A Indivisibilidade dos Direitos Humanos

José Luiz Quadros de Magalhães

No trabalho que agora iniciamos, propomo-nos a estudar os Direitos Humanos na ordem interna constitucional, onde analisaremos os quatro grupos de direitos fundamentais que compõem os Direitos Humanos, estudando a teoria e o tratamento constitucional dos direitos individuais, sociais, econômicos e políticos, estabelecendo, no decorrer do trabalho, a relação necessária existente entre estes grupos de direitos, caracterizando sua indivisibilidade.

O estudo dos Direitos Humanos é o estudo integrado dos Direitos Individuais, Sociais, Econômicos e Políticos Fundamentais, e será este raciocínio de complementação e integração destes grupos de direitos fundamentais que procuraremos demonstrar neste pequeno artigo.

Uma questão fundamental que deve ser enfrentada inicialmente é a diversidade terminologia. Devemos estabelecer, desde já, o emprego de expressões que recebem tratamento diferenciado na doutrina.

Quando falamos em Direitos Humanos, utilizamos esta expressão como sinônimo dos direitos fundamentais. Portanto, direitos fundamentais são, os direitos individuais fundamentais (relativos à liberdade, igualdade, propriedade, segurança e vida); os direitos sociais (relativos à educação, trabalho, lazer, seguridade social entre outros); os direitos econômicos (relativos ao pleno emprego, meio ambiente e consumidor); e direitos políticos (relativos às formas de realização da soberania popular).

Observa Carlos Alberto Bittar que os chamados direitos de personalidade recebem diferentes nomes frente à perspectiva de análise, verificando-se como mais comuns, os seguintes: “Direitos do Homem”, “Direitos Fundamentais da Pessoa”, “Direitos Humanos”, “Direitos Inatos”, “Direitos Essenciais da Pessoa”, “Liberdades Fundamentais” e, especialmente, “Direitos de Personalidade”. (01) O autor citado faz diferenciação entre direitos de personalidade e liberdades públicas, e por sua vez dos Direitos Humanos. Isto nos desperta para a extrema diversidade de expressões que devem ser ordenadas, pois só contribuem para a dificuldade de compreensão do tema.

É necessário que se faça, desde já, uma classificação dos Direitos Fundamentais da Pessoa, ou simplesmente Direitos Humanos:

Grupo 1 – Direitos Individuais

O ponto de convergência dos Direitos Individuais será a liberdade, sendo que estes direitos são relativos à vida, liberdade, propriedade, segurança e igualdade.

Encontramos na doutrina referência a “direitos de personalidade”, (02) (vida, liberdade) “direitos da intimidade” (vida privada, inviolabilidade de domicílio) “liberdades públicas” (liberdade de reunião, associação, etc.), todas estas denominações se incluem dentro dos direitos individuais fundamentais, e com o objetivo de ordenar e simplificar a matéria, não serão utilizadas neste trabalho.

Grupo 2 – Direitos Sociais

Compreendem os Direitos Sociais, os direitos relativo à saúde, educação, previdência e assistência social, lazer, trabalho, segurança e transporte.

Estes direitos estão a pedir uma prestação positiva do Estado que deve agir no sentido de oferecer estes direitos que estão a proteger interesses da sociedade, ou sociais propriamente ditos.

Grupo 3 – Direitos Econômicos

Os Direitos Econômicos são aqueles direitos que estão contidos em normas de conteúdo econômico que viabilizarão uma política econômica. Classificamos entre direitos econômicos, pelas características marcantes destes direitos, o direito de pleno emprego, transporte integrado à produção, direito ambiental e direitos do consumidor.

Estes Direitos Econômicos contém normas que estão protegendo interesses individuais, coletivos e difusos.

Grupo 4 – Direitos Políticos

Os Direitos Políticos é o quarto e o último grupo de direitos que compõem os Direitos Humanos. São direitos de participação popular no Poder do Estado, que resguardam a vontade manifestada individualmente por cada eleitor sendo que a sua diferença essencial para os direitos individuais é que, para estes últimos não se exige nenhum tipo de qualificação em razão da idade e nacionalidade para o seu exercício, enquanto que para os direitos políticos, determina a Constituição requisitos que o indivíduo deve preencher.

Estes direitos, no texto brasileiro, são os direitos de votar e ser votado, do referendo, plebiscito e iniciativa popular das leis.

Quanto às expresses Direitos Fundamentais e Direitos Humanos, como já afirmamos, recebem na doutrina tratamento diferenciado.

O Professor Joaquim Carlos Salgado emprega a expressão Direitos Fundamentais como gênero, do qual os Direitos Humanos são espécie, afirmando que os Direitos Fundamentais são formados pelos Direitos Individuais, Direitos Sociais, Direitos Humanos (síntese dos Direitos Individuais e Sociais) e Direitos Políticos Observe-se que não estão incluídos os Direitos Econômicos como fundamentais, como também não se incluem os Direitos Políticos como Direitos Humanos, discordando esta afirmação dos textos internacionais relativos aos Direitos Humanos.

O Professor Aurélio Guaita da Universidade Autónoma de Madrid, considera os termos sinônimos ao analisar a Constituição Espanhola, afirmando que “por tratarse de libertades públicas o derechos humanos o fundamentales, es evidente, porque es justo, que se reconozcan y garanticen em principio a “toda persona”, a “todos”, com declaran y a veses así comienzan, por exemplo, los artículos 15 (derecho a la vida y a la integridad física y moral), 17.1 (libertad y seguridad), 24 (derecho a obtener justicial), 27.1 (educación), 28.1 (sindicación), 31.1 (aqui es obligación: tributos), 45.1 (medio ambiente)” entre outros.

O Professor Adolfo Gelsi Bidart observa que os Direitos Humanos são “derechos básicos, sin los cuales no sería factíbile una sociedad adecuada para el hombre que deben reconocerse a todo hombre por pertencer a (o derivan de) su modo de ser proprio”. Acrescenta que cada vez mais se universaliza a aplicação destes direitos “y se amplia su catálogo, complementándolo para abarcar otros aspectos que dibuzen mejor la personalidad humana, a través del reconocimiento de su actuación social garantizada”.

Finalmente, umas duas questões devem ainda ser respondidas antes de começarmos o estudo da história destes Direitos Humanos: o que são e como podem ser estudados estes direitos.

Admitindo como sinônimos as expressões Direitos Humanos e Direitos Fundamentais, podemos recorrer aos ensinamentos de Joaquim Carlos Salgado quando escreve que, os Direitos Fundamentais são aqueles direitos, “matrizes de todos os demais; são direitos sem os quais não podemos exercer muitos outros. São os direitos fundamentais, direitos que dão fundamento a todos os demais” .

Acrescenta ainda o Professor acima mencionado que, os direitos fundamentais não podem estar previstos em qualquer lei mas devem estar garantidos por uma lei também fundamental, ou seja, a Constituição. Esses direitos apresentam dois aspectos. Um aspecto formal, onde eles aparece como “direitos propriamente ditos”, garantidos numa constituição e um aspecto material, onde são valores pré-constitucionais, produtos de culturas civilizadas, determinando o conteúdo desses direitos nas constituições.

José Carlos Vieira de Andrade examina os Direitos Fundamentais sob três perspectivas diferentes. A primeira será a perspectiva filosófica ou jusnaturalista onde estes direitos começaram a existir. Desta forma, estes direitos podem ser considerados como direitos de “todos os homens, em todos os tempos e em todos os lugares”.

Os Direitos Fundamentais, nessa perspectiva filosófica, na sua dimensão natural, são como os direitos absolutos, imutáveis e intemporais, inerentes aos seres humanos. É dessa forma que na Declaração dos Direitos do Homem de 1789 (França) afirma-se que

“o fim de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis, resumindo-se estes na liberdade, segurança, propriedade e resistência à opressão” .

José Carlos Vieira de Andrade, coloca como segunda perspectiva pela qual pode-se considerar os Direitos Fundamentais, a visão universalista ou internacionalista.

Nesse sentido, vamos analisar os Direitos Fundamentais como direitos que devem ser impostos a todos os Estados. É a necessidade de se tentar garantir esses direitos a todos os seres humanos, em todos os lugares do mundo. No tempo da Sociedade das Nações (em que Genebra era uma espécie de capital diplomática mundial, 1918) já havia esta preocupação, mas será após a II Grande Guerra Mundial que efetivamente se sentirá de modo intenso a necessidade de se criarem mecanismos internacionais que garantissem estes Direitos Fundamentais em todos os Estados. Portanto, aproveitando os laços internacionais criados por motivo da guerra, declarou-se para todo o mundo dos Direitos Fundamentais do Ser Humano, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, assinada em Paris em 10 de Dezembro de 1948, que afirmava como fundamentais os direitos individuais, sociais e políticos, reconhecendo assim uma nova ordem social, onde o Estado estava definitivamente consagrado como administrador da sociedade.

Entretanto, apesar de existir uma corrente que sustenta que o respeito a estes Direitos Fundamentais é uma questão de direito internacional, este entendimento não é pacífico, pois para que exista uma eficácia destes princípios contidos nas declarações internacionais, e estes se tornem princípios jurídicos, independente da vontade dos Estados, são necessários meios de coerção eficazes postos à disposição dos Tribunais Internacionais, o que realmente inexiste.

Finalmente, a perspectiva estatal ou constitucional será o terceiro aspecto sob o qual podemos considerar os Direitos Fundamentais, e é justamente esta perspectiva nos interessa de maneira especial e tivemos oportunidade de desenvolve-la no livro “Direitos Humanos na Ordem Jurídica Interna” publicado pela editora Interlivros de Minas Gerais, edição de 1992. Para o presente estudo, com as necessárias incursões sobre a Teoria e a Prática dos Direitos Humanos. Este perfil significa o estudo das declarações de direitos ou das garantias de direitos fundamentais contidas nas constituições, sem esquecermos o tratamento infraconstitucional de sua variada temática.

É necessária uma investigação dos textos constitucionais que contém estes Direitos Fundamentais, e será de grande importância notar que o conteúdo dos mesmos será diverso, ou seja, os Direitos Fundamentais foram acrescidos de novos grupos de direitos através dos tempos. Desta forma se inicialmente os Direitos Fundamentais eram como que sinônimos dos direitos individuais fundamentais, com o decorrer do tempo, a evolução dos fatos históricos vai determinar que o Estado venha também garantir os Direitos Sociais.

O estudo da evolução histórica é fundamental, para que tenhamos uma noção exata do atual grau de desenvolvimento destes direitos, para posteriormente estudarmos os grupos de Direitos Fundamentais que compõem os Direitos Humanos e a relação necessária existente entre eles.

Convém ressaltar as intensas preocupações com os Direitos Humanos nos tempos modernos, sem esquecermos que esse interesse tem início sistemático com a Escola Clássica do Direito Natural, Hobbes, Spinoza, Puffendorf, Locke, Jefferson, Rousseau, Kant e outros. Para certos expositores, a garantia dos Direitos Humanos coincide com o movimento de estruturação dos Estados Modernos:

“Se trata, no obstante, solamente de los derechos que en la terminologia moderna se suele denominar como derechos individuais del hombre, civiles y políticos. No es sino después, que se va a hablar también de los otros derechos humanos: de los derechos económicos, sociales y culturales. Aún así, el ambito de protección de los derechos se limitava a interior de los Estados y los gobiernos consideraban que podrían someter a su arbitrio las questiones concernientes a estes derechos”

A proporção que a vida internacional passou a apresentar novas perspectivas e dimensões, iniciou-se a pensar na observância maior dos Direitos Humanos, transcendendo as fronteiras estatais, com preocupações sobre a competência internacional para exame da matéria, com vistas ao papel que deveria assumir a comunidade internacional no processo de internacionalização dos Direitos Humanos.

Finalizando este estudo, que remete a outros, é de extrema importância a constatação da indivisibilidade dos direitos fundamentais, superando a noção liberal dos direitos humanos como grupos estanques de direitos individuais e políticos ou mesmo a compreensão dos direitos humanos numa perspectiva neoliberal, onde somados aos direitos individuais e políticos, aparecem os direitos sociais e econômicos, entretanto entendidos a partir da compreensão liberal, recebendo uma leitura que os considera grupos de direitos estanques, portanto numa perspectiva meramente clientelista.

Não é difícil visualizar a indivisibilidade dos direitos fundamentais, bastando para isto enumerar os diversos direitos que compõem os grupos de direitos fundamentais mencionados e perceber do ponto de vista lógico que não há efetivamente liberdade sem que existam as condições mínimas para o seu exercício que são os direitos sociais e econômicos, que surgem aí como garantias socio-econômicas de implementação dos direito individuais e políticos.

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