A demora ou mesmo a inexistência de Justiça, resultantes do desprezo que governos medíocres a ela dedicam, acabam atribuídas aos advogados, especialmente pelo fato de que Juizes, Promotores e Legisladores não são tão acessíveis quanto nós
Raul Haidar
Todos sabemos que o exercício da Ética nunca foi exatamente o esporte nacional do Brasil. Para essa constatação, basta uma ligeira leitura dos livros da História pátria, desde a carta de Caminha, passando pelos negócios do Império e pelos diversos regimes ditatoriais da República, terminando com o que se passa hoje nos diversos setores da vida nacional. Apesar disso, todos nós sabemos que a Ética vem despontando, ao lado da Educação, como uma das grandes questões que devem ocupar a atenção da sociedade brasileira no despertar do novo milênio.
A advocacia, enquanto atividade essencial à administração da Justiça, como garante o artigo 133 da Constituição Federal, não pode sobreviver sem Ética. Daí porque ganham relevância todas as questões que se relacionem direta ou indiretamente com o comportamento ético – disciplinar dos advogados, matéria que tem de tempos para cá merecido comentários na imprensa, muitas vezes de forma equivocada. Tal assunto merece algumas reflexões.
A primeira daquelas questões relaciona-se com uma suposta grande incidência de problemas éticos na profissão que, ao contrário do que se divulga, não tem uma proporção que possa fazer dos advogados uma massa de pessoas sem moral ou de comportamento duvidoso. Violação à ética é, felizmente, uma exceção e não uma regra em nossa
atividade, como adiante demonstraremos.
Existem no Brasil cerca de 450 mil advogados, dos quais 170 mil no Estado de São Paulo, em cuja seccional estão em
andamento aproximadamente 12.000 processos disciplinares. Os dados estatísticos apontam que, apesar do rigor com
que atualmente age o Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP, 60% das queixas disciplinares são indevidas ou
improcedentes, sendo os respectivos processos arquivados. Ou seja: em tese existem realmente indícios de faltas
disciplinares em menos de 5.000 processos.
Considerando que muitos advogados sofrem mais de uma representação, pode-se concluir que estariam se
comportando de forma condenável menos de 3% (dois por cento) dos advogados inscritos, ou seja, num total de 170.000
profissionais, menos de 5.000 apresentam problemas. Os dados oficiais nos autorizam a afirmar , consequentemente,
que mais de 97% dos advogados cumprem as normas éticas, um índice expressivo, que esperamos possa verificar-se
nas profissões que não divulgam tais dados ou que não aparecem com tanta freqüência na mídia.
Assinale-se, por oportuno, que o atual volume de processos disciplinares em andamento no Estado de São Paulo (cerca
de 12.000) poderia ser bem menor, não fosse a lamentável omissão de gestões anteriores, que não dotaram o Tribunal
de Ética da estrutura necessária para seu bom funcionamento.
Ainda há quem, no âmbito da política de classe, afirme que “Ética não dá votos, mas pode tirá-los”, como se menos de
3% dos advogados (pois esse é estatisticamente o número de transgressores éticos no Estado) pudessem representar um
grande óbice ao interesse maior da Advocacia, que é a defesa da dignidade profissional por aqueles maculada.
Se está demonstrado que os maus profissionais são poucos, deve-se investir mais no Tribunal de Ética e Disciplina, para
que se consiga, corrigindo-os ou afastando-os de nossa entidade , dar à grande maioria a resposta aos seus justos
anseios.
O atual Conselho Estadual da OAB de São Paulo está cumprindo seu papel nesse importante setor da Advocacia,
reaparelhando o Tribunal, criando novas Turmas e até regionalizando-as para todo o Estado. Perfeitamente sintonizado
com as questões do presente e atento às do futuro, o atual Conselho sabe que a questão da ética e da disciplina é
essencial para a Advocacia, até por se constituir numa das finalidades institucionalmente básicas da entidade.
Nos anos de 1998 e 1999 o Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP teve um aumento de mais de 100% ao ano no
número de julgamentos. Recebemos do Conselho anterior (período de 1995/1997) cerca de 16.000 processos.
Mensalmente são apresentadas em média 500 queixas disciplinares em todo o Estado, o que gerou cerca de 12.000
novos procedimentos disciplinares. Se somarmos o “estoque” inicial de 16.000 aos 12.000 novos procedimentos, temos
um total de 28.000 procedimentos, o que demonstra que em 1998 e 1999 conseguimos resolver nada menos que 16.000
problemas! Vale salientar que boa parte daqueles processos antigos acabaram arquivados por prescrição. Isso revela,
sem dúvida, que administrações anteriores foram negligentes no trato dessa questão. E é lamentável que alguns desses
negligentes ainda pretendam voltar ao comando da OAB-SP.
Outra iniciativa importante do atual Conselho foi a criação de novas Turmas disciplinares, que tiveram um aumento de
100% no ano de 1999 e que vão ter neste ano uma nova duplicação. Ou seja: o atual Conselho promoveu um aumento
de 5 vezes no número de Turmas: de 2 em 1998, passamos para 4 em 1999 e deveremos ter 10 Turmas até o fim deste
ano. Isso permitirá uma agilização monumental no andamento dos processos disciplinares, fazendo com que nunca
mais processos disciplinares possam cair na prescrição.
Estejam certos os maus profissionais, que felizmente são a minoria: serão severamente punidos e até excluídos da
Advocacia, caso não se corrijam. Tal minoria denigre a imagem de toda a profissão, o que justifica e explica o grande
esforço que ora se faz no trato da questão da ética e da disciplina.
Qual seria a razão, portanto, que faz com que a imprensa venha, de tempos para cá, apontando os desvios éticos de
uma parcela tão inexpressiva da advocacia?
A resposta, ao que parece, está na própria essência da natureza humana, que se compraz com o mórbido, o
lamentável. E o motivo é simples: se um advogado trabalha durante 20 ou 30 anos corretamente, defendendo com
garra, determinação e coragem a liberdade, a honra e o patrimônio das pessoas, nada mais está fazendo do que
cumprir sua obrigação. Quem cumpre seu dever não precisa nem merece elogios ou citações na mídia. Mas aquele que
o trai , aquele que se esquece de seus deveres, certamente é merecedor da execração pública.
Isso não vale só para os advogados, mas para qualquer profissional. Se um jornalista é correto, se jamais distorce uma
matéria, se não mente, se não usa o meio de comunicação para obter vantagem ilícita, se não chantageia nem ofende
a ninguém, é apenas um profissional correto. Merecerá citação, todavia, o sensacionalista, o escroque da mídia, o
politiqueiro, o sem-caráter, pois certamente é a exceção. Assim acontece com os médicos, os engenheiros, os
sacerdotes, os veterinários, enfim, com todos os profissionais.
Embora o nível do ensino jurídico, cuja qualidade é discutível, possa influir no crescimento das queixas contra os
advogados, forçoso é reconhecer que a questão ética tem mais relação com aspectos morais e sociológicos do quem
com o preparo técnico dos profissionais. Tanto assim, que há casos de profissionais punidos pelo Tribunal de Ética da
OAB que cursaram as melhores faculdades e que advogavam há muitas décadas. Os desvios éticos não são, portanto,
próprios de jovens ou de pessoas humildes que não puderam cursar as escolas mais tradicionais.
Ética é questão moral, não cultural ou econômica. Aliás, sendo a Ética um dos grandes temas do terceiro milênio , os
jovens vem se aproximando cada vez mais de seu estudo, o que muito nos anima. A sociedade vem tomando
conhecimento de que não há perspectiva de uma convivência pacífica no mundo contemporâneo sem que regras
rígidas de bom comportamento sejam observadas. A alternativa é a violência, o salve-se quem puder, o egoísmo,
posições que levam à barbárie, à tragédia, à própria negação da civilização.
Não é o corporativismo que provoca um índice de improcedência de 75% nas queixas disciplinares. Na advocacia não
existe corporativismo. Na verdade, os advogados, em função de sua própria vivência no cotidiano do contencioso, no
dia a dia da controvérsia, na luta pelos direitos de terceiros, não podem cultivar sentimento corporativista, no sentido
de promoverem qualquer sistema de auto-proteção. Quando se contrata um advogado, geralmente é para se processar
alguém ou para defender-se . A litigiosidade óbvia da profissão faz com que a cada momento de sua vida o advogado
esteja contrariando o interesse de alguém, contrapondo-se à atuação de outro colega, que defende o interesse
contrário. Desse conflito não raras vezes surge a animosidade, até porque uma das partes pode se sentir prejudicada
pela atuação do profissional. Essa situação, obviamente, não permite ou não estimula o corporativismo.
Se a grande maioria das queixas acaba sendo arquivada, isso também não resulta de desídia ou negligência do
Tribunal de Ética e Disciplina. Para não ficarmos na teoria, vamos a alguns exemplos, baseados em fatos reais, cujo
sigilo impõe-se por força da lei. Um trabalhador queixou-se contra um advogado, alegando que fora prejudicado num
acordo trabalhista, recebendo bem menos do que pleiteara em reclamatória. Intimado, o advogado provou que a maior
parte da reclamação se fundava em horas extras que não foram comprovadas e em adicional de insalubridade que a
perícia apurou inexistir. A prova das horas extras dependia de documentos que o empregado não possuia e de
testemunhas que, por ele arroladas, não foram localizadas. Obviamente, nenhuma culpa pode ser atribuída ao
advogado, razão do arquivamento da queixa. Outro caso: proprietário de veículo ingressou com ação na Justiça
Federal para obter restituição de empréstimo compulsório pago em 1986 e até hoje não recebido. Queixou-se à OAB,
afirmando que seu advogado seria responsável pela demora, tendo este comprovado que cumpriu todos os prazos e
que o pagamento está a depender de precatório, cuja demora não é culpa do profissional. Todos sabemos que apenas
os advogados são obrigados a cumprir prazos. Juizes há que permanecem com autos conclusos para sentença por
vários anos, enquanto procuradores, por dever de ofício, são obrigados a recorrer às instâncias superiores, retardando
a prestação jurisdicional. A queixa pela demora, porém, recai sobre os advogados, que nenhuma culpa possuem
nesses casos.
A demora ou mesmo a inexistência de Justiça, resultantes do desprezo que governos medíocres a ela dedicam,
acabam atribuídas aos advogados, especialmente pelo fato de que Juizes, Promotores e Legisladores não são tão
acessíveis quanto nós, com qualquer deles dificilmente atendendo aos reclamantes em seus gabinetes.
A OAB não tem se omitido na punição dos maus profissionais. Aí estão as decisões aplicando-lhes os castigos previstos
em lei, inclusive penas de exclusão do exercício profissional. Todavia, a Constituição Federal a todos assegura ampla
defesa e os advogados punidos em São Paulo podem recorrer ao Conselho Federal. Todo mês a OAB divulga nomes de
advogados que são suspensos e até eliminados. Nós não temos o hábito de varrer a sujeira para debaixo do tapete. Por
outro lado, houve um enorme crescimento do número de advogados nos últimos anos, seguido do aumento da
insatisfação da sociedade diante dos resultados obtidos na Justiça. A atual administração da OAB-SP está investindo e
muito para ampliar a atuação do Tribunal de Ética, criando novas Turmas, contratando e treinando funcionários e em
breve ampliando suas instalações. Com tais medidas, os processos estão sendo agilizados. Os culpados serão punidos
mais severa e rapidamente e os inocentes ficarão livres da acusação em tempo menor.
Os processos disciplinares são sigilosos, na forma da lei vigente, não para proteger os faltosos, mas em obediência ao
mandamento constitucional da presunção da inocência. Só após o trânsito em julgado do processo disciplinar é que os
punidos podem ter seus nomes revelados e a OAB imediatamente comunica o fato ao público e aos que trabalham na
área do Direito. Ressalvado, portanto, o sigilo previsto em lei, pois na OAB a Constituição é respeitada, as questões
disciplinares devem ser expostas com clareza a toda a coletividade jurídica e mesmo à opinião pública.
Não transigimos com a Ética, nem protegemos os maus profissionais. Prova disso é que em menos de 2 anos o atual
Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP já aplicou mais de 500 penalidades a advogados, aí incluídas inúmeras
suspensões e diversas exclusões. Tal rigor já vem surtindo efeitos, como o grande interesse dos novos profissionais
pelos seminários e cursos de ética profissional promovidos pela Escola Superior de Advocacia da OAB-SP. Na
advocacia paulista a questão Ética é hoje prioridade absoluta !