Dr. Damásio E.de Jesus
O art. 2º da Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997, acrescentou um tipo qualificado ao delito de injúria, impondo penas de reclusão, de 1 a 3 anos, e multa, se cometida mediante “utilização de elementos referentes a raça, cor, religião ou origem”.
A alteração legislativa foi motivada pelo fato de que réus acusados da prática de crimes descritos na Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989 (preconceito de raça ou de cor), geralmente alegavam ter praticado somente delito de injúria, de menor gravidade, sendo beneficiados pela desclassificação. Por isso, o legislador resolveu criar uma forma típica qualificada envolvendo valores concernentes a raça, cor, etc., agravando a pena.
Andou mal mais uma vez.
De acordo com a intenção da lei nova, chamar alguém de “negro”, “preto”, “pretão”, “negão”, “turco”, “africano”, “judeu”, “baiano”, “japa” etc., desde que com vontade de lhe ofender a honra subjetiva relacionada com a cor, religião, raça ou etnia, sujeita o autor a uma pena mínima de 1 ano de reclusão, além de multa. Menor do que a imposta no homicídio culposo (1 a 3 anos de detenção, art. 121, § 3º) e a mesma do auto-aborto (CP, art. 124) e do aborto consentido (art. 125).
Assim, matar o feto e xingar alguém de “alemão batata” têm, para o legislador, igual significado jurídico, ensejando a mesma resposta penal, embora as objetividades jurídicas sejam diversas. Chamar um japonês de “bode”, com dolo de ofensa, conduz a 1 ano de reclusão; matá-lo culposamente no trânsito, a 1 ano de detenção.
Ofender alguém chamando-o de “baiano” tem o mesmo valor que lhe causar lesão corporal grave, como, v.g., perigo de vida (art. 129, § 1º, II). E o furto simples (art 155, caput)? Se alguém lhe subtrai todos os pertences, a pena é de 1 ano de reclusão. Se a vítima descobre que o ladrão é um homem de cor e diz que “aquilo só podia ser coisa de preto”, presente o elemento subjetivo do tipo, a resposta penal tem a mesma dose. Corromper menor (art. 218) e xingá-lo de “negrinho safado” recebem o mesmo tratamento punitivo. Sem falar na transmissão dolosa de molestia grave (art. 131), estelionato (art. 171), seqüestro (art. 148), atentado ao pudor mediante fraude (art. 216) etc., com sanção mínima igual.
E há delitos mais graves com pena comparativamente menor: constrangimento ilegal (art. 146), ameaça de morte (147), abandono material (art. 244) etc. A cominação exagerada ofende o princípio constitucional da proporcionalidade entre os delitos e suas respectivas penas.
Dificilmente um juiz irá condenar a 1 ano de reclusão quem chamou alguém de “católico papa-hóstias”, ainda que tenha agido com vontade de ofender e menosprezar. Se aplicado o novo tipo penal, de ver-se que, além do dolo próprio da injúria, consistente na vontade de ultrajar, o tipo requer a consciência de que o sujeito está ofendendo a vítima por causa de sua origem, religião, raça, etc.
Extraído do site do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM