A despedida

Fidel Castro está morrendo faz um bom tempo. Inúmeras vezes noticiou-se que ele estava nas últimas. Tudo intriga. De repente, quando todos esperavam o anúncio do funeral, o velho comandante ressurgia das cinzas, com seu uniforme verde-oliva, fazendo aqueles discursos que duravam de 6 a 8 horas.

Recentemente, em Córdoba, na Argentina, sua aparição revelou ao mundo um Fidel alquebrado, agressivo, mais pra lá do que pra cá. Parecia um cadáver ambulante. Quem o encontrou pessoalmente, comentou em off para os jornalistas: “o homem está verde”.

Mas ontem, depois do comunicado que escreveu de próprio punho, informando sobre seu afastamento do comando da ilha para tratamento de saúde – uma delicada cirurgia intestinal desencadeada por stress, segundo a versão oficial – ficou a impressão de que ele começou, de fato, a se despedir.

Quem acredita que sua nota representa toda a verdade? A imagem de Castro desmente suas palavras. Quem conhece sintomatologia diz que ele está com um câncer terminal. Aguardemos as próximas notícias ouvindo uma marcha de Beethoven…

Fidel tem 79. Neste mês de agosto completa 80. Chegou ao poder há 47. Nesse tempo todo, essa é primeira vez que delega provisoriamente os cargos de primeiro secretário do Partido Comunista, presidente do Conselho de Estado e comandante-em-chefe das Forças Armadas.

No melhor estilo das republiquetas das bananas, manteve-se o nepotismo. O agraciado foi o irmão, Raúl, 75, designado sucessor legal segundo a Constituição cubana.

Quem tiver o cuidado de ler o texto em que Fidel proclama seu próprio afastamento do cargo que ora ocupa verá ali uma espécie de carta-testamento ou, dando trato a bolas, a cartografia de uma personalidade sinistra, que delega a si mesmo pendores divinatórios.

Seria o caso mesmo de os estudiosos da alma humana lerem o documento com atenção. Ali está a revelação plena de toda a onipotência narcísica de um ditador que se autodiagnostica, estabelece o critério de cura de sua doença, justifica seu afastamento, determina o que deve ser feito na sua ausência e, quanto ao futuro, consigna as datas celebratórias que devem ser realizadas para homenageá-lo.

A conclusão disso tudo é irrecorrível: um fantasma rondará Cuba ad eternum.

É impressionante – não há outra palavra – como alguém pode atribuir tanto poder a si mesmo, quase que proclamando ao mundo: o “Estado sou eu”. Fidel é um socialista que se tornou milionário e deseja sair da história como um aristocrata dos trópicos.

Seu comunicado divulgado para a imprensa de todo o planeta deve se transformar em objeto de estudo. Nunca em tão poucas linhas alguém desnudou-se psicologicamente de maneira tão ampla. Toda a sua história pode ser resumida por aquelas poucas palavras: vivi, retornei aos lugares de minha juventude, tive um mal súbito, delego meus poderes e ordeno que sejam adotadas todas as “medidas que sejam necessárias para salvaguardar o processo histórico” revolucionário.

No final, como epitáfio, ele ainda reitera “O imperialismo jamais poderá suplantar Cuba. A batalha de idéias seguirá adiante. Viva a pátria! Viva a Revolução! Viva o Socialismo! Até a vitória sempre!”

Os tiranos são ridículos até na despedida.

Dante Filho, jornalista

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