A forçosa transfusão de sangue e o delito de constrangimento ilegal

Caros leitores, o assunto escolhido causa e, já causou muita discussão, seja no âmbito religioso, médico e, é claro entre os operadores do direito. O que nos propomos tratar é sobre a infração penal prevista no artigo 146 do Código Penal, qual seja, o constrangimento ilegal, previsto entre os crimes contra liberdade individual. O artigo citado em seu caput prevê “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio reduzido a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda” A pena aplicada é de detenção, de 3 meses a 1 ano, ou multa. Aqui, a liberdade que se protege é a psíquica e a física. Quanto mais não seja, a liberdade em questão encontra respaldo constitucional, no artigo 5º, II, que estabelece “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. O delito em pauta causa e causou grande polêmica quando os noticiários trouxeram à baila a informação que algumas pessoas estavam sendo levadas a óbito, principalmente, por crenças religiosas, quando necessitavam de transfusão de sangue e, suas respectivas famílias proibiam, tendo em vista que o entendimento religioso que seguiam vedada a prática. Neste caso alguns médicos, quando entrevistados, afirmavam que nada poderiam fazer, sob pena de incorrer nas penas do crime de constrangimento ilegal e, por conseqüência, as pessoas continuavam a morrer. Talvez a solução para os casos em comento, esteja no próprio dispositivo legal que prevê o crime ora tratado. Entendemos que o § 3º do artigo 146 do Código Penal traz a solução para casos análogos ao em questão, ou seja, o parágrafo citado trata de excludentes de tipicidade nos incisos I e II. Sobre o assunto, nos interessa tratar do inciso primeiro, pois segundo consta a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justifica por iminente perigo de vida. Assim sendo, mesmo sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal o médico poderia atuar sem que incorresse em infração penal alguma. Se assim ainda não fosse, ou seja, se não existisse previsão legal como a citada, o ato do médico que, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal realizasse alguma intervenção que, a princípio, se adequaria às elementares do artigo mencionado (artigo 146), sua conduta seria abraçada pela excludente de ilicitude do estado de necessidade, tendo em vista que da leitura do artigo 24 do Código Penal extrai-se que age em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade e, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. No caso em pauta o estado de necessidade, não atua, verdadeiramente, como excludente de ilicitude, mas como excludente de tipicidade, em razão da expressa previsão legal (§ 3º do artigo 146). A respeito do assunto vejamos o entendimento do sempre festejado Cezar Roberto Bitencout “Assim, antes de serem antijurídicos, são atípicos, por não haver correspondência entre as situações excepcionadas e a norma incriminadora” (Tratado de Direito Penal, volume 2, ed. Saraiva, página 437). A bem da verdade, é fato que, mesmo que não houvesse norma prevendo a atipicidade do fato previsto no artigo 146 do Código Penal, não podemos aceitar que uma vida humana seja extinta por critérios de ideologia política, religiosa ou de qualquer outra forma. No mais, vemos que além das vias legais o assunto em tela versa sobre vidas humanas e, diante disso é inconcebível que ideologias ou preconceitos suprimam o bem maior do ser humano. Ademais, intolerável que a constituição proteja como bem primeiro a vida e, que algumas crenças afrontem os direitos básicos do cidadão. Encerramos lembrando, sem se apegar a sua ideologia, o ensinamento de Che Guevara “Se você treme de indignação perante uma injustiça no mundo então somos companheiros” (Che Guevara, Vida e Pensamentos, editora Martin Claret, página 79). ROGÉRIO CURY, Advogado, Presidente das Comissões “A OAB vai à escola” e “Jovem Advogado” da 7ª Subsecção da OAB/SP, Professor de Direito Penal e Direito Processual Penal em São José do Rio Preto-SP, do Curso Preparatório para OAB Cury & Najm, na cidade de Barretos-SP e do Justinianus na cidade de São José do Rio Preto-SP, Professor de Direito Processual Penal no curso preparatório para o exame da OAB/MG em Iturama-MG, Professor de resoluções de questões e aulas temáticas de Direito Penal e Direito Processual Penal do IELF em São Paulo e professor na pós-graduação de Direito Penal e Direito Processual Penal em Cuiabá-MT e Brasília-DF.

Autor: Rogério Cury

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