somente uma vitória de Pirro, a tutela jurisdicional lhe teria sido prestada, no entanto, não efetivada, em outras palavras, ganhou mas não levou.

Marcelo Guerra, em seu livro Execução Forçada, editora Revista dos Tribunais, 1995, v.32, p.64, explica que o direito constitucional de ação deve ser visto também sob a ótica da efetividade da tutela jurisdicional, isto é:

“Tal direito não corresponde apenas ao de obter uma providência de mérito, ou seja, que dê uma resposta à pretensão deduzida pelo autor, seja para acolhê-la seja para rejeitá-la. Corresponde, sim, ao direito de receber uma resposta efetiva, de modo que, sendo favorável, a providência jurisdicional proporcione ao autor vitorioso tudo aquilo, exatamente aquilo que lhe foi reconhecido como devido.” (in, ob.cit.p.64)

Nenhuma ilegalidade ocorrerá, pois, se o juiz, de ofício, decretar a prisão civil do devedor de alimentos, posto que tal ato encontraria absoluto e inegável amparo legal , todavia, é de bom aviltre ressaltar que, para adotar essa medida, deverá o magistrado valer-se do bom senso, de modo a que não venha a cometer injustiças ou arbitrariedades.

Por outro lado, entendemos que o direito a alimentos é uma extensão do próprio direito à vida, à dignidade, e é para assegurar isso que o alimentado o pleiteia. E, inegavelmente este direito é bem maior o direito à liberdade. Portanto, a prisão civil do alimentante é perfeitamente justificável para se assegurar o direito à vida do alimentado.

No nosso atual ordenamento jurídico não mais há espaço para juízes tímidos e receosos, mas sim para juízes que, amparados na lei e nos poderes que por ela lhes são conferidos, adotem medidas capazes de fazer valer e cumprir suas próprias decisões, bem como a própria lei.

BIBLIOGRAFIA

AMORIM, Sebastião Luiz. A Execução da Prestação Alimentícia e Alimentos Provisionais-Prisão do Devedor, RT 558/82.

ASSIS, Araken. Manual do Processo de Execução, Fabris, Porto Alegre, 1987.

CARNEIRO, Athos Gusmão. Ação de Alimentos e Prisão Civil, Revista de Processo 14/15.

GUERRA, Marcelo Lima. Execução Forçada, Editora Revista dos Tribunais, Rio de Janeiro, v.32,1995.

MARMITT, Arnaldo. Pensão Alimentícia, AIDE, Rio de Janeiro, 1993.

(*) A autora é Promotora de Justiça da Comarca de Jaguaretama e Mestranda em Direito Público pela UFC. grecy@for.sol.com.br

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