A esquizofrenia do poder

Quando uma pessoa fere a facadas um parlamentar, buscando fazer justiça com as próprias mãos, transmite a mensagem de que alguma coisa muito grave acontece.

Há várias leituras para o fato: pode-se enxergar a agressora como desequilibrada mental e nem é preciso procurar as razões deste gesto extremo. Sim, a mulher que atacou o deputado ACM Neto padece de doença psiquiátrica, contudo, a lógica demonstrada é perfeita: ela está revoltada com o reajuste que senadores e deputados se auto concederam e explicou com clareza os motivos de sua revolta.

A reação indignada, que poderia ter tido um desfecho trágico, revela a inadequação da conduta, porém, não elimina os fatores objetivos que a desencadearam. Por outras palavras, embora possa ser louca, a pobre mulher só teve a agressividade mobilizada porque o Parlamento perdeu toda e qualquer noção de medidas.

Seria simples se o problema estivesse restrito ao Legislativo. Mas, as mesmas mazelas ali encontradas se repetem no Judiciário, em cujos quadros há figuras de discutível reputação e cujo corpo também concede a si privilégios exclusivos, a exemplo dos estratagemas utilizados para engordar a remuneração – disfarçados em subsídio – como o “auxílio-moradia”, que também agridem a população.

Quanto à atuação do Executivo, percebe-se o modo como os orçamentos são manipulados, não raro, em benefício de financiadores de campanhas. As chagas postas a nu pelo valerioduto, expressão da vilania suprapartidária; as vultosas somas destinadas à publicidade, para construir imagens sem correspondência no mundo real sinalizam, entre tantas outras práticas, a perversidade da elite dirigente.

De um lado, eles tentam legitimar, cinicamente, a voracidade com que dilapidam o erário; de outro, procuram adesão para a insuportável carga tributária, da qual são especialmente vítimas as camadas médias, incapazes de escapar à sanha do “leão”. Dizem que não é possível conceder mais do que 3% de reajuste para o salário-mínimo ao mesmo tempo em que simulam justificativas para o aumento de 91% no ganho dos parlamentares.

Tamanho despropósito faz lembrar o ocaso do Antigo Regime, quando clero e nobreza perderam por completo o pudor, lutando com unhas e dentes por suas sinecuras. A República deveria ser o antídoto a esses males…

Se magistrados, parlamentares, prefeitos, governadores e presidente deixam de considerar que seus cargos devem ser exercidos em função do povo; não respeitam a sociedade a que devem servir, eles se dissociam de sua origem, eles se apartam de suas finalidades, e ao se separarem do povo, exercendo o poder para si, reduzem-no a um simulacro.

Logo, para o olhar leigo do cidadão comum, quando todos se locupletam com as benesses do poder, não há a quem recorrer. Neste cenário sem saídas, o caminho possível é o da justiça direta. E então, se além dos insanos, os outros também vislumbrarem essa alternativa, atingiremos a barbárie plena.

Paulo Cabral, Sociólogo e Professor da Uniderp

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