A informática na cooperação internacional para cobrar dívidas

Pedro C. Raposo Lopes*

Na última década, assistimos perplexos a uma verdadeira revolução informática. Mudanças implementadas por um incontrolável e entontecedor chorrilho de inovações tecnológicas, que vieram a refletir-se de maneira patente na seara da troca de dados de toda espécie.

No eito das inovações tecnológicas, o acesso à rede mundial de computadores (seguido de convênios firmados com órgãos e entidades públicas) vem possibilitando o intercâmbio de informações por essa via. Essa mudança substitui, com vantagem, as trocas burocráticas de processos e papéis, gerando, a fortiori, resultados sobreposse mais céleres, eficientes e confiáveis.

Já contam com a pátina do tempo as demoradas consultas aos serviços notariais que, a par de custosas para os órgãos envolvidos e demandantes de recursos humanos, provocam a superfetação de atos por parte dos diversos procuradores atuantes em feitos análogos, agravando o atraso no andamento da cobrança judicial.

Projeto Grandes Devedores

Como fruto do uso desse compósito instrumental, as distâncias se encurtam, as comunicações se desenvolvem e a velocidade estupefaciente da troca de dados desnuda situações antes só conhecidas por força de noticiários. Essa troca de informações mostra as faces de um assaz elevado número de devedores do fisco que durante tanto tempo valeu-se do véu da distância física para mascarar sonegação, evasão de divisas e enriquecimento em detrimento das burras públicas.

Em nossa experiência profissional junto ao Projeto Grandes Devedores, estivemos à frente de um caso emblemático, que ganhou espaço em jornais, revistas e em sítios específicos dedicados ao direito.

Dentre os feitos incluídos no projeto, criado para enfrentar casos especiais envolvendo cobranças de grande monta, encontravam-se miríades de demandas paralisadas, movidas em face de uma empresa transportadora dissolvida irregularmente havia décadas. Situações como esta são recorrentes na prática judiciária, sendo um dos fatores perversos da boa prestação jurisdicional, por isso que responsável pelo atulho de autos, que atinge níveis paroxísmicos.

Baldadas as tentativas de localização de seus dirigentes, a solução de costume seria engrossar a paz dos arquivos com mais alguns feitos, não fosse a utilização da rede mundial de computadores, que denunciou que o principal sócio havia se estabelecido em país vizinho, sendo conhecido produtor de vinhos e proprietário de herdades de valor inestimável.

Sucede que o Direito, muitas vezes, não consegue acompanhar o dinamismo dos fatos, sobretudo quando em jogo a soberania dos Estados.

São notórias as tentativas do governo brasileiro de recuperar, em outras plagas, dinheiros ilicitamente açambarcados dos cofres da previdência (e de outras entidades) por conhecidas figuras trajadas de beca ou toga. Para isso, contrata profissionais estrangeiros e empregando valiosos recursos financeiros, tudo isso como tributo à falta de efetivação de atos de cooperação internacional.

No caso acima citado, enfrentamos todo tipo de dificuldade: desde a incógnita do devedor até a ausência de precedentes jurisdicionais que autorizassem a utilização de cartas rogatórias de cunho executório no âmbito do direito do Mercosul.

A esse respeito, o eg. STF já havia, inclusive, negado exequatur a carta rogatória emanada da República da Argentina. Com ela, pretendia-se o seqüestro de mercadorias a bordo de navio atracado em Belém e o arresto do próprio navio, ao argumento de ausência de promulgação pelo presidente do protocolo de medidas cautelares adotado pelo Mercosul (AgRg n. 8279, relator o ministro Celso de Mello, in DJ de 14.05.1998, p. 34).

O protocolo de Las Leñas foi aprovado no Brasil pelo Decreto Legislativo 55, publicado no Diário Oficial da União (DOU) em abril de 1995, promulgado pelo decreto nº 2.067 do Poder Executivo (publicado no DOU em 12 de novembro de 1996) e depositado o instrumento de ratificação na chancelaria paraguaia no dia 16 de fevereiro de 1997. O tratado, em seu artigo 19, diz que o pedido de reconhecimento e execução de sentenças no âmbito do Mercosul será tramitado por via de cartas rogatórias e por intermédio da autoridade central.

No artigo 20, fica claro que para que sejam reconhecidas as sentenças devem ser cumpridos alguns requisitos, entre outros que a decisão deve ter força de coisa julgada e/ou executória no Estado em que foi editada (proferida).

Como observa o professor Onélio Luis Santos, “outro passo importante no sentido de tornar efetiva a tutela dos direitos no âmbito do Mercosul foi o protocolo sobre medidas cautelares, firmado em Ouro Preto, em 16.12.94. No Brasil, foi aprovado pelo Decreto Legislativo nº 192 (DJ 18.12.95) e quebra-se, com ele, uma antiga e tradicional orientação das disposições brasileiras, segundo a qual “as cartas rogatórias executórias são insuscetíveis de cumprimento no Brasil”.”

E ainda diz o professor: “Atos executórios determinados por autoridade judiciária estrangeira somente podem ser cumpridas no Brasil se providos de sentença definitiva (nunca de medida provisória, fundada em decisão interlocutória), devidamente homologada pelo STF, em procedimento contraditório formal, estabelecido nos arts. 215 a 224 do Regimento Interno daquela Corte, exigindo-se, inclusive, prova do trânsito em julgado (art. 217, III)”.

Os óbices à plena aplicação do Protocolo de Medidas Cautelares no Brasil restaram, contudo, superados com a promulgação do Decreto nº 2.626, de 1998. É certo que o artigo 2o do Protocolo autoriza a solicitação de medida cautelar em processos de execução.

O sucesso foi obtido por uma conjunção de fatores, inclusive a denodada atuação do magistrado titular do Juízo de Execuções Fiscais, redundando na concessão de medida liminar em ação cautelar fiscal, confirmada em recentíssima sentença, publicada no DO de 27 de novembro próximo passado. Cuida-se, ao que se tem notícia, da primeira sentença em território nacional a valer-se do Protocolo Adicional de Ouro Preto, permitindo a efetivação da tutela de urgência por rogatória expedida diretamente ao juízo competente no país estrangeiro.

Malgrado todas as dificuldades imanentes à Administração Pública, a Procuradoria da Fazenda Nacional soube acompanhar os reptos carreados pelas aludidas inovações. A Procuradoria aparelhou-se de maneira adequada, não ficando, neste ponto, atrás dos melhores escritórios de advocacia.

Espera-se que a integração dos países do Mercosul venha acompanhada da criação de instrumentos legais de cooperação no âmbito da cobrança das dívidas ativas dos diversos Estados, à míngua dos quais a nova política tributária poderá gorar no nascedouro.

Pedro C. Raposo Lopes é procurador da Fazenda Nacional e coordenador do Projeto Grandes Devedores no Rio de Janeiro

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