Não é de agora que a cidadania se espanta com a falta de limites do comportamento e propostas inadequadas apresentadas pelos congressistas no exercício de seus mandatos parlamentares.
Os sucessivos escândalos, de tão rotineiros, já não conseguem sequer grande espaço na mídia. Quanto ao conteúdo das moções em discussão, há um verdadeiro pacto de silêncio. Poucos se dedicam a buscar mais informações sobre assuntos em debate e que futuramente poderão se transformar em leis.
O foro privilegiado, garantido pela Constituição em favor de autoridades no exercício de suas funções, encontra-se neste quadro. Embora passível de críticas, este instituto é compreensível. A autoridade pública não pode se sujeitar a um sem-número de discussões judiciais, na maioria das vezes iniciadas por opositores políticos que, assim, inviabilizam a administração escolhida pela maioria dos cidadãos.
Por tal razão é que a Constituição reservou ao STF (Supremo Tribunal Federal) a competência para julgar, nas infrações penais comuns, o presidente da República, o vice-presidente, os membros do Congresso Nacional, os próprios ministros daquela Corte e, ainda, o procurador-geral da República.
Dá este poder também ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) em relação a governadores para os crimes comuns e, neste tipo de crime, além daqueles de responsabilidade, aos desembargadores dos Tribunais de Justiça dos estados e do Distrito Federal, àqueles que integram os Tribunais Regionais Federais, Regionais Eleitorais e do Trabalho, além de aos membros dos Tribunais de Contas dos Municípios e do Ministério Público.
É uma longa lista de autoridades que encontram abrigo dentro do princípio geral de proteção à sua posição.
Entendo que esta faculdade, apesar de necessária, deveria ser limitada aos atos relacionados ao exercício da função pública. Não pode se estender aos crimes comuns que viessem a ser praticados por autoridades.
Afinal, se é princípio constitucional que todos são iguais perante a lei, não faz sentido a proteção a um homicida, estelionatário, ou assaltante, ganhando este privilégio para julgamento apenas por ocupar, transitoriamente, um cargo ou função.
O Supremo Tribunal Federal chegou a declarar inconstitucional a extensão do foro privilegiado a ex-autoridades, ou seja, a pessoas que já concluíram mandato eletivo, estão aposentadas ou deixaram a função pública.
Não satisfeito, o Congresso Nacional aprovou também uma nova lei, que não só restabeleceu a vantagem do foro privilegiado para ex-autoridades como ampliou a abrangência do conceito, estendendo-o também às situações previstas na Lei de Improbidade Administrativa. Outra vez a iniciativa foi rechaçada pela mais alta corte do país, que declarou o novo texto também inconstitucional.
Os congressistas se conformaram? Qual o quê. De imediato, apresentaram nova proposição, agora sob a forma de emenda constitucional (PEC). Nela, pretendem incluir o direito do foro privilegiado às autoridades, ex-autoridades, e, ainda, o benefício de violar a lei de improbidade administrativa.
Esta iniciativa é claramente contrária à vontade popular que, cansada de ver autoridades sem punição por atos abusivos cometidos, clama por solução mais eficiente, rápida e eficaz.
Não se trata de condenar este instrumento aplicado a autoridades no exercício da função. O que se procura é que tais situações sejam objeto de efetiva apuração e rápida conclusão, até mesmo em benefício da autoridade indevidamente acusada. O problema maior é a falta de estrutura dos Tribunais Superiores, que não estão aparelhados para estas funções.
A situação é grave. Basta dizer que não existe uma única condenação imposta pelo Supremo Tribunal Federal nos últimos 40 anos. Este quadro só tende a piorar se forem levadas a este juízo também ex-autoridades que, já tendo deixado o cargo, nada mais são do que cidadãos comuns, e que por isto devem ser tratados como outro qualquer.
Então, fica a questão: de um lado, é necessário melhorar a eficiência dos Tribunais Superiores, que detêm com exclusividade a competência do foro privilegiado, para que os casos sejam conhecidos rápida e eficazmente. Para isto há sugestões, como delegar a instrução dos processos às instâncias inferiores ou a criação de um tribunal especializado apenas na apreciação de casos do gênero.
De outra parte, é preciso banir a idéia de se levar o conceito a quem não mais é autoridade. Isso porque, se de um lado é compreensível que se preserve a autoridade no cargo ou função, do outro, é inadmissível a proteção discriminatória de meros cidadãos levados a um foro privilegiado, cujo próprio nome já indica ser diferente —sem dúvida em favor do réu— do que o da Justiça Comum a que são submetidos os cidadãos brasileiros.
Basta! Não é possível levar a impunidade a limites além da imaginação. Por isto, rejeitar a proposta de emenda à constituição (PEC) 358/05 é também a imposição da própria moralidade no país.
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Luiz Eduardo Lopes da Silva é advogado, pós-graduado em direito da empresa, sócio de Lopes da Silva e Guimarães Advogados e consultor jurídico de entidades de classe