A execução provisória da sentença e o disposto no art. 273, § 3º, do CPC

O instituto da antecipação dos efeitos da tutela1 integra o rol das técnicas de sumarização que visam a agilização do processo. Trata-se de espécie de tutela jurisdicional diferenciada2, destinada à busca da efetividade do processo.

A execução provisória também pode ser considerada espécie de tutela jurisdicional diferenciada, situando-se, segundo precisos dizeres de Cândido Rangel Dinamarco, “entre as medidas integrantes da luta do processo contra os males do decurso do tempo”3.

O mesmo autor, ao analisar o novo art. 273 do Código de Processo Civil, introduzido pela Lei n. 8.952, de 13 de dezembro de 1994 – que possibilitou em nosso sistema a antecipação do efeitos da tutela – , observou que esse instituto, previsto de modo explícito e generalizado, “veio com o objetivo de ser uma arma poderosíssima contra os males corrosivos do tempo no processo”4.

Note-se, pois, que há estreita ligação entre o instituto da antecipação da tutela e o da execução provisória, conforme bem salientou Federico Carpi5, notadamente quanto à finalidade de ambos os institutos processuais, no ponto em que se destinam a atribuir eficácia antecipada a provimentos judiciais.

Aliás, tal afinidade vem estampada nos próprios termos do atual § 3º do art. 273 do Código de Processo Civil, ao estabelecer que “a efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4º e 5º, e 461-A”.

Sem que nos alonguemos na análise da questão da efetivação provisória das decisões de antecipação de tutela, apresenta-se oportuno esclarecermos que a nova redação do § 3º do art. 273 do Código de Processo Civil mostrou-se coesa com a modificação ao disposto no inciso I do art. 588, que não mais se refere à exigência de caução para início da execução provisória.

Referida exigência mostrava-se incompatível com a efetividade que se espera da medida de tutela antecipada e explicava a anterior redação do mencionado § 3º, referindo-se apenas aos incisos II e III do art. 588.

Agora, se dúvida ainda havia, fica mais do que claro que não se faz obrigatória a prestação de caução para que o autor inicie as providências que visem a dotar de eficácia imediata o provimento de antecipação de tutela concedido.

As expressões “no que couber” e “conforme a sua natureza” trazem fortes indicativos no sentido de que não será correta a aplicação automática da disciplina da execução provisória para todos os casos de antecipação de tutela6.

Como bem salienta João Batista Lopes, embora a tutela antecipada seja dotada de provisoriedade, “sua eficácia imediata é co-natural à medida, de modo que a efetividade do provimento não pode ficar atrelada ao anacrônico regime da execução provisória”7.

Para Sérgio Shimura, tais locuções indicam que a efetivação da tutela antecipada se dá de modo provisório, com possibilidade de reversão à situação anterior, e que a caução seria exigível nos casos de levantamento de depósito em dinheiro ou de alienação de domínio – incluímos, também, os casos de prática de atos dos quais possa resultar grave dano ao executado – , com responsabilidade objetiva do beneficiário da medida pelos prejuízos causados à parte adversa8.

A provisoriedade da decisão que antecipa a tutela, a nosso ver, decorre dos termos do § 4º do art. 273 do Código de Processo Civil. Entendemos que, ao dizer “conforme sua natureza”, teve em mente o legislador a natureza da obrigação a ser atribuída ao réu por força da decisão que antecipa a tutela, ou, pela ótica do autor, a natureza da tutela a ser-lhe concedida.

De fato, em se tratando de obrigação de fazer, de não fazer e de entrega de coisa, podemos entender que a decisão de antecipação de tutela não se submete a nenhuma das regras específicas da execução provisória, contidas no art. 588 do Código de Processo Civil, posto que tais provimentos, nitidamente, ou são dotados de carga mandamental, ou de carga executiva lato sensu, dependendo do caso concreto, estando, já por isso, fora do âmbito de incidência do instituto da execução provisória de que estamos tratando.

Sem, porém, o provimento antecipatório representar obrigação por quantia certa, ainda que, nesse caso específico, seja dotado de carga mandamental, mas considerada a própria natureza da obrigação, ficará sujeito às regras do art. 588 do Código de Processo Civil, “no que couber”.

Note-se que, agora, passa a ter relevância a outra locução adotada pelo legislador – “no que couber” – , que se liga à própria finalidade da medida de antecipação de tutela, que não pode ter obstada a sua eficácia imediata por entraves típicos do processo de execução, mesmo que provisória, como é o caso da citação para pagar, do oferecimento de bens à penhora pelo devedor, dos embargos etc.

Paulo Henrique dos Santos Lucon sustenta que a antecipação da tutela condenatória deve ser rápida e deve proporcionar efetiva satisfação, pois, do contrário, será incompleta. Para ele, mostra-se possível uma condenação – execução sumária destinada a garantir, total ou parcialmente, o valor necessário ao integral ressarcimento do prejuízo provocado9.

Lucon cita, como exemplo, uma demanda de indenização decorrente de ato ilícito, em que o autor pede a tutela antecipada para custear alimentos ou para tratamento de saúde de que necessita, sustentando que competirá ao juiz, respeitado o contraditório, conceber os meios executivos mais adequados a proporcionar a imediata satisfação, tais como desconto em folha de pagamento; bloqueio e entrega de valores depositados em conta corrente; alienação célere, com eventual dispensa de avaliação, se desnecessária10.

Joel Dias Figueira Júnior também cita um exemplo de uma vítima de acidente de trânsito – pai e arrimo de família modesta -, que junta prova segura da embriaguez do réu quando do acidente; declarações de testemunhas e laudo que comprovam a culpabilidade deste, bem como prova de que necessita de uma cirurgia de urgência e que precisa de três salários mínimos mensais para manter a sua família. Para Figueira Júnior, o juiz haverá de ordenar que o réu deposite em juízo o valor da cirurgia e, mensalmente, a importância pedida, sob pena de incidir em multa diária, sem prejuízo de que haja bloqueio judicial de seus bens e que incida em crime de desobediência11.

Os exemplos citados mostram que, nesses casos, mostra-se pertinente a expedição de mandado de pagamento, com advertência de eventual prática de crime de desobediência, no caso do descumprimento; ainda assim, se for descumprida a ordem, poderá o autor iniciar a execução provisória da decisão, mediante a adoção de medidas executivas concretas que objetivem a satisfação da tutela mandamental, tais como bloqueio de conta e entrega dos valores ao autor; apreensão de bens móveis e imposição de multa diária, de maneira célere, tudo sem a necessidade de citação e sem a possibilidade de embargos.

Para João Batista Lopes, porém, se houver recalcitrância do réu no cumprimento do mandado de pagamento, “outra solução não haverá senão o ajuizamento de ação de execução por quantia certa (citação para pagar, sob pena de penhora)”12.

Interessante anotar, ainda, que entendemos viável, no bojo da execução provisória de que estamos tratando, a estipulação de medida coercitiva – como é o caso da multa diária – visando a induzir o réu a cumprir com a sua obrigação de pagar.

É pertinente o entendimento de Marcelo Lima Guerra quanto à possibilidade de aplicação das medidas coercitivas na execução por quantia certa, especialmente a multa diária, que pode ser de grande utilidade não exatamente para induzir o devedor a pagar, mas sim para pressioná-lo a realizar outras atividades que contribuam para uma satisfação efetiva do crédito. Assim, por exemplo, a indicação pelo devedor de bens seus, livres e desembaraçados, aptos a garantir o pagamento do crédito ajuizado, assim como a localização desses bens, podem ser obtidas através da multa. Justifica-se a aplicação de medida coercitiva, nessas hipóteses, porque se trata de atividades importantes, cuja pronta realização contribui, significativamente, para a prestação efetiva da tutela executiva13.

Tais providências mostram-se necessárias para que, com a urgência e a efetividade adequadas, seja dado cumprimento ao provimento contido na antecipação da tutela, podendo ser, eventualmente, exigida caução do exeqüente, nas hipóteses de levantamento de depósito em dinheiro, de eventual prática de atos que importem alienação de domínio ou dos quais possa resultar grave dano ao executado, salvo se incidirem as hipóteses de dispensa previstas no § 2º do art. 588 e ainda assim se aludida exigência não inviabilizar se efetive a decisão de antecipação de tutela, cujo cumprimento deve ser prestigiado.

Além disso, também há perfeita adequação da regra inserta no inciso I do art. 588 do Código de Processo Civil com a prática dos atos executivos decorrentes da concessão da antecipação da tutela, de maneira que, se houver prejuízos ao executado, por eles responderá objetivamente o exeqüente, no caso de reforma da decisão.

______

Notas:

1 Não nos propomos a analisar mais detidamente o instituto da antecipação dos efeitos da tutela, estudo esse que alongaria por demais o trabalho e não seria de todo imprescindível para a análise do tema ora enfocado.

2 Para Donaldo Armelin, “a temática de uma tutela jurisdicional diferenciada posta em evidência notadamente e também em virtude da atualidade do questionamento a respeito da efetividade do processo, prende-se talvez mais remotamente à própria questão da indispensável adaptabilidade da prestação jurisdicional e dos instrumentos que a propiciam à finalidade dessa mesma tutela. Realmente, presentes diferenciados objetivos a serem alcançados por uma prestação jurisdicional efetiva, não há porque se manter um tipo unitário desta ou dos instrumentos indispensáveis a sua corporificação. A vinculação do tipo de prestação à sua finalidade específica espelha a atendibilidade desta; a adequação do instrumento ao seu escopo potencia o seu tônus de efetividade”. Cf. ARMELIN, Donaldo. Tutela jurisdicional diferenciada. Revista de Processo, São Paulo, v.65, p. 46, jan./mar. 1992.

João Batista Lopes conceitua a tutela jurisdicional diferenciada como “o conjunto de instrumentos e modelos para fazer o processo atuar pronta e eficazmente, garantindo a adequada proteção dos direitos segundo os princípios, regras e valores constantes da ordem jurídica”. Cf. LOPES, João Batista. Tutela antecipada no processo civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2001. p.30.

3 Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 258.

4 DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1997.p.140.

5 CARPI, Federico. La provvisoria esecutorietà della sentenza. Milano: Giuffrè, 1979. p. 81-82.

Segundo Carpi, “invero ci sembra che gli effetti immediati della sentenza, che hanno carattere di provvisorietà, non siano null’altro che l’anticipazione a scopo satisfattorio della sanzione propria di quella sentenza, e cioè l’esecutorietà provvisoria della quale siamo venuti fin qui discorrendo”.

6 Cf. LOPES, João Batista. Tutela antecipada no processo civil brasileiro. p. 86-87.

7 Ibid., p.87.

8 MOREIRA, Alberto Camiña et al. Nova reforma processual civil: comentada. São Paulo: Método, 2002. p. 412-413.

9 LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Eficácia das decisões e execução provisória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 273-274.

10 Ibid., p. 274.

11 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Comentários ao Código de Processo Civil: do processo de conhecimento: arts. 270 a 281. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. v. 4, t.1, p. 263-264.

12 Cf. LOPES, João Batista. Tutela antecipada no processo civil brasileiro, p. 88.

Teori Albino Zavascki também entende que a única alternativa, no caso acima, será a propositura da execução provisória por quantia certa, nos moldes do processo executivo disciplinado a partir do art. 646 do Código de Processo Civil. Cf. ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 95.

13 GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 187.

* Ricardo Hoffmann
Juiz de Direito no Estado de São Paulo, Mestre e Especialista em Direito pela PUC de Campinas. Integra o Colégio Recursal do Juizado Especial Cível da Comarca de Campinas.

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