A Lei Eleitoral e a Constituição federal

Rui Celso Reali Fragoso

Rui Celso Reali Fragoso é Presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo
Artigo publicado no jornal “O Estado de São Paulo” no dia 1º de setembro, pag. 2

Com a restauração democrática e a Constituição federal de 1988 desapareceu o resíduo autoritário no Brasil. Assim, o direito da coletividade à informação consolidou-se como decorrência do exercício pleno de cidadania.
O direito de informar ultrapassa o conceito de prerrogativa profissional ou atributo de liberdade de pensamento para se situar no campo dos direitos sociais garantidos a todo cidadão.
Paralelos caminham o direito de informar e o direito à informação, faces da mesma moeda, regras do Estado Democrático de Direito; vê-se neles o direito individual inalienável em simetria com o direito coletivo dos indivíduos.
Diante desse contexto, a Lei Eleitoral (nº 9.504/97), inciso III do artigo 45, contém flagrante inconstitucionalidade. Refiro-me à proibição de veicular propaganda política ou difundir opinião contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou representantes.
A intenção do legislador foi regulamentar a programação normal, e especialmente os programas de noticiário jornalístico das emissoras de rádio e televisão, com o intuito de impedir o abuso do poder econômico e o desrespeito ao princípio da igualdade de tratamento aos candidatos.
Ninguém de boa-fé contesta e deixa de reconhecer a existência do poder econômico como forma de aliciamento ilegítimo de eleitores, subtraindo-lhes a consciência, na tentativa de submeter o sufrágio às leis do mercado.
Em que pese a boa intenção do legislador, o mencionado artigo desrespeita a Constituição, sobremaneira nos artigos 5º, IV e 220, normas de eficácia plena que garantem a absoluta liberdade informativa.
A Constituição federal é bastante clara ao outorgar tais direitos em sua plenitude, pois não sofrerão nenhuma restrição (artigo 220), inexistindo esforço interpretativo capaz de conciliar a Lei Eleitoral com a Carta Magna.

A bem da verdade, não se pode negar a influência da mídia, televisiva ou falada, no resultado do pleito eleitoral, sobretudo a de maior amplitude, no âmbito estadual e nacional. Os veículos de informação têm capacidade de modificar opiniões e induzir a conclusões mais favoráveis a este ou àquele candidato, principalmente se escorados em pesquisas de opinião – quanto mais as ditas “bocas-de-urna” – cuja idoneidade nem sempre se comprova.
Nesse ponto, peca – como de costume, pela omissão – o poder estatal, que não exerce controle algum sobre os institutos de pesquisa. Destarte, percebe-se que a metodologia e a transparência parecem entregues ao arbítrio da opinião pública, baseado no índice de acerto dos referidos prognósticos, jamais ao controle e supervisão de órgão estatal eficiente e isento.
Mas tal argumento não tem o condão de mitigar aquelas salutares normas democráticas.
Como se não bastasse, o artigo 45, III, da Lei Eleitoral, cria diferentes tratamentos, sem causa legal que os sustente, em franco favorecimento da mídia impressa durante o processo eleitoral, um disparate a violar a igualdade, outra pedra fundamental da democracia.
É bom que se diga, ainda, que nesse aspecto a legislação aqui analisada presta um desserviço à população e, sob o pretexto de proteger os eleitores da indução porventura levada a efeito pelos meios de comunicação de massa, a lei cria óbice à liberdade de informação, da qual os eleitores não prescindem.
Caberá ao Poder Judiciário, de forma difusa, o controle do conceito de “opinião” emanado na Lei Eleitoral, isso porque, enquanto viger a equivocada redação, inúmeras serão as dúvidas e incertezas quanto aos supostos benefícios ou malefícios das informações, pesquisas, denúncias veiculadas sobre candidatos ou legendas, durante o processo eleitoral. O ideal seria a eliminação da aberrante norma que macula a estrutura normativa, de nítido cunho antidemocrático.
Não se deve perder de vista o relevante papel da imprensa na lisura dos pleitos eleitorais, denunciando mazelas, fraudes, em resumo, grande parte dos desmandos que ocorreram, ocorrem e ocorrerão por todo o Brasil.
Conclui-se, portanto, que a vedação – além de ilegal – não se justifica, à vista dos meios de defesa postos à disposição da opinião pública e dos candidatos pelo ordenamento jurídico (defesa da honra, liberdade de expressão, reparação de danos morais, direito de resposta, etc.).

Rui Celso Reali Fragoso é Presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo

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