A falência do sistema Prisional e o alto índice de criminalidade

Erika Midori Ide

INTRODUÇÃO

Devemos mencionar, antes de tudo, a importância de se considerar o fato de que o indivíduo sofre influências durante o período em que permanece dentro de um presídio, além das conseqüências que somente virão à tona após sua saída de tal instituição.

Atualmente há grande discussão a respeito do alto índice de criminalidade e o aumento da mesma. Sabemos que o problema nomeado de criminalidade existe por vários motivos, talvez ao fazer um estudo mais profundo, pudéssemos identifica-los, todavia, vamos nos ater a discorrer a respeito de como a pena, ou melhor, o cumprimento da pena privativa de liberdade pode refletir nos altos índices de criminalidade.

A pena privativa de liberdade tem, à princípio, uma função social, que é reintegrar o individuo à sociedade, porém, devemos questionar se esta função tem sido cumprida.

Por reintegrar o individuo à sociedade, deveríamos compreender: devolver o delinqüente ao seu meio social, de forma que este após se arrepender do delito praticado e responder judicialmente pela pratica do mesmo, estando, enfim, sem débito para com a sociedade. De maneira que, pudesse continuar sua vida sem ser taxado de ex-presidiário, o que acaba por dificultar sua vida em vários sentidos, ou seja, social, econômico, moral e até emocional.

O que tentamos esclarecer nesta pesquisa é o fato de que o cumprimento da pena privativa de liberdade, ao invés de corrigir o individuo criminoso e tentar devolve-lo à sociedade, vem alimentando a criminalidade, pelo fato de que o período em cárcere, vem contribuir para que se aprenda sobre o mundo do crime e, impedir que a vida seja normal após o cumprimento da pena privativa de liberdade.

Como dissemos acima, a pena privativa de liberdade tem função social buscando reprimir e prevenir a prática do crime.

Reprimir no sentido de que aquele que infringir a lei, deverá responder pelos seus atos, através do cumprimento da pena privativa de liberdade. Já a prevenção se manifesta pela possibilidade de se sujeitar a cumprir a pena privativa de liberdade, isto é, o indivíduo não vai delinqüir para não sofrer as conseqüências de seus atos.

Ainda, a prevenção vem a coibir o próprio criminoso, que a partir do momento em que cumpriu a pena privativa de liberdade será considerado reincidente, o que poderá lhe agravar uma próxima pena, caso venha a praticar um novo delito.

Fator muito importante ainda é a função de ressocialização imputada à pena privativa de liberdade, ou seja, além de reprimir e prevenir dever-se-á buscar a ressocialização do indivíduo criminoso.

Na verdade a ressocialização não é função da imposição da pena privativa de liberdade, mas sim de sua aplicação, ou seja, da maneira como se aplica a pena.

Não estamos dizendo q a pena privativa de liberdade não é necessária ou que o criminoso não mereça o cárcere, e sim que, o sistema carcerário, a maneira como a pena privativa de liberdade é aplicada não nos traz resultados satisfatórios, e ainda mais, desejamos demonstrar que não é através da pena privativa de liberdade que se alcançará o controle da criminalidade, muito pelo contrário, o sistema carcerário alimenta a criminalidade.

I – PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE

Ao se falar de pena privativa de liberdade nos lembramos do conceito de prisão. A palavra prisão vem do latim, prensione, e significa o ato de prender o indivíduo ou o local em que o sujeito fica preso, que atualmente é conhecido por cárcere, cadeia, presídio, penitenciária, casa de detenção, custódia, etc. Antigamente outros nomes também eram empregados, como: enxovia , aljube , masmorra, calabouço, ergástulo etc.

A prisão se destinava a manter o individuo cerceado de sua liberdade até que sua situação se resolvesse pelas autoridades competentes, enfim, antes da prisão se tornar instrumento da pena, se destinou a reter o condenado até a execução de sua pena, que era sempre corporal ou infame .

Hoje a prisão é uma medida coagente, de força, um sacrifício individual, reclamada pelo interesse social. Existe a pretensão de que seja possível a correção do sujeito delinqüente, de maneira que este não volte a delinqüir.

Vejamos o texto legal penal de 1969:“Artigo 37: A pena de reclusão e a detenção devem ser executadas de modo que exerçam sobre o condenado uma individualização educativa, no sentido de sua recuperação”.(citado em: FARIAS JUNIOR, 2001, p. 385).

A pena de prisão fora criada com base na vingança pública, quanto mais cureis fossem as penas eram entendidas como mais justas.

Citando FOUCAULT, temos um exemplo de condenação existente nesta época:

“[Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757], a pedir perdão publicamente diante da porta principal da Igreja de Paris [onde devia ser] levado e acompanhado numa carroça, nu, de camisola, carregando uma tocha de cera acesa de duas libras; [em seguida], na dita carroça, na praça de Grève, e sobre um patíbulo que aí será erguido, atenazado (torturado) nos mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas, sua mão direita segurando a faca com que cometeu o dito parricídio, queimada com fogo de enxofre, e às partes em que será atenazado (torturado) se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e seus membros e corpo consumidos ao fogo, reduzidos a cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento.” (FOUCAULT, 1991, p.9).

Conforme pode ser observado acima as penas era além de cruéis, ultrajantes, o que fora bem lembrado e destacado pelo marquês de Beccaria , em sua obra Dos delitos e das penas.

Cesare Beccaria nos chamava atenção, para o fato de que as penas cruéis não eram hábeis no combate ao crime, e conseqüentemente não surtiam efeito no combate à criminalidade.

Manifestando-se em sua obra a respeito, disse Beccaria:

“Quanto mais terríveis forem os castigos, tanto mais cheio de audácia será o culpado em evitá-los. Praticará novos crimes, para fugir à pena que mereceu pelo primeiro. (…) Os países e os séculos em que se puseram em prática os tormentos mais atrozes, são igualmente aqueles em que se praticaram os crimes mais tremendos. O mesmo espírito de ferocidade que ditava as leis de sangue ao legislador, colocava o punhal nas mãos do assassino e do parricida.” (BECCARIA, 1994, p.43.).

Ainda, que existia, e sabemos que ainda existe, um equívoco no sentido de que as condutas reprováveis deveriam ser puníveis. No entanto, as pessoas se esqueciam de que, as penas deveriam ser úteis e não numerosas.

Já naquela época, período do Iluminismo , Beccaria tinha uma visão muito ampla, visualizava o problema da criminalidade de maneira admirável.

Destaquemos:

“Ora, quanto mais se estender a esfera dos crimes, tanto mais se fará que sejam cometidos, porque se verão os delitos multiplicar-se à medida que os motivos de delitos especificados pelas leis forem mais numerosos, sobretudo se a maioria dessas leis não passar de privilégios, isto é, para um, pequeno número de senhores.” (BECCARIA, 1994, P.99).

O nobre Marquês de Beccaria, foi um marco na historia do direito penal pregando a humanização do direito penal, defendendo os princípios da dignidade da pessoa humana, humanidade e proporcionalidade, em especial.

As penas cruéis foram banidas de nosso sistema penal, todavia, ainda hoje, são aplicadas de maneira falha, podendo não mais ser consideradas cruéis, mas assim se tornam em face da maneira como são aplicadas.

Ademais, sabemos que não é só o fato de que as penas são aplicadas de maneira a admitir a degradação física e moral do detento, mas o fato de que os menos favorecidos ainda sofrem bem mais com a aplicação do que é chamado de pensa privativa de liberdade, talvez por sua ignorância ou dificuldade em apresentar justificativas à prática dos delitos.

(…) poder excessivo nas jurisdições inferiores que podem – ajudadas pela pobreza e pela ignorância dos condenados – negligenciar as apelações de direito e mandar executar sem controle sentenças arbitrarias; poder excessivo do lado de uma acusação à qual são dadas quase sem limite meios de prosseguir,l enquanto que o acusado esta desarmado diante dela, o que leva os juizes a ser, às vezes severo demais, às vezes, por reação, indulgentes demais, poder excessivo para juizes que podem se contentar com provas fúteis se são `legais´ e poder excessivo dado à `gente do rei´, não só em relação aos acusados, mas também aos outros magistrados; poder excessivo enfim exercido pelo rei, pois ele pode suspender o curso da justiça, modificar suas decisões, cassar os magistrados, revoga-los ou exila-los, substitui-los por juizes por comissão real. A paralisia da justiça está ligada menos a um enfraquecimento que a uma distribuição mal regulada do poder, a sua concentração em certo número de pontos e aos conflitos e descontinuidades que daí resultam. (FOUCAULT, 1991, p. 74).

Enfim, a pena privativa de liberdade consiste, sobretudo, em retirar de circulação os indivíduos taxados como delinqüentes na realidade este é o grande objetivo da privação da liberdade. Não importando em que condições a pena será cumprida, ou quais serão as conseqüências advindas da execução da mesma.

Ressaltar-se-á que em nosso país, as estatísticas dizem que a cada dez presos, nove são pobres e miseráveis, defende-se é o retorno da pena de morte, da prisão perpétua, como se a marginalidade tivesse as mesmas oportunidades de vida que os demais cidadãos, como se escolhessem entre o bem e o mal, de forma livre e consciente, falam como se a sociedade fosse igualitária e os miseráveis não passassem de fracassados e preguiçosos, jamais discutindo as injustiças sociais, culturais e raciais, como potencializadores do aumento da criminalidade.

1.1 – Culpabilidade como pressuposto da pena

É de suma importância falar brevemente sobre a culpabilidade, pois é o maior pressuposto da pena, uma vez que reflete o juízo de reprovação da sociedade em relação ao ato delituoso praticado pelo sujeito criminoso.

Foi através do direito canônico, que a noção de culpabilidade veio a tona com muita força, porque a noção de crime interligada com a noção de pecado e o propósito da punição é a expiação do pecado, tanto que era preciso que o culpado fosse preso, ficasse isolado para que pudesse meditar sobre a falta cometida e desta maneira arrepender-se e conseqüentemente voltar ao seio da comunidade cristã.

A de culpabilidade é constituída por três elementos: a) relação de causalidade, que vincula reciprocamente decisão do réu, ação e resultado do delito; b) a imputabilidade penal ou capacidade penal, que corresponde a uma condição do réu, sua capacidade de entender e querer; c) a intencionalidade ou culpabilidade em sentido estrito, que designa a consciência do delito.

A exigibilidade da conduta adequada é mencionada pelo Dr. Amilton Bueno de Carvalho, Desembargador da 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Porto Alegre Estado do Rio Grande do Sul:

“[…] a culpabilidade consiste na reprovação da conduta ilícita (típica e antijurídica) de quem tem capacidade genérica de entender e querer (imputabilidade) e podia, nas circunstâncias em que o fato ocorreu, conhecer a sua ilicitude, sendo-lhe exigível comportamento que se ajuste ao direito.”(CARVALHO, 2000. p. 37).

O desrespeito ao princípio da culpabilidade pode importar na ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana, de acordo com Gunther Jakobs :“O Tribunal Constitucional Federal alemão deriva o princípio de culpabilidade não somente dos princípios gerais do Estado de direito material, mas também especificamente da obrigação de respeitar a dignidade humana.”( JAKOBS, 2003. p. 12).

O movimento da defesa social reside no principio da culpabilidade, isto é, o código tem por base e ponto de partida a culpabilidade, baseada na liberdade do homem, na capacidade do homem de decidir e na sua conseqüente reprovabilidade.

A culpabilidade pode decompor-se em três elementos: a) relação de causalidade, que vincula reciprocamente decisão do réu, ação e resultado do delito; b) a imputabilidade penal ou capacidade penal, sua capacidade de entender e de querer; c) a intencionalidade ou culpabilidade em sentido estrito, que designa a consciência e contato do delito.

Sendo assim, é necessário que se observe quais são, na realidade, as condutas merecedoras de se verem criminalizadas, de maneira que é fatal fazer distinção entre condutas de grave potencial ofensivo e outras, objeto de mera reprovação social, talvez de caráter imoral, mas não dignas de se tornarem crime.

Por fim podemos dizer que a culpabilidade não é elemento do crime, mas pressuposto da pena, o juízo censurativo que incide sobre um fato culpável e não sobre um sujeito culpável.

1.2 – O direito de punir

O objetivo do Estado, por intermédio da aplicação da pena privativa de liberdade, é a prevenção dos delitos, não apenas a prevenção de futuros delitos, mas também à prevenção de possíveis reações públicas ou privadas arbitrárias, que podem resultar da ausência ou omissão do sistema penal.

É conferido ao direito penal a função da prevenção de futuros delitos e prevenção de reações arbitrárias, partam do particular ou do próprio Estado. Privilegia, porém, seu modelo de justificação do direito penal, essa segunda função, que considera como fim fundamental da pena.

Sabemos que há razoes para duvidarmos da efetiva idoneidade do direito penal para prevenir delitos futuros, da eficácia dissuasória da intervenção penal, e acreditarmos que seja a norma penal mais eficaz ou mais adequada para cumprir essa segunda tarefa de prevenção de reações arbitrárias.

Prevenir o crime é o interesse da maioria da sociedade, aqueles que temem o crescimento avançado e feroz da criminalidade na atualidade. Entretanto, o que vemos na prática, é um conflito de interesses entre a Justiça Pública, poder de punir jus puniendi e o acusado e não a preocupação em buscar a causa da prática do delito, que é a causa do conflito supra mencionado, é o que conhecemos em termos de processo penal por contraditório, isto é, a acusação, interessada na defesa social e, por conseguinte, em maximizar a prevenção e o castigo aos delitos; e a defesa, interessada na defesa individual e, portanto, em maximizar a prevenção das penas arbitrárias

A questão é, devemos avaliar a função da pena, a razão da mesma existir, seu fundamento maior, algo que estaria além da punição. As penas, devem perseguir fins pedagógicos ou correcionais.
Considerar-se-á também o fato de que há certa violação das garantias do direito e processo penais, quando se trata de analisar o caso concreto, de maneira que, o direito penal passa a atuar à margem da legalidade, existindo entre nós, prisões provisórias forçadas e sem amparo legal; e aqui façamos uma referencia especial ao Estado de São Paulo que apresenta maior resistência em revogar prisões preventivas e expedir alvarás de soltura, tudo em nome da garantia do andamento do processo, e se utilizando do argumento que a sociedade clama por justiça e, ao manter prisões cautelares estaria velando pela segurança do próprio indivíduo preso; prisões além do prazo legal; tortura; o que vem confirmar a arbitrariedade do sistema penal e o desrespeito aos direitos e garantias fundamentais que nos são conferidas por meio da Constituição Federal de 1988.

II – POLÍTICA CRIMINAL E DEFESA SOCIAL

Dentro da política criminal temos um movimento denominado Movimento da novíssima defesa social, que busca é claro, explicar e reduzir os índices de criminalidade.

Tal movimento procura reexaminar as estruturas vigentes no direito penal.

As idéias de defesa social evoluíram, e em 1949, foi fundada a sociedade Internacional de Defesa Social. No ano de 1950, a Assembléia Geral das Nações Unidas cria a Seção de Defesa Social em Substituição à antiga Comissão Internacional Penal Penitenciaria, com a incumbência de convocar e organizar, a cada 05 anos, um congresso internacional da prevenção do crime e tratamento do delinqüente, estabelecendo-se o seguinte:

a) Regras mínimas para o tratamento dos presos;
b) Seleção e formação de pessoal para o tratamento de presos;
c) Estabelecimentos abertos;
d) Trabalho penitenciário;
e) Delinqüência juvenil.

Desta época até agora foram realizados os seguintes congressos: Genebra, 1955; Londres, 1960; Estocolmo, 1965; Kioto, 1970; Genebra, 1975; Caracas, 1980; Milão, 1985; Havana, 1990 e Cairo, 1995.
Os objetivos são, basicamente: descriminalizar, despenalizar e neocriminalizar, isto é criminalizar o que é realmente necessário.

Há aqui o reconhecimento da defasagem do direito em vigor e a necessidade de uma atualização.

Descriminalizar: criminalizar só o que for importante.

Despenalizar: Estabelecer proporcionalidade entre delito cometido e snáo aplicada.

Neocriminalizar: Um novo rol de condutas deve ser tipificada.

A esse respeito observemos o conteúdo abaixo:

“sob a denominação “Nova Criminologia” encontramos um outro movimento que, à semelhança da “Novíssima Defesa Social”, constitui-se numa espécie de frente ampla, que abriga em suas fileiras tendências diversas. Nova Criminologia é expressão genérica, na qual se subsumem denominações específicas, como Criminologia Crítica, Criminologia Radical, Criminologia da Reação Social, Economia Política do Delito (denominação proposta na Inglaterra) e outras, cada uma, a seu modo, significando reação à chamada Criminologia Tradicional, que, fulcrada no pensamento positivista, preocupa-se apenas com a etiologia do crime e com os aspectos psicológicos da passagem ao ato, a partir de conceitos estratificados na lei. Todas essas criminologias contribuem para a formação, no campo da política criminal, de um movimento conhecido por Política Criminal Alternativa, cujo principal veículo de divulgação foi a revista La Questione Criminale, que se editava em Bolonha, sob a orientação do denominado Grupo de Bolonha”. (ARAÚJO JÚNIOR, 1991. p. 78).

A nova defesa social requer que sempre se faça constante análises críticas acerca dos institutos, formas e meios de combate à criminalidade, e por fim, no melhor tratamento ser aplicado.
Dentro destes conceitos exara-se a aceitação do homem-delinqüente nas suas diferenças; a meta é ressocializá-lo, da melhor forma possível.

Segundo Farias Junior, as propostas básicas da escola da defesa social são:

1- Mudança de Direito Penal para Direito de Defesa Social;

2- Abandono do critério de aferição do homem criminoso por sua responsabilidade moral, passando a ser ele aferido pelo critério de seu grau de anti-sociabilidade;

3- A necessidade de se incriminar, adviria não das conseqüências do fato, mas da avaliação do estado perigoso do delinqüente;

4- A pena seria abolida e substituída por medidas de defeca social que seriam educativas e curativas, de modo que os direitos da personalidade humana fossem respeitados;

5- Não mais a preocupação com a tutela de bens jurídicos, mas a preocupação com a reabilitação do homem perigoso;

6- Os crimes seriam concebidos como fatos indicadores da periculosidade ou anti-sociabilidade.

Aqui há que se falar no princípio da intervenção mínima, caracterizada pelos processos de despenalização e descriminalização, sempre que possível, dever-se-á evitar recorrer a processos formais ou julgamentos perante tribunais, claro, nunca deixando de considerar as garantias legais e as normas jurídicas.

Em relação ao Direito Penal Mínimo podemos afirmar que está se construindo um enorme consenso, quase que mundial, mesmo porque seus postulados e princípios não são fechados, permitindo constante reformulação de idéias.

Segundo Zaffaroni, o minimalismo penal é válido desde que:

“(a) seja enfocado passagem para o abolicionismo total e na medida em que a intervenção do atual sistema penal resulte menos violenta que as outras formas de decisão de conflitos, isto é, na medida em que a resolução do conflito fique fora do verticalizador (militarizado) e conformador da sociedade atual e, de outro lado, (b) desde que respeitados as garantias e princípios penais e humanitários, sob o império da regra da violação mínima/realização máxima, como limites máximos de irracionalidade tolerados ao exercício do poder do sistema penal, destacando-se os princípios de legalidade ou reserva de lei, de máxima taxatividade, de irretroatividade, de máxima subordinação ã lei substantiva, de representação popular, de lesividade do bem jurídico, de proporcionalidade , de humanidade , de idoneidade relativa a legislação penal, de transcendência mínima da intervenção punitiva etc.; sobretudo, as exigências mínimas pautadas pela denominada “teoria do delito”que são: existência de uma ação humana conflitiva e lesiva, tipicidade, ilicitude, culpabilidade etc”.(ZAFFARONI, 1993, p.191)

Devemos mencionar ainda que, ao lado dos processos minimalistas (descriminalização , despenalização), fundados na idéia da intervenção mínima do Estado, com máximas garantias, existem os processos maximalistas (criminalização, penalização) baseados na intervenção máxima do Estado e garantias mínimas.

Não podemos nos esquecer ainda de discorrer brevemente a respeito da política criminal, que é aliada da criminologia, uma vez que, como política, deve definir os fins do Estado diante do problema do crime e da criminalidade, formulando e indicando os meios necessários para melhor e mais eficazmente realizar a defesa social, que é a finalidade da criminologia.

De acordo com o jurista João Farias Junior:

“A política criminal é o ultimo passo da criminologia, isto é, depois de a criminologia estudar o homem delinqüente, a criminalidade e os fatores criminógenos, vem a fase da proposta das medidas solucionadores, da sugestão de reformas das normas e da eficaz organização e mecanismos do aparelho estatal capaz de executar as medidas consolidadas nas normas”. (FARIAS, 2001. p. 49).

A política criminal auxilia a criminologia no intuito de que esta possa alcançar seus objetivos. A criminalidade só pode ser combatida através do ataque as suas causas, pois somente dessa forma os efeitos podem ser evitados.

2.1 – Descrédito da sistemática penal

A criminalidade aumenta dia após dias de maneira que a sociedade se sente desprotegida e insegura, desse fato é que se origina o descrédito da sistemática penal brasileira.

Indícios de tal descrédito:

a) O aparecimento de grupos de extermínio e dos justiceiros nos maiores centros populacionais do Brasil;
b) Os linchamentos;
c) O desejo da pena de morte;
d) O sentimento de que há uma justiça para pobres e outra para ricos e criminosos de colarinho branco;
e) A morosidade processual na justiça criminal;
f) A não obrigatoriedade de advogado na polícia;
g) As mazelas policiais e prisionais;
h) A formação de uma força parapolicial de guardar e vigilantes privados;
i) A impotência institucional no combate ao crime e a insegurança do povo;
j) As freqüentes mortes de policiais e a corrupção dos mesmos acarretados pelos altos índices de criminalidade;
k) Porte de arma por grande parte da população.

A razão de todo o exposto acima é a falta de adequação e uso equivocado de mecanismos ineficazes adotados pelo Estado no intuito de combater a criminalidade.

A aplicação da pena privativa de liberdade é um mecanismo de combate pelo fato de exercer uma certa coação sobre o indivíduo e impedir que este venha delinqüir, é o que chamamos de função preventiva da pena privativa de liberdade.

2.2 – A Prevenção Da Criminalidade

O sistema de prevenção ao crime corresponde a um conjunto de medidas, instituições e ações destinadas a evitar a criminalidade e a violência, preservar a dignidade humana.

O que se busca é que o ser humano, a partir da criança e do adolescente, não se desvirtue, não sucumba a criminalidade, todavia, ocorrendo o problema há que se procurar uma solução capaz de prevenir que o sujeito venha a praticar delitos de maneira reiterada, se isto acontece temos um aumento no índice de criminalidade.

No intuito de prevenir temos os instrumentos da prevenção primaria, prevenção secundaria, prevenção terciária e prevenção quaternária.

2.2.1 – Prevenção Primária

Neste estágio o que se visa é eliminar as causas superficiais do comportamento criminoso. Poder-se-á evitar rimes e danos futuros, se as crianças e adolescentes forem instruídos.

Além da educação escolar de excelente qualidade há necessidade de que haja educação familiar, moral, profissional, ambiental, cívica, enfim, educação integral.
Uma vez que o menor não tem acesso a educação integral de qualidade vai crescer sem valores e fatalmente terá inclinações à marginalidade.

2.2.2 – Prevenção Secundária

Aqui, o que se busca é frustrar a pretensão de atingir o objeto do crime, evitar que a criminalidade aumente fazendo uso das seguintes medidas:

Primeiro, uma política comunitária preventiva, isto é, constituída pelos municípios, instituindo uma policia de comunitária municipal, com a missão de rondar e zelar pela segurança da comunidade daquele município. A responsabilidade da manutenção desta policia seria da própria comunidade.

Segundo, o desarmamento, pois o porte de arma não significa segurança, é um estimulo à violência.

Ainda, a desalcoolização, ou seja, proibir e criminalizar o uso exagerado de bebidas. O uso do álcool é causa de cerca de 30 mil mortes e 300 mil feridos tanto no transito quanto nos crimes em geral.

Outro ponto importante é o combate ao tráfico de drogas, que alem de causar dependência, seja ela psicológica ou química, leva o individuo a praticar qualquer tipo de violência para sustentar o vício. O tráfico e consumo de drogas têm reflexos na criminalidade.

Nosso objetivo nesta pesquisa é demonstrar que a pena privativa de liberdade não é capaz de reduzir os índices de criminalidade, e o que é pior, fabrica marginais dentro dos presídios. Sendo assim, devemos mencionar a despenalização, outra maneira de se colocar em pratica a prevenção secundaria.

A pena privativa de liberdade age sobre o efeito de maneira que se torna ineficaz, não se preocupa em erradicar a causa da necessidade da permanência em cárcere. A pena corresponde a vingança, retribuição de um mal por outro. Não é desta forma que o problema da criminalidade será amenizado, o que se consegue com a aplicação da pena privativa de liberdade, da maneira como é aplicada atualmente, é que o problema se agrave.

Outro ponto importante é o combate a corrupção do caráter humano, o sujeito corrupto é o individuo moralmente degradado, desonesto e indecente. Se o caráter é ruim, o indivíduo não vai agir visando a pratica do bem, nem mesmo irá considerar a possibilidade de evitar a prática de atos reprováveis.

2.2.3 – Prevenção Terciária

A prevenção terciária procura evitar que os indivíduos portadores de conduta desviada, corrompida e perigosa prejudiquem a convivência social. Estes sujeitos são capacitados para o crime, mas que pela legislação atual, não são considerados criminosos.

O Estado só poderá intervir depois que este indivíduo causar algum dano à sociedade, praticando alguma conduta típica. Na verdade o sujeito apresenta tendência e perfil criminosos, mas até então ainda não chegou a praticar algum ato ilegal, é apenas anti-social, imoral, o que se chama de criminoso em potencial.

No intuito de utilizar este mecanismo de prevenção, a terciária, o Estado de veria criar um juízo especial preventivo, que analisasse as condutas anti-sociais ou perigosas não tipificadas pela lei penal ou extra penal.

2.2.4 – Prevenção Quaternária

Por prevenção quaternária devemos entender que é aquela que busca evitar a reincidência, está ligada a ressocialização e reabilitação do delinqüente.

Esta não nos interessa aqui, pois o que buscamos é criticar a aplicação da pena privativa de liberdade e apresentar sugestões, apontar falhas no sistema prisional.

A reforma do caráter do indivíduo infrator é tarefa designada a prevenção quaternária. A pena privativa de liberdade imposta deveria ser encarada não como castigo, e sim como necessidade pelo seu estado perigoso, todavia, há que se buscar a mudança de um sistema prisional deformador do caráter para um sistema reformador.

III – SUBCULTUTRA CARCERÁRIA

Nas palavras de Bittencourt, a pena privativa de liberdade é concebida, modernamente, como um mal necessário.

Inicialmente, a prisão deveria servir para ser parte integrante das instituições sociais, , um local onde o condenado pudesse reaprender a viver em harmonia com seus semelhantes. Entretanto, não se pode deixar de reconhecer que a realidade é bem diversa dessa concepção ideal, pois o que existe dentro dos estabelecimentos prisionais é um subsistema social com valores próprios, totalmente contrários aos existentes na sociedade livre.
Tereza Miralles, Elizabeth Sussekind, Maria H. Piereck de Sá e Rosa Soares de Araújo dizem que:

“inúmeras são as vezes em que policiais mal treinados, ou mesmo de caráter profissional duvidoso, fazem uso de meios ilegais e desumanos provocando efeitos desastrosos no indiciado. Isso vai gerar no delinqüente capturado a idéia de um sistema penal onde a justiça é trocada por arbítrios, fazendo com que seus conceitos cada vez mais se abalem”.

Sendo assim, podemos, seguramente, dizer que uma penitenciária é sem sombra de dúvidas, um local em que os detentos aprendem a absorver uma cultura carcerária, o que pode ser denominado de subcultura carcerária, o que afasta cada vez mais o individuo da sociedade.

Consideremos:“o preso deve amoldar-se à consciência coletiva já existente e aprender a ideologia criminal.”(BITTENCOURT, 2001, p. 180-181).

O que ocorre é que, na verdade, os ambientes destinados aos encarcerados, normalmente são minúsculos, não lhes possibilitando praticamente nenhuma movimentação e as posições em que podem ficar não são sequer razoáveis para o bem-estar físico de um ser humano.

Citando ainda BITTENCOURT:

“As más condições de higiene, por sua vez, representadas pela falta de circulação de ar, umidade, odores nauseabundos, grande quantidade de insetos e parasitas, sujeiras e imundícies nas celas, corredores e cozinhas debilitam a saúde dos presos e comprometem o desenvolvimento de qualquer tarefa que tenha por objetivo reintegrá-los à sociedade.”(BITTENCOURT, 2001, p. 158).

Nestas condições, percebemos que o problema da superpopulação das prisões é um sério obstáculo à reintegração do condenado na comunidade, pois ele perde a noção de convívio social sadio e do que representa a sua individualidade.

Como mencionamos anteriormente, a pena privativa de liberdade falta com respeito a vários princípios, dentre eles o da dignidade da pessoa humana, nesse sentido se manifesta Albergaria: “a pena de prisão não se enquadra no Estado Social e Democrático de Direito, nem no objetivo ressocializador da pena, cujo elemento nuclear é o desenvolvimento da personalidade e dignidade da pessoa.” (ALBERGARIA, 1995, p. 37).

Tendo em vista tal situação, fica claro que a pensa privativa de liberdade é ineficaz, e não vem cumprindo suas metas em termos de ressocialização, e ainda, o que é pior, tem servido como tempo de aprendizagem do crime.

Quando falamos de subcultura carcerária, devemos deixar claro que, a intenção é simplesmente afirmar a ineficácia do sistema prisional brasileiro, e apontar como o processo de criminalizaçao vivido dentro dos presídios pode e contribui para o aumento da criminalidade.

“o pretendido tratamento, a ressocialização é incompatível com o encarceramento. A ruptura de laços familiares e outros vínculos humanos, a convivência promíscua e anormal da prisão, o homossexualismo não escolhido, mas forçado, são fatores que em nada ajudam a integração do ser. Por isso o que se observa, em toda parte, é que a prisão exerce um efeito devastador sobre a personalidade, reforça valores negativos, cria e agrava distúrbios de conduta. O isolamento forçado, o controle total da pessoa do preso não podem constituir treinamento para a vida livre, posterior ao cárcere. Para tudo agravar, o estigma da prisão acompanha o egresso, dificultando seu retorno à vida social. Longe de prevenir delitos, a prisão convida à reincidência: é fator criminogênico. A violência não é um desvio da prisão: violenta é a própria prisão.” (HERKENHOFF, 1998, p. 37)
A este respeito se manifesta o mestre Raul Eugênio Zaffaroni , ao dizer que:

“O crime é, indiscutivelmente, uma criação política. E, se o crime é criação política, então aquele que tende a praticar condutas que o político resolve proibir e punir, num certo momento, tem direito de reclamar ao Estado para que seja treinado e ensinado a não praticar essas condutas. Para ele, a cadeia deveria virar uma escola de não criminalidade, um lugar aonde os futuros criminosos iriam bater para pedir ensino.” (ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Desafios do Direito Penal na era da globalização. In Cidadania e Justiça – Revista da Associação dos Magistrados Brasileiros, ano 2, n. 5, 2º sem. 1998 p. 201.)

Zaffaroni ensina ainda:

“Pode-se ir mais além ainda, o fato do indivíduo cometer o delito pode ocorrer como resultado do próprio sistema penal, pois não se pode admitir que com o intuito preventivo prive a pessoa de usufruir bens jurídicos que ela tem direito, sem levar em conta a extensão do injusto cometido e o grau de autodeterminação que foi necessário atuar”.(ZAFFARONI, 1993. p. 784).

Sendo assim, podemos afirmar tranqüilamente que, a criação de novos presídios e a aplicação de penas privativas de liberdade cada vez mais duras e longas não será capaz de solucionar o problema da criminalidade, e o que é pior, acaba por contribuir com o mundo do crime, uma vez que sabemos o que ocorre dentro dos presídios hoje, o próprio sistema carcerário treina novos bandidos a cada minuto.

Neste sentido:

“A criminalidade está crescendo. Trata-se de fenômeno sócio-politico, que no se resolve em direito penal. A suposta tutela jurídica quês e pretende através da ameaça penal é uma das muitas ficções em que os juristas se comprazem, pois não está demonstrado o efeito de tal ameaça. A experiência também demonstra que através do encarceramento não se consegue, por igual, prevenir o delito. As taxas de reincidência são incomparavelmente maiores quando se manda o condenado para a cadeia, e são tanto maiores quanto mais longas forem as penas”. (FARIAS JUNIOR, 2001, p. 387).

No que se refere a subcultura carcerária, devemos mencionar dois outros conceitos: Criminalização e prisionização.

Prisionização é o processo pelo qual o individuo vai assimilando o que é prejudicial dentro da prisão, sendo assim tem sua potencialidade para o crime aumentada, acomodando-se a vida carcerária e distanciando-se dos valores sociais normais. Aos poucos o sujeito se integra aos costumes, valores e normas comuns aos detentos.

Já a criminalização consiste nos atos, ritos, cerimônias e procedimentos institucionais ou arbitrários utilizados pela polícia, justiça criminal e sistema prisional e que o leva a revolta e a pratica persistentes de crimes.

CONCLUSÃO.

Em primeiro lugar, não se pode atingir determinados fins passando por cima da dignidade da pessoa humana, que é o que ocorre com os detentos dentro de um presídio. A todos deve ser dada a oportunidade de voltar ao convívio social, através de um modelo prisional que possibilite a ressocialização. Os direitos dos delinqüentes não podem ser restringidos além do que foi autorizado pela autoridade competente.

A pena de prisão não só é incapaz de ressocializar o delinqüente, como é altamente dessocializadora.

A maneira como vem sendo cumprida a pena privativa de liberdade é absolutamente inconstitucional, uma vez que se concretiza de maneira degradante e indelével.

Os efeitos da pena privativa de liberdade perduram mesmo após o cumprimento da mesma, pois é como se o individuo fosse taxado de ex-presidiário.

A pena privativa de liberdade desqualifica socialmente o indivíduo, de maneira que não estando apto a voltar ao convívio social irá retornar ao mundo do crime, fazendo uso do que lhe fora ensinado dentro do sistema prisional, isto corresponde a dizer que, a maneira como vem sendo conduzido tal sistema só faz contribuir ao aumento da criminalidade.

Referências

Fontes

Livros

ALBERGARIA, Jason. Das penas e da execução penal. 2.ed. Belo Horizonte: Del Rey,1995.

ARAÚJO JÚNIOR, João Marcello de (organizador). Sistema Penal para o Terceiro Milênio: atos do Colóquio Marc Ancel. Colóquio Internacional Sistema Penal Para o Terceiro Milênio. (1990: Ilha de Itacuruça). Rio de Janeiro:Revan, 1991.

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução por Flório de Angelis. São Paulo: Edipro, 1994.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

FARIAS JUNIOR, João. Manual de Criminologia. 3.ed. Curitiba:Juruá Editora, 2001.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. Tradução por Lígia M. Ponde Vassalo. 8ºed. Petrópolis: Editora Vozes, 1991.

GOMES, Luiz Flávio.Penas e medidas alternativas à prisão. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

HERKENHOFF, João Baptista. Crime: tratamento sem prisão. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.

JAKOBS, Gunther. Fundamentos do Direito Penal. Tradução de André Luís Callegari. Colaboração: Lúcia Kalil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.

ZAFFARONI, Eugênio Raúl, e José Henrique Pierangeli, in Manual de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral, 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.

Erika Midori Ide é advogada.

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