Josianne Prezzotto K. Lima e Ana Paula P. Navas
SUMÁRIO: Resumo. Abstract. 1 – Introdução. 2 – O emprego da arma de brinquedo no roubo. 3 – As armas de brinquedo e a Lei n.º 9.437 de 20-2-1997. 4 – Conclusão.
Resumo
O presente trabalho se propõe a fazer um despretensioso estudo sobre o emprego da arma de brinquedo, no crime de roubo, previsto no artigo 157 do Código Penal Brasileiro, e a sua utilização para o fim de cometer crimes, tipo penal autônomo criado pela Lei Ordinária Federal n.º 9.437, de 20-02-1997.
Abstract
The purpose of this essay is to do an unpretentious study about the use of toy weapons in the crime of robbery, which is anticipated in the article 157 of the Brazilian Criminal Code, and their utilisation for the finality to commit crimes, an autonomous criminal type created by Federal Ordinary Law n.º 9.437, February 20th, 1997.
1 – Introdução
O art. 157 do Código Penal brasileiro (CP) comina pena de reclusão de 4 a 10 anos e multa a quem comete o crime de subtrair, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, coisa alheia móvel. O mesmo artigo determina, em seu § 2.º, I, um aumento de pena, de um terço até a metade, para quem emprega arma para exercer a ameaça ou violência elementares do tipo do roubo.
Conforme ensina Julio Fabbrini Mirabete, “Arma, no sentido jurídico, é todo instrumento que serve para o ataque ou defesa, hábil a vulnerar a integridade física de alguém” [1]. Portanto, para a aplicação da causa de aumento de pena supra citada, não é necessário o emprego de uma arma própria na execução do delito, que é a fabricada como instrumento de ataque e defesa, basta que o agente se utilize de qualquer utensílio ou objeto idôneo a causar lesão à vítima para que a jurisprudência e a doutrina majoritárias reconheçam a incidência da hipótese do § 2.º, I, do crime de roubo.
Há, porém, uma grande discussão jurisprudencial e doutrinária a respeito de se aplicar ou não a causa de aumento de pena ao infrator que faz uso de arma de brinquedo para a prática do roubo, discussão, essa, que se acirrou depois da publicação da Lei n.º 9.437/97, que criminalizou, em tipo autônomo, a utilização dessa mesma arma “(…) para o fim de cometer crimes”.
2 – O emprego da arma de brinquedo no roubo
A doutrina e a jurisprudência brasileiras há muito vem debatendo a questão do emprego da arma de brinquedo, ou qualquer outro simulacro de arma de fogo, nos crimes de roubo.
Existe uma polarização de opiniões para duas correntes teóricas: a subjetiva e a objetiva.
Os adeptos da teoria subjetiva se apegam ao aspecto do constrangimento psicológico impingido à vítima de roubo sob a mira de uma arma de brinquedo, tão eficiente para anular as possibilidades de resistência de uma pessoa comum quanto o emprego de uma arma verdadeiramente letal. Nesse caso seria aplicável a causa de aumento de pena do inciso I, do § 2.º, do art. 157 do CP, que disciplina o crime de roubo com emprego de arma, tendo em vista que o cabal desfecho do delito se deu da mesma forma que com o emprego de uma arma verdadeira. Os defensores dessa corrente doutrinária acreditam que a sua “ratio legis” seria a proteção da incolumidade psicológica da vítima. Dentre os que sustentam essa posição encontram-se Nélson Hungria [2] e Magalhães Noronha [3].
A teoria objetiva conta, também, com muitos seguidores, dentre eles Damásio E. de Jesus [4], Heleno Cláudio Fragoso [5], Delmanto [6] e Julio Fabbrini Mirabete [7]. Eles alegam, dentre outras coisas, que a “ratio legis” para o agravamento da pena, quando há o uso de arma, é o maior risco a que é exposta a vítima do roubo quando o agente usa de um objeto idôneo a lhe ofender a integridade física para impossibilitar-lhe a resistência à subtração da coisa móvel. O legislador estabeleceu uma pena maior ao agente que faz uso de arma não porque, com isso, ele ocasiona maior receio à vítima, impossibilitando-lhe a defesa, mas sim porque o infrator penal, objetivamente, expõe a maior risco a saúde e a vida da vítima. Ocorre “bis in idem” quando se desvalora a conduta do agente levando-se em conta a intimidação sofrida pela vítima na prática do crime de roubo com arma, pois esse desvalor já é medido no tipo descrito no “caput” do art. 157, que se consuma “(…) mediante grave ameaça ou violência a pessoa (…)”; que, aliás, é o que o diferencia do crime de furto, apenado com reclusão de 1 a 4 anos e multa, enquanto que aquele é apenado com reclusão de 4 a 10 anos e multa.
Com base nesse entendimento é que, recentemente, em outubro de 2001, o STJ cancelou sua Súmula 174, que possuía a seguinte redação:
“No crime de roubo, a intimidação feita com arma de brinquedo autoriza o aumento de pena”.
Com muito acerto decidiu o egrégio pretório, que entendeu, assim como Damásio E. de Jesus, que o emprego de arma de brinquedo no crime de roubo:
“(…) não configura o tipo circunstanciado (art. 157, § 2.º, I), uma vez que imitação de arma não é arma, não se enquadra na figura típica especial: o meio executório (emprego de arma de brinquedo) integra a ‘grave ameaça’, ficando por esta absorvido” [8].
3 – As armas de brinquedo e a Lei n.º 9.437 DE 20-2-1997
Se já era controvertida e polêmica a questão de ser ou não causa de aumento de pena o emprego da arma de brinquedo no crime de roubo, com a edição do art. 10, § 1.º, II, da Lei 9.437/97, a questão recobrou novo ânimo, além dessa nova tipificação se tornar alvo das mais acaloradas críticas.
O art. 10, § 1º, II, da Lei em questão traz a seguinte redação, “in verbis”:
“Art. 10. Possuir, deter, (…)
Pena – detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa.
§ 1.º Nas mesmas penas incorre quem:
I – (…)
II – utilizar arma de brinquedo, simulacro de arma capaz de atemorizar outrem, para o fim de cometer crimes;”.
A doutrina, numa primeira apreciação dessa previsão legal de conteúdo polêmico, passou a encontrar na forma dessa lei as mais variadas e supostamente grandes falhas, que a fadariam ou à inaplicabilidade ou à inconstitucionalidade por violar o princípio da ofensividade, pelo qual uma conduta só pode ser incriminada se contar com potencialidade lesiva a um bem jurídico tutelado penalmente.
Além disso, imediatamente surgiu mais um suposto impasse: seria ainda possível a aplicação da causa de aumento de pena por emprego de arma de brinquedo ou surgira uma vedação a essa hipótese? A aplicação legal correta, desde então, seria responsabilizar o infrator penal somente por roubo simples, em concurso com a recente tipificação penal, sob pena de incorrer na proibição do “bis in idem”?
Em meio ao turbilhão de idéias e questionamentos a maioria dos juristas brasileiros perdeu-se em suas proposições e não conseguiu olhar para a redação da nova lei e se lembrar do crime de quadrilha ou bando, descrito no art. 288 do CP, que compartilha com ela a mesma fórmula legislativa, constituída de atos preparatórios + finalidade subjetiva descrita no tipo.
Segundo o entendimento de André Luiz Rodrigo do Prado Norcia, causídico na cidade de São Paulo, quando o novo tipo trouxe a finalidade futura, separou este novo delito do emprego efetivo de uma arma de brinquedo em um crime determinado, não cabendo, por isso, debates sobre o que se aplicar no caso do roubo com arma de brinquedo após a criação da nova Lei.
Quando o agente se utiliza de uma arma de brinquedo para cometer um crime específico, ou vários mas determinados, o fato é atípico para o dispositivo legal em questão, que é autônomo, assim como é atípica a associação de mais de três pessoas para cometer um ou vários crimes determinados, em relação ao tipo do art. 288 do CP. Pelo mesmo motivo também não procede a afirmação de que a mensagem transmitida pela nova legislação é de incentivo à prática de crimes com armas de fogo em detrimento das de brinquedo, já que restou demonstrado que não ocorre concurso formal de crimes neste último caso. A hipótese de concurso de delitos (material) em que figurar o crime em estudo, deve contar, ao menos, com dois fatos típicos, ocorridos em momentos distintos: o colocar a segurança pública em risco, dando uso à arma de brinquedo para o cometimento de crimes indeterminados; e a concretização de um crime dentre os diversos que poderiam ter ocorrido a partir da postura adotada pelo autor da conduta antijurídica.
O que se pretende punir com a nova Lei é a escalada criminosa do agente, são os atos preparatórios com finalidade criminosa. Não há potencialidade lesiva na arma de brinquedo, que é só um brinquedo, assim como não há na associação de pessoas, que, além de lícita, é uma garantia fundamental constitucional. “O que transforma a associação, ‘do mocinho no bandido’, é simplesmente a finalidade criminosa que o tipo trás como elementar” [9]. E é essa lição, retirada da exegese do art. 288 do CP, que fornece a chave para o perfeito entendimento do tipo em estudo: a punição penal torna-se necessária “(…) quando o agente, querendo tornar-se um delinqüente mais eficaz, mais poderoso para consumação de delitos indeterminados, dá utilidade a um objeto que imita uma arma de fogo” [10].
Ainda sobre o art. 10, § 1º, II, da Lei 9.437/97 e o art. 288 do CP, o advogado André Luiz Rodrigo do Prado Norcia esclarece:
“Como espécies do mesmo gênero, podemos dizer que são exceções no Direito Penal, só possíveis pelo art. 31 do nosso diploma penal. E é bom que seja assim. O legislador pode, mas não deve, antecipar-se até os atos preparatórios. Se o próprio crime já deve ser exceção no Direito, o que dizer da punição de atos preparatórios. Só em casos excepcionais, de real necessidade, deve o legislador criar tipos como esses. Isso porque a conduta não apresenta gravidade intrínseca e nem seria típica, não fosse a construção do tipo penal autônomo que a puni. Sua gravidade ou lesividade social surge quando a ela se agrega uma finalidade específica, de índole criminosa. Torna-se difícil o meio de prova. Como não se pode ler pensamento, são as circunstâncias externas que demonstraram que os autores tinham a intenção de cometer crimes” [11].
Para rechaçar o dispositivo legal em estudo com argumentos que contestem sua forma ou materialidade, é necessário desprezar quase sessenta anos de plena vigência do crime de quadrilha ou bando, pacificamente aceito pela doutrina e jurisprudência penais.
4 – Conclusão
Com relação à aplicação ou não da hipótese qualificada pelo emprego de arma no crime de roubo, dentre as correntes objetiva e subjetiva, finalmente os pretórios brasileiros começam a se inclinar para a objetiva, sem dúvida a mais ponderada, justa e proporcional das correntes, por dar o devido e exato desvalor às condutas antijurídicas.
Quanto ao art. 10, § 1.º, II da Lei 9.437/97, que tipificou a utilização “(…) de arma de brinquedo, simulacro de arma capaz de atemorizar outrem, para o fim de cometer crimes”, não haverá maiores dificuldades para sua interpretação, e delimitação de sua área de atuação, se for analisada tendo por referencial a consolidada e perfeitamente interpretada hipótese prevista no art. 288 do CP, qual seja, o crime de quadrilha ou bando.
[1] Julio Fabbrini Mirabete, Manual de direito penal, v. 2, p. 239.
[2] Nélson Hungria, Comentários ao código penal, v. VII, p. 55.
[3] Magalhães Noronha, Direito penal, v. 2, p. 166.
[4] Damásio E. de Jesus, Direito penal, v. 2, p. 340-341.
[5] Heleno Cláudio Fragoso, Lições de direito penal: parte especial, p. 296.
[6] Celso Delmanto et al., Código penal comentado, p. 324.
[7] Julio Fabbrini Mirabete, Manual de direito penal, v. 2, p. 239-240.
[8] Damásio E. de Jesus, Direito penal, v. 2, p. 342.
[9] André Luiz Rodrigo do Prado Norcia, Arma de brinquedo (art. 10, § 1º, inc. II, da Lei 9437/97), não paginado.
[10] Ibid., não paginado.
[11] Ibid., não paginado.
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Josianne Prezzotto K. Lima e Ana Paula P. Navas são estudantes de direito na Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro, de Jacarezinho – PR.