A INCONSTITUCIONALIDADE DE DELEGAÇÃO LEGISLATIVA EXTERNA EM MATÉRIA DE BENEFÍCIO FISCAL

A delegação legislativa externa ao Poder Executivo, para, através de decreto específico, estabelecer as condições necessárias à fruição de benefício fiscal instituído por lei viola frontalmente as normas constitucionais em vigor. Efetivamente, qualquer benefício ou vantagem fiscal (subsídio, isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão) relativo a impostos, taxas ou contribuições, só pode ser concedido mediante lei específica, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição. É o que dispõe o art. 150, § 6º, da Carta Magna, in verbis: “Art. 150. …………………………… …………………………………….. § 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no artigo 155, § 2º, XII, g. (Redação dada ao parágrafo pela Emenda Constitucional nº 03/93)” A atividade do Estado, em matéria tributária, constitui ação necessariamente subordinada à estrita observância dos modelos consagrados pelo texto constitucional. O Poder Público está rigidamente sujeito, no regramento de matérias que exijam disciplinamento mediante atos normativos primários (aqueles editados pelo Poder Legislativo) – como ocorre na veiculação de temas de direito tributário que concernem às relações entre o Estado e o contribuinte – ao princípio constitucional da reserva de lei. A essência do direito tributário reside na integral submissão do poder estatal à rule of law, de tal modo que, respeitados os postulados fixados pela própria Constituição, a eficácia da atividade governamental em matéria tributária resulte sempre condicionada por tudo quanto haja sido fixado pelo legislador em sede jurídica adequada, vale dizer, por tudo quanto tenha sido ditado pelo Poder Público em lei. O Constituinte, portanto, atento ao princípio da reserva lei em matéria tributária, repetiu no supratranscrito art. 150, § 6º, regra já existente no Código Tributário Nacional (arts. 180, 181 e 182), proibindo ao Poder Executivo, através de ato regulamentar ou de delegação legislativa, a concessão de benefícios fiscais. Esta é a visão que, sobre o tema, manifesta o jurista IVES GRANDA DA SILVA MARTINS, inverbis: “O § 6º restringe a faculdade, que muitas vezes se auto-outorgava o Poder Executivo, de remir ou anistiar créditos tributários. Em nível de legislação complementar já havia tratamento sobre a matéria. Os arts. 180, 181 e 182 do Código Tributário Nacional ofertam sua disciplina jurídica, explicitando – por ser esta a função da lei complementar – os denominados princípios implícitos da Lei Maior. O novo Texto, todavia, eleva, em nível constitucional, as amarras colocadas no direito pretérito.” O poder de dispor sobre as matérias enumeradas no art. 150, § 6º, da Constituição Federal, consiste num encargo jurídico absolutamente intransferível pelo Poder Legislativo a qualquer outra instância de poder. Inadmite-se, portanto, a veiculação daquelas matérias através de delegação legislativa externa (lei delegada – art. 59, IV e 68 da CF/88), a fim de preservar os princípios constitucionais da reserva absoluta de lei e da separação dos poderes. Sobre a questão aqui tratada, assim já se manifestou o Supremo Tribunal Federal: “ACAO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI ESTADUAL QUE OUTORGA AO PODER EXECUTIVO A PRERROGATIVA DE DISPOR, NORMATIVAMENTE, SOBRE MATÉRIA TRIBUTÁRIA – DELEGAÇÃO LEGISLATIVA EXTERNA – MATÉRIA DE DIREITO ESTRITO – POSTULADO DA SEPARAÇÃO DE PODERES – PRINCÍPIO DA RESERVA ABSOLUTA DE LEI EM SENTIDO FORMAL – PLAUSIBILIDADE JURÍDICA – CONVENIÊNCIA DA SUSPENSÃO DE EFICÁCIA DAS NORMAS LEGAIS IMPUGNADAS – MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. – A essência do direito tributário – respeitados os postulados fixados pela própria Constituição – reside na integral submissão do poder estatal a rule of law. A lei, enquanto manifestação estatal estritamente ajustada aos postulados subordinantes do texto consubstanciado na Carta da Republica, qualifica-se como decisivo instrumento de garantia constitucional dos contribuintes contra eventuais excessos do Poder Executivo em matéria tributaria. Considerações em torno das dimensões em que se projeta o princípio da reserva constitucional de lei. – A nova Constituição da República revelou-se extremamente fiel ao postulado da separação de poderes, disciplinando, mediante regime de direito estrito, a possibilidade, sempre excepcional, de o Parlamento proceder a delegação legislativa externa em favor do Poder Executivo. A delegação legislativa externa, nos casos em que se apresente possível, só pode ser veiculada mediante resolução, que constitui o meio formalmente idôneo para consubstanciar, em nosso sistema constitucional, o ato de outorga parlamentar de funções normativas ao Poder Executivo. A resolução não pode ser validamente substituída, em tema de delegação legislativa, por lei comum, cujo processo de formação não se ajusta a disciplina ritual fixada pelo art. 68 da Constituição. A vontade do legislador, que substitui arbitrariamente a lei delegada pela figura da lei ordinária, objetivando, com esse procedimento, transferir ao Poder Executivo o exercício de competência normativa primária, revela-se írrita e desvestida de qualquer eficácia jurídica no plano constitucional. O Executivo não pode, fundando-se em mera permissão legislativa constante de lei comum, valer-se do regulamento delegado ou autorizado como sucedâneo da lei delegada para o efeito de disciplinar, normativamente, temas sujeitos a reserva constitucional de lei. – Não basta, para que se legitime a atividade estatal, que o Poder Público tenha promulgado um ato legislativo. Impõe-se, antes de mais nada, que o legislador, abstendo-se de agir ultra vires, não haja excedido os limites que condicionam, no plano constitucional, o exercício de sua indisponível prerrogativa de fazer instaurar, em caráter inaugural, a ordem jurídico-normativa. Isso significa dizer que o legislador não pode abdicar de sua competência institucional para permitir que outros órgãos do Estado – como o Poder Executivo – produzam a norma que, por efeito de expressa reserva constitucional, só pode derivar de fonte parlamentar. O legislador, em conseqüência, não pode deslocar para a esfera institucional de atuação do Poder Executivo – que constitui instância juridicamente inadequada – o exercício do poder de regulação estatal incidente sobre determinadas categorias temáticas – (a) a outorga de isenção fiscal, (b) a redução da base de calculo tributaria, (c) a concessão de credito presumido e (d) a prorrogação dos prazos de recolhimento dos tributos -, as quais se acham necessariamente submetidas, em razão de sua própria natureza, ao postulado constitucional da reserva absoluta de lei em sentido formal. – Traduz situação configuradora de ilícito constitucional a outorga parlamentar ao Poder Executivo de prerrogativa jurídica cuja sedes materiae – tendo em vista o sistema constitucional de poderes limitados vigente no Brasil – só pode residir em atos estatais primários editados pelo Poder Legislativo.” (Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.296/PE, rel. Min. Celso de Mello, pub. no DJ de 10.08.1995) “MATÉRIA TRIBUTÁRIA E DELEGAÇÃO LEGISLATIVA: A outorga de qualquer subsídio, isenção ou crédito presumido, a redução da base de cálculo e a concessão de anistia o remissão em matéria tributária só podem ser deferidas mediante lei específica, sendo vedado ao Poder Legislativo conferir ao Chefe do Poder Executivo a prerrogativa extraordinária de dispor normativamente,
sobre tais categorias temáticas, sob pena de ofensa ao postulado nuclear da separação de poderes de transgressão ao princípio da reserva constitucional de competência legislativa. Precedente:ADIn 1.296-PE, Rel. Min. CELSO DE MELLO.” (Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.247/PA, rel. Min. Celso de Mello, pub. no DJ de 08.09.1995, transcrição parcial da ementa)

Autor: Paulo Roberto Fernandes Pinto Junior

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