Diego Pereira Machado
Acadêmico do 9º semestre de Direito do Instituto de Ensino Superior de Santo Ângelo (IESA).
A insatisfação dos jovens brasileiros com o próprio corpo e com a sua condição social é imensurável e demonstra ser um sentimento crescente. A busca por uma posição de destaque, de superioridade ou de onipotência é uma marca deste século, processo involutivo se contrastarmos com a inoperância e conformismo dos jovens frente aos problemas sociais da atualidade. Essa nova filosofia de vida, de insatisfação pessoal permanente, como se algo quase que inalcançável faltasse, priorizando-se o “eu”, é utilizada como mecanismo eficiente pela TV brasileira para venda de seus produtos, resultando na formação de uma nova juventude, onde a prioridade é a conquista da fama, do sucesso e dinheiro, consequentemente de uma suposta felicidade ditada pela TV.
A influência dos programas de TV começa desde cedo, na infância, sequer espera, não se restringe à adolescência. Não é de se espantar que sejam realizadas inúmeras pesquisas por grupos de estudo, instituições internacionais, pela Igreja e missionários que tentam desvendar qual a influência dos programas televisivos no comportamento dos jovens, defendendo teses de que a TV passa uma mensagem oculta de incentivo ao sexo, violência, homossexualismo e, até mesmo, para os mais radicais, apologia ao “satanás”. Neste sentido, em outubro de 1998, a Organização das Nações Unidas (ONU) realizou uma pesquisa sobre os desenhos animados transmitidos pela televisão brasileira com o objetivo de medir a quantidade de violência passada para as crianças. O resultado foi assombroso, pois de acordo com a pesquisa, uma criança brasileira que assista a duas horas diárias de desenho animado estará exposta a 40 cenas de violência explícita, já em um mês, seriam 1.200 cenas e, num ano, pasmem, seriam 14.400 cenas de pura violência sendo produzidas dentro da própria sala de estar das nossas casas.
Dentro deste cenário o que mais nos tem estarrecido ao analisarmos o comportamento do jovem, não é apenas a influência direta da mídia no comportamento violento dos adolescentes ou a atividade sexual precoce, que começa desde a infância como acima exposto, mas sim a incansável busca por um lugar no mundo dos famosos, como se este fosse o passo final para a felicidade. Esta é a mensagem endereçada[i] aos jovens atualmente, prova de que a presença da TV nas casas e nas escolas não é mais com fins informativos, mas sim posta-se como fato social permanente e irreversível, sendo bem interpretada por Rosa Maria Bueno Fischer (2001,p.28), da seguinte maneira:“‘Imagem é tudo!’ – esse é o conselho que ouvimos todos os dias: é preciso não apenas ser, mas ‘parecer ser’; e se não pudermos ser, que nos esforcemos para parecer, e isto até pode bastar, porque cultivar a imagem (de si mesmo, de um produto, de uma idéia) mostra-se como algo tremendamente produtivo. Basta lembrar como ocorrem as campanhas políticas ou as performances públicas dos governantes, especialmente como um país como os Estados Unidos da América.”
A comunicação audiovisual não é mais um simples mecanismo informativo, não é mais um simples meio de comunicação onde se mostra o que aconteceu, mas sim é uma “instância da cultura que deseja oferecer muito mais que informação, lazer e entretenimento” (Rosa M. B. Fischer; 2001-p.18), mostra-se como instrumento de comunicação que está acima do bem e do mal, como se fosse imune a críticas. Este poder de fazer a verdade, onde se explora a desgraça de miseráveis que acreditam que a única verdade dos fatos e o único lugar onde a justiça pode ser feita estão em programas como Linha Direta (Rede Globo) ou Cidade Alerta (Rede Bandeirantes), lugares onde os apresentadores são os verdadeiros “justiceiros”, onde a incoerência e inconsistência das colocações são interpretadas como soluções dos problemas. Esta estratégia da TV de se mostrar inquestionável é extremamente eficaz, resulta numa falsa opinião pública, que na verdade acaba expressando um desejo, não mais da sociedade, mas sim do poder concentrado da mídia.
A insatisfação dos jovens com a própria imagem e com o que possuem leva-os a buscar mais, algo que tem sido oferecido pela mídia e só ela pode tornar realidade, por esta razão nós presenciamos o fenômeno da “cópia”, ou seja, não há mais originalidade no comportamento dos adolescentes, principalmente quando abordamos o “parecer ser”. Não enxergamos mais jovens brasileiros, mas sim jovens “americanos” com um ofuscado vínculo com nosso país, tamanha a influência norte-americana no comportamento dos jovens brasileiros, principalmente no modo de se vestir. Quando saímos pelas ruas nos deparamos com inúmeros candidatos a rapper, esta moda “bad-boy” americana está calcada na conquista da fama rápida, dinheiro, violência e sexo fácil, características que são almejadas pelos jovens brasileiros, fenômeno também presente no estilo dos carros, onde imagem é tudo, principalmente os rebaixados, com vidros fume e sons potentes, expressando um ar desafiador. Há um apelo a todos os recursos para ser famoso, se o objetivo não é alcançado, que ao menos pareça ser.
A busca constante pela fama, aliada às estratégias televisivas, faz-nos lembrar da frase do famoso pop norte-americano Andy Warhol, onde este disse: “In the future everybody will be world-famous for 15 minutes”[ii], este futuro já chegou, as pessoas buscam minutos de fama na frente da telinha, sem se importar com o preço. O maior preço pago pelo telespectador que pretende ser famoso é a perda da intimidade, haja vista que não se pode mais diferenciar espaço público por espaço privado. Hoje, o mais eficiente caminho de se tornar público é estar na mídia, “estar lá como destaque, como grande astro, ou então como simples mortal que de alguma forma conheceu o sucesso, a ‘grandeza’, o ‘heroísmo’” (Rosa M. B. Fischer; 2001-p.35). Este apelo à quebra da intimidade é um recurso utilizado com muita freqüência em programas como de talk show, de forma exemplificativa podemos citar o programa do Jô (Rede Globo), percebe-se que não há um momento em que o apresentador não deixe de apelar a este recurso, seja questionando o auditório, o entrevistado ou até o público de casa com perguntas sobre sexo, homossexualismo ou fetiches, tudo gira em torno do desafio de desvendar o que acontece na intimidade das pessoas.
O enfraquecimento da personalidade, conforme fenômeno da “cópia” citado, onde ser famoso significa ser aceito pela mídia, custe o que custar, encontra-se presente no comportamento dos jovens brasileiros da atualidade, principalmente quando encaram isto como meio único de serem felizes e realizados. Tal forma de comportamento acaba “amputando” valores dos jovens que a sociedade espera que não pereçam frente a uma mídia manipuladora, principalmente quando são depositadas expectativas de mudança, que muitas vezes apenas podem ser concretizadas pelos jovens. Esta inoperência que tem se constatado, influencia negativamente todos os níveis da sociedade, por esta razão necessitamos do desenvolvimento de uma metodologia que objetive ensinar a criticar de forma objetiva o que se transmite pela televisão. Sobre este necessário comportamento crítico, Rosa M. B. Fischer (2001,p.45) narra palestra do escritor José Saramago: “(…)em sua Aula Magna na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, quando recebeu o título de Professor Honoris Causa, dia 26 de abril de 1999, referindo-se aos modos pelos quais social e historicamente vimos sendo “amputados”, impedidos de ser, propôs que nossa resistência talvez seja imaginar que cada um de nós tem, na verdade, ‘três metros de altura’, que podemos desejar mais, ir além; que, afinal há algo acima, além, dê-se a isso o nome de se quiser dar.”
Em resumo, podemos resistir às incursões mentais feitas pela TV, podemos criticar e manter nossa originalidade. Este comportamento pode ser trabalhado com os jovens, desde que comece nas séries inicias e seja um trabalho constante. É um ensinamento que também podemos concluir quando analisamos a obra de Paulo Freire, em que este preceitua acerca do inaceitável conformismo social, muito mais presente hoje nos jovens, por causa da priorização do “eu”, transmitida pela TV e também por estarmos vivendo um processo de transmissão de massa onde a mensagem principal é que do modo como estão as coisas não podemos mudar, devemos aceitar calados, oprimidos. Acerca do conformismo humano disserta Paulo Freire (2000,p.126): “(…) quanto mais os oprimidos vejam os opressores como imbatíveis, portadores de um poder insuperável, tanto menos acreditam em si mesmos. Foi sempre assim(…). Uma das tarefas (…) é procurar, por meio da compreensão crítica(…), ajudar o processo no qual a fraqueza dos oprimidos se vai tornando força capaz de transformar a força dos opressores em fraqueza. É uma esperança que nos move.”
Os recentes programas televisivos criados pelas emissoras de televisão brasileira incentivam a involução cultural e comportamental dos jovens, fortalecem o processo de opressão, onde a TV ao invés de informar o que é, passa a dizer como devem ser feitas as coisas. Ao mesmo tempo que se mostra um brasileiro que venceu na vida de forma honesta e com muitas dificuldades, nunca deixam de lembrar que ser modelo e jogador de futebol é mais fácil e financeiramente mais rentável. Esta influência está também fundamentada na constante priorização pela TV do corpo, sua perfeição e na necessidade de ser perfeito fisicamente e ter uma virilidade incontestável. Comportamento este encontrado em crianças que, mesmo aparentando uma certa inocência, não vislumbram outra coisa a não ser dinheiro e fama, moda e luxo, violência e sensualidade. Chegamos a um ponto em que o pudor feminino começa a ser substituído pelo frenético, incontrolável e ilimitado assédio masculino, que sonha com seios e bumbuns milimetricamente perfeitos. É o processo em que a TV dita o que deve ser assistido, oprimindo a personalidade e a liberdade de escolha dos telespectadores.
A fama resulta como uma espécie de motor que rege a mente dos jovens, vítimas de uma programação que mais se parece com o livro vermelho de Mão Zedong[iii], vislumbrando criar um novo homem (no nosso caso famoso!) sem dar muitas opções. Esta falta de escolha pode ser facilmente constatada se levarmos em conta que a grande maioria dos lares brasileiros não têm internet e muito menos TV a cabo. Encontramo-nos adstritos a assistir programas como o que transforma simples brasileiros em famosos, sendo assim, transmitem a mensagem de que alcançaram a felicidade e o sucesso (Ex.:Big Brother – Rede Globo), ou em assistir novelas que se estruturam numa produção semelhante à mexicana e que transformam a traição em exercício diário e a raiva de um ser por outro num toque sedutor (E.:Canavial de Paixões – SBT).
A música, como muitos programas de TV, também é utilizada pela mídia como ferramenta auxiliar para passar a mensagem de que a busca pela fama deve ser perene. É mais um meio de “castrar” a esperança de mudança dos jovens. Esta constatação, em que a música é um caminho doentio para atingir a fama, independente dos obstáculos, que não são mais a qualidade e dedicação, mas sim a sensualidade dos corpos, faz-nos lembrar de uma entrevista em que Gilberto Gil foi perguntado sobre sua opção de vida, se não tivesse seguido esta carreira de tanto sucesso, sendo assim, o que ele seria. Ele disse: “Eu teria ido estudar música”.[iv] Sorte nossa que podemos prestigiar tanto sucesso e qualidade, resultado de muita dedicação. Como Gilberto Gil, não esqueçamos de Caetano Veloso, que chegou a contratar compositores da música erudita para lhe dar aulas de composição, era um tempo em que não se falava em “É o Tchan”, em “Terra Samba” ou em “Os Sungas”. Um tempo em que o talento era prioridade e a fama era apenas um resultado concreto de dedicação.
Entre programas e grupos musicais também devemos nos atentar para o sensacionalismo influenciador de alguns fatos e personagens sobre os jovens, decisivos para que estes escolham seus ídolos e definam, muitas vezes, seus objetivos de vida. Entre muitos fatos e personalidades, devemos relembrar de como foi a morte de nosso “Zeus” (o deus dos deuses na Grécia antiga), referimo-nos a Roberto Marinho, que após sua morte nos fez entrar num profundo processo de reflexão. Num dos poucos momentos de “filosofia”, perguntava-nos se haveria pessoa mais perfeita que Roberto Marinho, acreditava-se que deveriam substituir Jesus Cristo por aquele homem. Eram tantos elogios, tanta modelação de um deus que vai deixar saudade, pois sua “perfeição” como pessoa fez com que o Congresso Nacional parasse e a Igreja se perguntasse se deveria ou não santificá-lo. Mesmo depois de tanto estardalhaço, continuamos achando que Chico Mendes foi muito mais significativo para nosso país.
Esse fenômeno, ou seja, esta presença inafastável da TV na escola e lares, não pode ser encarada, precipitadamente, somente de forma negativa, pois a TV tem se mostrado também um meio de comunicação eficiente na educação pública, em casos específicos e isolados. Podemos citar como exemplo a Rede Vida, TVE do Rio de Janeiro, Canal Futura, Globo News e TV Escola, programas que têm servido como orientadores de professores e instituições. Entretanto, não basta ser a TV simples orientadora, deve ser também objeto de uma análise crítica e objetiva por professores e alunos, interpretando-se o enfoque, a abrangência e o endereçamento dos programas, viabilizando um processo onde jovens possam escolher o que assistir de forma consciente, comportamento este já cristalizado em países Europeus. Ressalte-se que os benefícios da TV não são objeto deste trabalho, mas sim o fenômeno individualizado da influencia que a TV exerce na felicidade dos jovens, através da mensagem de que ser famoso é tudo. De qualquer forma, destacamos que, embora sendo um meio auxiliar importante de educação, as professoras e professores ainda não estão preparados para “dirigir-se à ‘criança telespectadora’, para comunicar-se com o adolescente nascido, criado e ‘alfabetizado’ pela TV” (Rosa M. B. Fischer; 2001-p 35).
Mesmo com tantos adolescentes candidatos ao estrelato, ainda estamos convencidos de que a fama não é a panacéia para os desafios da juventude brasileira, não é só o sucesso na mídia, tão bem trabalhada pelos produtores de TV, que traz felicidade, mas sim a consciência de definir o que é suficiente para desfrutar simples momentos da vida. Não nos referimos ao simples conformismo, mas sim à simplicidade, é fácil ser feliz, basta buscar o possível e não deixar ser influenciado ou alienado pelos sonhos dos outros. A TV incute uma mensagem de que o famoso ou bem sucedido é o bem feliz, bem bonito, bem dotado e bem afortunado, mas muitas vezes é bem mal informado, pois uma mensagem televisiva nem sempre expressa a realidade.
Referências
FISCHER, Rosa Maria Bueno. Televisão & Educação, Fruir e Pensar a TV. Editora Autêntica, Belo Horizonte – 2001.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança. Um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. Editora Paz e Terra,São Paulo – 2000.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários à prática educativa. Editora Paz e Terra. São Paulo – 1999.
ZANGONEL,Bernadete. MÚSICA, MIDIA E EDUCAÇÃO. Artigo publicado no Jornal Gazeta do Povo, Paraná, em 07/05/2001.
Koogan/Houaiss. Enciclopédia e Dicionário Ilustrado. Edições Delta, Rio de Janeiro – 1997.
[i] Endereçamento é o processo de saber a quem está sendo direcionado determinado programa. (Rosa M. B. Fischer; 2001-p 80)
[ii] Tradução: “No futuro todos terão 15 minutos de fama”.
[iii] Ou Mao Tse-Tung, ditador comunista da China (1893-1973). Líder do Partido Comunista Chinês que baseou sua política nas teorias marxistas, criando o “Pequeno livro vermelho”.
[iv] ZANGONEL,Bernadete. “MÚSICA, MIDIA E EDUCAÇÃO” (2001).