Raul Haidar*
Já está na hora de colocarmos um paradeiro na ação nefasta e anti-ética de supostas entidades “sem fins lucrativos” que exercem concorrência desleal com os advogados, angariando clientes através de propaganda enganosa. Desde o surgimento do Código do Consumidor começaram a surgir “associações” para defesa disto e daquilo, cuja única finalidade é, na prática, captar clientela para bancas de advogados. Ainda recentemente um consumidor da capital, desejoso de precaver-se contra possíveis problemas relacionados com uma administradora de consórcios, tentou associar-se a uma dessas associações “de defesa” e não conseguiu, porque tal “associação” só admite sócios que tenham problemas judiciais a serem resolvidos pelo seu “departamento jurídico”, mediante pagamento de percentagem sobre os benefícios auferidos.
Além de infringirem as mais elementares regras de ética, essas “associações” são, na verdade, escritórios de advocacia que vivem à margem da Lei. Primeiro, que captam clientela descaradamente, através de anúncios em jornais, entrevistas em programas de rádio e televisão, distribuição de folhetos e outros meios, todos eles vedados aos advogados que se sujeitam a um rígido Código de Ética. Segundo, que, constituídas sob uma falsa declaração de entidades “sem fins lucrativos”, sonegam todos os tributos (imposto de renda, imposto sobre serviços, etc.) a que nós advogados nos sujeitamos. Terceiro, que, enganando a opinião pública e iludindo os órgãos de imprensa com uma falsa imagem de representantes de parcela da sociedade, encontram espaço na mídia para, cada vez mais, ampliar o seu campo de ação, em prejuízo da verdadeira Advocacia.
Mas nossa profissão não vem sofrendo apenas esse tipo de invasão. Somos vítimas também da ação vergonhosa de empresas de “assessoria e consultoria” que contratam vendedores para, de porta em porta, ofertar serviços profissionais de advocacia como se fossem roupa feita, cosméticos ou pão de queijo! Pior ainda: os serviços ofertados no mais das vezes são “milagres” destinados a reduzir tributos ou recuperar pagamentos a maior, sempre ou quase sempre com a participação de funcionários públicos corruptos que dão cobertura a tais picaretagens e que se beneficiam dessa rapinagem toda! Muitas dessas empresas de “consultoria” já chegaram a publicar anúncios até mesmo em jornais dirigidos aos advogados, anunciando serviços de forma que nós não podemos anunciar. Como já disse alguém, ou restaure-se a dignidade ou nos locupletemos todos!
E se o leitor pensa que a invasão acabou, está muito enganado! Já se tornaram comuns ações que envolvem grande número de clientes serem patrocinadas até pelo Ministério Público que, afastando-se das funções de “fiscal da lei”, passa a praticar atos privativos de advogado, restringindo ou procurando restringir cada vez mais a nossa atuação profissional.
E mais ainda: entidades de classe, sindicatos, associações de bairros, instituições de bairros, instituições religiosas, criam “departamentos jurídicos” que, ofertando serviços advocatícios a título gratuito, acabam por se tornar fonte segura de bons honorários (principalmente nas sucumbências) para os que ocupam tais departamentos e que, na maioria dos casos, para lá são nomeados ou contratados sob critérios nem sempre muito claros.
Além disso tudo, já se tornaram comuns as ações de intermediários” de toda a espécie que procuram atravessar o trabalho dos advogados, especialmente em questões de vulto, como causas fiscais, desapropriações, etc. e a concorrência predatória de ocupantes de cargos legislativos que, sendo advogados, utilizam-se do óbvio tráfico de influências que tal atividade lhes possibilita, para captar clientela e obter vantagens que não estão alcance de nós, pobres advogados que, assim, acabamos nos tornando também advogados pobres.
Por causa dessa invasão toda, hoje ninguém sabe mais distinguir quem é quem na Advocacia. O grande público imagina que juízes e promotores são mais importantes que nós, embora a lei estabeleça a igualdade. O cliente, geralmente desinformado, imagina que o deputado-advogado pode obter um resultado melhor que o advogado-advogado. E muita gente ainda acredita em “milagres” ou simplesmente espera ansiosamente que algum milagre o favoreça.
A OAB de São Paulo tem sempre adotado as medidas disciplinares cabíveis contra os responsáveis por tal invasão. Mas qualquer ação depende de representações dos interessados. E interessados na moralização de nossa Profissão, somos todos nós. Por isso mesmo, já encaminhamos vários comunicados de tais fatos, que os órgãos disciplinares estão examinando para, observadas as normas da lei, punir aqueles que resolveram participar dessas atividades anti-éticas.
Já está na hora de colocarmos um paradeiro nessa invasão. Todos temos o dever de denunciar tais desvios e nenhum de nós pode compactuar com essa situação. A Advocacia não é nenhum de nós. Não é a OAB, nem as entidades que nos prestam serviços, sem mesmo os nossos líderes. A Advocacia somos todos nós. E nenhum de nós pode se esquecer dos juramentos de honra que fizemos na Colação de Grau e ao receber nossa carteira da OAB. Não é por acaso que a palavra “honorários” tem origem em “honra”. Os advogados que se omitem ante essa invasão, assim como os que se prestam a instrumentos dessas práticas, faltam aos juramentos que fizeram.
Raul Haidar O autor é Advogado, ex-assessor da Comissão de Ética e Disciplina da OAB-SP e membro do Instituto do
Autor: Indefinido Fonte: Infojus