A fração ideal de terreno e sua forma de cálculo

Paulo Andres Costa

Em artigo anterior – DIVISÃO DE ÁREAS NO CONDOMÍNIO ESPECIAL – afirmei que tanto a Lei 4.591/64 quanto a NBR 12.721 ignoraram solenemente o problema do cálculo da fração ideal de terreno na questão do condomínio especial. A Lei faz referência à fração, obriga o incorporador a declará-la no momento do registro de incorporação, dá a ela a atribuição de ser, na ausência de determinação diferente em convenção, o referencial de peso nas decisões da vida comunitária, mas não a define. Esperava a Lei que a Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT – tomasse para si esta responsabilidade? Se sim, tal não ocorreu: a NBR 12.721 sequer menciona o que é fração ideal de terreno.

Este silêncio sempre me trouxe um questionamento que é, no meu julgamento, ao mesmo tempo sério e pertinente: por que, em questão tão importante, silenciou o legislador?

Não poucos estudos fiz a respeito. Contudo, sempre encontrei o leit motiv: a Lei não disciplina o cálculo de tal fração. Diga-se em favor dos legisladores brasileiros que este não é um problema nacional; a legislação mexicana, no seu Código Civil Federal, Capítulo VI (“De la Copropiedad”), Art. 942, assim se pronuncia sobre o fracionamento:

El concurso de los partícipes, tanto em los beneficios como em las cargas será proporcional a sus respectivas porciones.

Se presumiran iguales, mientras no se prueba lo contrario, las porciones correspondiente a los partícipes em la comunidad.

Voltando ao âmbito nacional, a ausência de dispositivo legal sobre o tema não impede a constatação de que a definição é urgente e necessária. Na prática, as frações ideais de terreno, no registro de incorporação e na instituição de condomínio, são discriminadas como determina a Lei sem, no entanto, seguir uma uniformidade. Há critérios consagrados pelo uso ou, como diz Caio Mário Pereira da Silva, “a prática veio suprir a lacuna; o costume remediou a deficiência legal”. (1)

A grande maioria das declarações de Fração Ideal de Terreno (FIT) feitas aos Cartórios de Registro de Imóveis e utilizadas para base da escritura de fracionamento do terreno toma como referência os coeficientes obtidos a partir das planilhas II ou IV do conjunto de cálculos proposto pela NBR 12.721. O ilustre advogado Marcelo Terra e o acadêmico de direito Rodrigo Cury Bicalho, em artigo publicado no Boletim do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil – IRIB – (N° 162, novembro de 1990), dão a este critério a qualificação de objetivo, porque vindo de coeficiente dado pela relação entre a área de construção da unidade autônoma e a área de construção global. Marcelo Terra e Rodrigo Cury, no entanto, deixaram-se levar pela significação leiga, de senso comum, do termo “área de construção”, desconhecendo que área de construção, para a norma da ABNT, não é sinônimo de área edificada ou real. Este conceito, na NBR 12.721, é relativo a uma área fictícia ajustada para representar em metros quadrados o custo de construção a partir do custo padronizado. A área de construção, segundo o normalizado, pode ser maior, igual ou menor que a área real edificada.

O critério obtido a partir dos coeficientes fornecidos pelos quadros de cálculos da NBR 12.721, portanto, é subjetivo e, por definição, origina-se da relação entre o custo da unidade autônoma e o custo global da edificação.

O autor do anteprojeto da Lei 4.591/64, Caio Mário Pereira da Silva, assim concebe a F. I. T.:

Para o cálculo da fração, vários critérios poderão ser usados, redutíveis, contudo, a dois: o da área e o do valor. Pelo nosso direito, o critério originariamente adotado era este último, uma vez que o Dec. N°. 5.481, ao referir-se à quota dos proprietários de apartamento, no custeio da conservação do edifício, alude explicitamente ao valor de sua propriedade. (2 )

Assim, além do entendimento doutrinário de Caio Mário, temos hoje, na prática, uma “terceira via” representada pelos coeficientes vindos dos quadros da NBR 12.721.

Chegamos, desta forma, a um número maior de possibilidades de definição da F. I. T. – todas legais e com justificativas técnicas cabíveis, conforme o argumento defendido.

A primeira e mais utilizada é tomar como fração ideal de terreno os coeficientes gerados nos quadros da NBR 12.721. Se esta relação é válida para as incorporações em condomínio a preço de custo ou por administração, é questionável seu uso para as incorporações a preço fechado e prazo certo. Nas incorporações em condomínio a preço de custo ou por administração supõe-se uma paridade do quantum investido na construção, sendo o custo tomado como principal aferidor. Já nas incorporações a preço fechado e prazo certo o valor investido independe do custo e, portanto, a relação entre o preço pago e o custo nem sempre é constante. O incorporador, via de regra, estipula preços diferentes para unidades de mesmo custo. Ou, ainda, o preço do metro quadrado de construção no mesmo edifício não é único; há diferenças significativas que não são geradas em função direta do custo, mas de critérios tomados a partir de elementos da avaliação predial.

Já na instituição de condomínio, quando o imóvel já edificado submete-se ao regime da Lei 4.591/64, o critério normativo é o menos indicado. Estando as unidades prontas, o custo de construção já não apresenta significação nas relações que terão a F. I. T. como base.

Referidos por Caio Mário Pereira da Silva, os dois outros critérios são: o da área edificada e o do valor. A proporcionalidade obtida pela simples relação entre a área da unidade autônoma e a área global edificada apresenta-se como um critério deficiente, pois é necessária uma homogeneidade das áreas construídas para que este cálculo seja representativo. Em casos – os mais comuns – de áreas de diversos usos e tipos, este critério gerará frações no mínimo discutíveis.

Resta, assim, o critério que eleva o valor da unidade a fator principal dentro da relação de proporcionalidade nos direitos às áreas de uso comum, terreno e demais instalações e equipamentos comuns. É um critério que se pode dizer perfeito, tanto no aspecto técnico quanto no campo jurídico. Ou como reforça J. Nascimento Franco e Nisske Gondo:

“(…) o critério mais justo, preconizado pela legislação moderna, é o do valor venal de cada uma das unidades autônomas em relação ao valor global do edifício, apurando-se desta forma a participação proporcional de cada uma delas no terreno, coisas e áreas de uso comum.” (3)

Pelo aqui exposto conclui-se que, embora ainda se mantenha em uso aferir a Fração Ideal de Terreno a partir da área de construção ou do custo da construção, é na proporcionalidade dos valores das unidades autônomas em relação ao todo do edifício que são encontrados os fundamentos mais sólidos e justos para o cálculo da F.I.T. Enquanto área edificada e custo da construção não se mostram aferidores adequados a todas as situações, o valor das unidades autônomas apresenta a qualidade de servir até nos casos mais heterogêneos de construção.

A Lei 4.591/64 que tantas inovações trouxe à construção civil brasileira ainda aguarda sua complementação a respeito da Fração Ideal de Terreno. Um elemento de tamanha importância nas relações condominiais não pode ficar ao sabor de interpretações particulares… presumindo-se ser possível identificar, em cada caso, a interpretação utilizada.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e Incorporações. Editora Forense. 9a Ed., Rio de Janeiro, 1995. P. 102
__________ P. 97

FRANCO, J. Nascimento & GONDO, Nisske; Incorporações Imobiliárias. Editora Revista dos Tribunais, 3a Ed., São Paulo, 1991. P. 56

Nota: Demais fontes citadas no corpo do artigo.

DATA REF.: 24/06/01

*O Eng. Paulo Andres Costa (andress@desbrava.com.br) é engenheiro civil formado pela Universidade Federal de Santa Maria, em 08/08/1988. Consultor do SINDUSCON-OESTE de Santa Catarina (Economia e Estatística). Membro da Comissão de Estudos de Custo Unitário e Orçamento de Construção Civil -NBR 12.721/1999 – COBRACON – ABNT. Árbitro Permanente da Câmara de Mediação e Arbitragem (Incorporações Imobiliárias) de Chapecó – SC.

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