Autor: Francisco Sannini Neto (*)
No capítulo IV, da Constituição da República, sob o título “Das Funções Essenciais à Justiça” nós encontramos o Ministério Público, a Advocacia Pública e Privada e a Defensoria Pública. Não se discute a relevância dessas funções para a concretização da Justiça em nosso país, sendo todas elas igualmente indispensáveis.
Contudo, parece-nos imprescindível o acréscimo de mais uma instituição nesse seleto rol: a Polícia Judiciária (Polícia Civil e Polícia Federal). Nas últimas semanas nós acompanhamos a polêmica em torno da indicação para o cargo de procurador-geral da República (chefe do Ministério Público Federal), costumeiramente escolhido dentro de uma lista tríplice indicada pela própria classe. Questionava-se se o presidente Michel Temer acataria as sugestões dos representantes do Ministério Público Federal ou não.
Acatou, ao menos em parte. Foi indicada a subprocuradora geral da República, Raquel Elias Ferreira Dodge, segunda colocada na lista tríplice entregue pelos procuradores da República, quebrando-se, assim, uma tradição iniciada em 2003, no governo Lula, de indicar o primeiro colocado.
Não há dúvidas de que esse cenário não é o ideal. Já passou da hora de se reformar a Constituição e conferir um caráter mais isento a escolhas tão importantes quanto esta, retirando-se do Presidente da República essa prerrogativa. A chefia do Ministério Público deveria ser escolha da própria classe, assim como os membros do Supremo Tribunal Federal, órgão maior do Judiciário.
Se assim fosse, nossa Justiça ficaria muito mais blindada e, consequentemente, menos vulnerável aos interesses escusos de uma maioria circunstancial detentora do poder. De todo modo, o fato de a manifestação da classe contribuir na indicação de sua chefia já representa um avanço significativo.
Com efeito, pelas mesmas razões defendemos que autonomia semelhante seja conferida às Polícias Judiciárias, responsáveis pela investigação criminal em nosso país, cuja missão principal é reunir provas e elementos de informações que possam viabilizar o início do processo e, não raro, a condenação de criminosos, preservando, destarte, os princípios e valores constitucionais.
A essencialidade das funções exercidas pelas polícias Civil e Federal se demonstra por si mesma no dia a dia, no Direito Comparado, onde não se encontra lugar civilizado que não seja dotado de uma autoridade de Polícia Judiciária. A função de apuração das infrações penais e auxílio ao Judiciário no exercício, por exemplo, de cumprimento de mandados de prisão e outras diligências é obviamente essencial.
Certo de que a autotutela, em regra, foi afastada pelo sistema jurídico brasileiro, é dever do Estado efetivar o seu ius puniendi por meio de um processo penal que legitime a aplicação de uma pena.
Vale lembrar que com a Constituição de 1988, foi inaugurada uma nova fase na democracia brasileira. Nunca havia sido dada tanta importância aos direitos fundamentais no Brasil como no atual modelo constitucional. Nesse cenário, antes de se restringir um dos direitos mais importantes do indivíduo, qual seja, o direito de liberdade de locomoção, o Estado deve sempre valer-se de um processo, que é o instrumento adequado para legitimar a aplicação da pena.
Em síntese, pode-se afirmar que o ordenamento jurídico deve apresentar um total sincronismo, desde o Código Penal que tipifique condutas que ferem aqueles bens jurídicos tidos como os mais importantes, passando por uma persecução penal que respeite as garantias previstas na Constituição e terminando com a aplicação de uma pena por meio de uma sentença condenatória transitada em julgado.
Daí a essencialidade dessa investigação preliminar, que se formaliza, em regra, por meio do inquérito policial, instrumento que serve de proteção aos direitos fundamentais, já que resguarda o indivíduo de submeter-se desnecessariamente a um processo. Percebe-se, pois, que a investigação preliminar é essencial para a consecução da justiça, viabilizando a completa apuração dos fatos e assegurando o correto exercício do direito de punir pertencente ao Estado.
Em uma sociedade onde a criminalidade apresenta-se cada vez mais organizada, com tentáculos espalhados pelo Poder Público, torna-se premente o fortalecimento das Polícias Judiciárias, que ao lado do Ministério Público e de outras instituições essenciais à justiça, estão revirando a República e expondo as mazelas causadas pela corrupção enraizada no Estado.
A quem interessa uma Polícia Judiciária enfraquecida, sucateada e, sobretudo, encabrestada pelos detentores do poder? Em um Estado Democrático de Direito, onde todos devem respeito às leis e à Constituição, o que se espera é uma polícia investigativa de Estado, compromissada unicamente com a justiça e não uma polícia investigativa de governo, pautada por interesses escusos e pouco republicanos.
Por tudo isso, defendemos que os chefes das polícias Civil e Federal sejam escolhidos dentro de uma lista tríplice indicada pela classe, blindando-se, assim, a investigação criminal da mesma forma que se espera blindar o exercício da ação penal com a autonomia do Ministério Público.
Em conclusão, lembramos o escólio de Ferrajoli, que, ao comentar as funções das polícias, dispõe o seguinte: “As diversas atribuições, por fim, deveriam estar destinadas a corpos separáveis entre eles e organizados de forma independente não apenas funcional, mas, também, hierárquica e administrativamente dos diversos poderes aos quais auxiliam. Em particular, a polícia judiciária, destinada, à investigação dos crimes e a execução dos provimentos jurisdicionais, deveria ser separada rigidamente dos outros corpos da polícia e dotada, em relação ao Executivo, das mesmas garantias de independência que são asseguradas ao Poder Judiciário do qual deveria, exclusivamente, depender”(grifamos).
Autor: Francisco Sannini Neto é delegado de polícia do Estado de São Paulo, mestre em Direito pela Unisal, professor da graduação e da pós-graduação na Unisal e professor concursado da Academia de Polícia Civil de São Paulo.