por Celso Cláudio de Hildebrand e Grisi Filho
Se há um fato, pelo qual me convenço mais e mais e a cada dia, é o de que o fenômeno da globalização trará ao Brasil mais benefícios do que malefícios. Peguemos o famigerado caso da reforma tributária como exemplo. Atualmente não há como, do ponto de vista da eficiência da economia internacional, importar e exportar produtos e serviços, se o sistema tributário internacional não estiver, em alguns anos, em certa harmonia. Neste sentido, tanto o governo anterior como o atual foram alertados, por instituições nacionais e internacionais, de que, para uma séria agenda de crescimento sustentado e uma integração saudável do Brasil ao mercado global, teremos que adotar um sistema tributário enxuto, moderno, competitivo e que, ao mesmo tempo, busque solucionar a questão da redistribuição da renda.
Para os dois primeiros objetivos (i.e. adoção de um sistema tributário enxuto e moderno), sou obrigado a reconhecer que, em que pese a resistência contrária de alguns, o Congresso Nacional demonstrou-se atento e sensível no que tange a algumas alterações propostas por este último pacote tributário: (i) a federalização do ICMS, posta em salutar discussão, e (ii) a transformação da Cofins numa espécie de Tributo sobre o Valor Agregado (TVA).
É verdade que a federalização do ICMS ainda esbarra em questões constitucionais e a proposta discutida ainda privilegia a arrecadação do estado produtor e não do estado de consumo – problema que tanto a prática internacional como a teoria das finanças públicas já têm como resolvido, e é constrangedor que um Estado da Federação do porte de São Paulo teime em não aceitar uma lógica econômica que beneficiaria o País.
É verdade, também, que a Cofins ainda não é uma contribuição que possamos dizer “encaixar-se plenamente no conceito econômico do TVA” – dada a forma de cômputo de sua base de cálculo –, mas ao menos é um tributo, agora, menos regressivo do ponto de vista econômico do que era sua última versão. E neste mesmo sentido, deve ser lembrada mudança semelhante procedida no final de 2002 (Lei nº 10.637/02), ainda sob a égide do governo FHC, com relação ao PIS. Mas o fato é que, de uma forma ou de outra, tributaristas otimistas como eu, vêem no horizonte brasileiro a possibilidade de uma reforma constitucional que transforme o IPI, o ICMS, e as contribuições ao PIS e à Cofins, num só Tributo sobre o Valor Agregado.
Sim! O senhor leitor pode me chamar de utopista, mas é para esse futuro que o Brasil deveria se orientar, a adoção de um imposto único que faça as vezes arrecadatórias de quatro, enxugando o sistema e o pondo em pé de igualdade em relação à União Européia e a países em desenvolvimento de primeira ordem, como é o caso do México e da Índia.
Para outra das demais metas (i.e. busca da redistribuição da riqueza), ainda que um tributo progressivo e seletivo como o TVA fosse adotado, não haveria melhor solução para um País à beira de um colapso social, do que um sério imposto sobre a renda (1). A progressividade do sistema de alíquotas das pessoas físicas ainda é irrisória se comparada a dos países escandinavos, ou a do Canadá, a da Austria, a da Alemanha e a dos próprios Estados Unidos. E o imposto sobre grandes fortunas, no atual contexto social, poderia ter um papel muito mais eficaz na realidade social brasileira, do que ser apenas empregado na retórica demagógica de alguns políticos.
Por fim, e como um alerta urgente às autoridades brasileiras, o corte em benefícios fiscais concedidos na base de cálculo do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas deverá ser procedido, como medida de responsabilidade fiscal. Isso porque, tanto as negociações da ALCA como aquelas mantidas com a União Européia, levarão o Brasil a uma perda enorme de uma de suas maiores fontes de receita: os tributos incidentes sobre o comércio exterior.
Se somados, tais tributos beiram quase 20 bilhões de reais, ou o equivalente a 9% do total da receita administrada pela Secretaria da Receita Federal em 2002 (2) . E esse não é um problema apenas do Brasil, mas de toda a comunidade dos países em desenvolvimento (e principalmente dos países latino-americanos), que ao longo dos anos resolveram escorrar seus défits fiscais sobre as operações de comércio exterior.
Enfim, o reajuste virá pois nosso Congresso é suficientemente sensível à inserção brasileira no mercado global. E quando vir, iremos perceber que, ao menos do ponto de vista da arrecadação tributária, estaremos em pé de igualdade em relação aos países desenvolvidos. O que nos resta saber, em verdade, é se até lá, na outra ponta, nossos gastos públicos estarão sendo eficazmente investidos em programas que gerem uma maior inclusão social, favorecendo nossa esperança de um crescimento sustentado.
Por fim, e a essa altura, o bom leitor já percebeu a ironia de meu discurso. Se minhas previsões fizerem sentido, uma séria reforma tributária virá, mas não por nossas mãos, e sim porque nos renderemos à necessidade de um reajuste tributário que nos harmonize aos padrões internacionalmente aceitos.
(1) Neste sentido, deveríamos repensar nosso IRPF à luz da já antiga, porém ainda válida internacionalmente, teoria de Haig-Simons.
(2) Para esse estudo, foram consideradas as receitas sobre: (i) Imposto de Importação e (ii) Exportação, (iii) IPI vinculado à Importação, e (iv) Imposto de Renda Retido na Fonte sobre remessas ao exterior. Tudo conforme a página:www.receita.fazenda.gov.br/Historico/Arrecadacao/Historico85a2001.htm.
Celso Cláudio de Hildebrand e Grisi Filho é bacharel em Direito pela PUC-SP; LL.M. in International Tax pela The University of Michigan Law School; mestrando pela Faculdade de Direito da USP e advogado em São Paulo e Nova Iorque.