Vitor F. Kümpel*
Questão da mais alta relevância é a que diz respeito ao momento exato da entrada em vigor do novo Código Civil brasileiro (Lei n. 10.406, de 10.1.2002), tendo em vista os fenômenos do direito adquirido e do ato jurídico perfeito.
Podemos citar, por exemplo, a hipótese da mulher casada sob o regime legal da comunhão parcial de bens, sem ter filhos, vendo-se diante da morte do marido e da abertura da sucessão, estando presentes apenas os ascendentes, do de cujus. Nesse exemplo tão comum, cuja ocorrência é corriqueira, caso a morte do marido tenha ocorrido quando ainda vigente o Código Civil de 1916, após efetuada a meação, a sucessão será deferida integralmente aos ascendentes do de cujus, isto é, ao pai e à mãe do falecido, conforme determinava o art. 1.606 daquele Código Civil. À mulher restaria apenas pleitear usufruto vidual da metade dos bens do de cujus (art. 1.611, § 1.º). Caso a morte do titular dos bens, porém, tivesse ocorrido sob a vigência do Código Civil de 2002, essa mesma mulher, nas mesmas condições, passaria a herdar 1/3 de toda a herança do de cujus, conforme disciplina o art. 1.837 do novo Código Civil. Além disso, passaria a ter o cônjuge sobrevivente o direito real de habitação, sobre o imóvel destinado à residência familiar, conforme reza o art. 1.831 do novo Código Civil. Repare que apenas um pequeno lapso de tempo pode determinar a incidência de um ou de outro sistema sucessório, sendo fundamental, por conseguinte, definirmos o momento exato da entrada em vigor do novo Código Civil brasileiro.
Por mais espantoso que pareça, além da matéria não ter gerado grandes debates, a mídia, de maneira unânime, entendeu que o novo Código Civil entrou em vigor no primeiro minuto do dia 11 de janeiro deste ano, a saber, um sábado, sem, porém, definir precisamente o motivo da adoção desse prazo. Alguns outros juristas entenderam, sem qualquer fundamentação, que o Código entrou em vigor no dia 10 de janeiro último, na sexta-feira, considerando um ano após a promulgação do novo Estatuto Civil.
A Lei Complementar n. 95/98 dispõe em seu art. 8.º: “a vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula ‘entra em vigor na data de sua publicação’, para as leis de pequena repercussão”.
A Lei Complementar n. 107/2001 acrescentou o § 1.º ao art. 8.º estabelecendo: “a contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral”.
Para fazermos a contagem correta da vacatio legis do novo Código Civil, em primeiro lugar, socorremo-nos do art. 1.044 que no seu próprio texto estabelece: “este Código entrará em vigor 1 (um) ano após sua publicação”.
Dois são os problemas complexos que se apresentam: o primeiro é o de sabermos o exato dia da publicação do novo Código Civil e o segundo é a forma de contagem, adotando-se o critério-base dia, mês ou ano.
O primeiro problema pode ser resolvido por meio do Diário Oficial da União de 11.1.2002, que publicou a edição extra com o texto do novo Código Civil brasileiro. Muito embora o novo Código Civil tenha sido promulgado no dia 10 de janeiro de 2002, foi publicado um dia após, a saber, 11 de janeiro de 2002. O segundo problema sabermos qual o critério a ser adotado para contagem é bastante discutível, pois alguns autores têm adotado o critério dia (1) e outros adotam o critério ano (2).
Os que adotam o critério dia consideram o período de 360 dias, iniciando a contagem em 11.1.2002, culminando no dia 10.1.2003. Essa contagem é trabalhosa, pois somos obrigados a somar 21 dias do mês de janeiro (incluindo o dia 11.1.2002); mais 28 dias do mês de fevereiro; mais 31 dias do mês de março, maio, julho, agosto, outubro e dezembro; mais 30 dias de abril, junho, setembro e novembro, culminando em 355 dias. Após essa difícil contagem, basta computarmos o dia subseqüente à consumação integral para chegarmos ao dia 11.1.2002. Caso o legislador tivesse estabelecido vacatio legis de dois ou mais anos, a contagem seria complexa e insegura.
É por demais óbvio que a contagem não pode ser feita sobre o paradigma dia, tendo em vista não só o problema prático já anunciado, mas também a incidência da regra hermenêutica ensinada por Phortalis, segundo a qual “toda lei é auto-interpretável”, razão pela qual se o próprio legislador adotou o critério ano, conclui-se que a contagem não pode ser feita dia a dia ou mês a mês. Se a contagem adotada pelo legislador fosse a baseada no critério dia, teríamos: “este Código entrará em vigor 365 dias após a sua publicação”, coisa que não o fez.
A contagem anual tem por base a Lei n. 810/49, que define o ano civil e determina no art. 1.º: “considera-se ano o período de 12 (doze) meses contados do dia do início ao dia e mês correspondentes do ano seguinte”.
Como o texto do novo Código Civil foi publicado no dia 11.1.2002, adotando-se esta última regra, chegamos facilmente a 11.1.2003. Por ter a Lei Complementar supratranscrita determinado que a entrada em vigor ocorre “no dia subseqüente à sua consumação integral”, é fácil constatarmos que o novo Código Civil entrou em vigor à meia-noite e um segundo do dia 12 de janeiro de 2003.
Essas são, portanto, breves considerações para concluirmos que o novo Estatuto Civil passou a ter eficácia e efetividade nos primeiros momentos do dia 12 de janeiro de 2003, domingo, ressalvados todos os direitos adquiridos e atos jurídicos perfeitos, sob a égide do Código Civil de 1916.
_____________________________
1. PAIVA, J. A. Almeida. Código Civil: dia em que novas leis entram em vigor gera discussão. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 17.10.2002. Disponível em: www.conjur.uol.com.br.
2. NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Novo Código Civil e legislação extravagante anotados. São Paulo: RT, 2002. p. 658.
*Professor de Hermenêutica da Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus (FDDJ).