A maioridade no novo Código Civil: a eqüidadade e seus reflexos no ECA

Alberto Bezerra de Souza

Pós-Graduando em Direito Empresarial pela PUC/SP
Advogado, palestrante e articulista em Fortaleza(CE)
Sócio de Alberto Bezerra Advocacia e Consultoria S/C

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Conceito de Eqüidade; 2.1. Eqüidade e a interpretação das leis; 2.3. Regras de Eqüidade no Direito Pátrio – 3. A maioridade no novo Código Civil – 4. Limite de idade da aplicação de medidas ao adolescente frente ao ECA –5. Regras de Beijing, ECA e a extinção da medida sócio-educativa: interpretação teleológica e eqüitativa dos artigos 2º, parágrafo único e 121, § 5º do ECA
– 6. Considerações finais. – Referências Bibliográficas.

1. Introdução

É quase que de conhecimento geral que a maioridade civil fora reduzida, com a inserção do novo Código Civil. O que antes era de 21 anos, hoje, o é de 18 anos.
Entretanto, algumas situações jurídicas encontravam-se atreladas à idade de 21 anos, contudo, sem especificar se isto o era, claramente, a maioridade civil. Faz-se, tão-somente, um referencial à idade.
Nasce, assim, diante deste aspecto, situações concretas que reclamam uma interpretação destas normas que assim referenciam-se à idade de 21 anos, que, por conseguinte, coincide com a maioridade civil do Código de 1916.
O exemplo claro disto é o Estatuto da Criança e do Adolescente(Lei nº 8.069, de 13/07/1990), do qual em seus artigos estipula regras que evidenciam, sobretudo no tocante à persecução punitiva do menor infrator, como termo a idade limite de 21 anos.
Então, como ficará com a vigência do novo Código Civil, porquanto a maioridade fora reduzida para o patamar de 18 anos? Seria, desta maneira, extinta a pretensão Estatal quando atingida esta idade?
Desta maneira, o presente trabalho deteve-se, acima de tudo, em averiguar critérios de interpretação de normas jurídicas, para, assim, chegar a uma conclusão da intenção legislativa nesta esteira de abordagem.
De certa forma houveram dificuldades em encontrarmos uma solução prudente, posto que, como sabido, trata-se de tema que ora vem de emergir no cenário jurídico, redundando na escassez de material doutrinário e jurisprudencial de apoio.

2. Conceito de Eqüidade

No importe da lições de DE PLÁCIDO E SILVA, este jurisconsulto elabora considerações acerca da eqüidade, na medida onde releva que “Pelo princípio da equidade, mais deve ser atendida a razão, que a impõe, vista pela boa-fé, do que a própria regra do Direito. Sendo assim, a eqüidade é a que se funda na circunstância especial de cada caso concreto, concernente ao que for justo e razoável. E, certamente, quando a lei se mostrar injusta, o que poderá admitir, a eqüidade virá corrigir o seu rigor, aplicando o princípio em que nos vem do Direito Natural, em face da verdade sabida ou da razão absoluta. Objetiva-se, pois, no princípio que modera ou modifica a aplicação da lei, quando se evidencia de excessivo rigor, o que seria injusto. Assim, diz-se que aequitas sequitur legem(a eqüidade acompanha a lei). E jamais poderá ser contra ela. “
Desta forma, diante da eventual severidade de determinada regra jurídica, a eqüidade vem de suavizá-la, conformando-a às necessidades sociais que reclama o caso concreto. Daí dizer-se, com propriedade, que a eqüidade nada mais é do que uma manifestação de Justiça.
Ao julgador, pois, cabe solucionar determinado caso, antes de tudo, contrapondo-se à regra escrita, decidindo em harmonia com a finalidade social da lei. Relaciona-se, pois, a eqüidade, com os princípios de igualdade e justiça.
Acrescentamos, por paráfrase, em corroboração ao antes dito, às palavras de VICENTE RÁO, o qual leciona que o direito deve ser aplicado em consonância do que seja mais benigno e humano, assegurando que:
“1) por igual modo devem ser tratadas as coisas iguais e desigualmente as desiguais;
2) todos os elementos que concorrem para construir a relação sub judice, coisa, ou pessoa, ou que, no tocante a estas tenham importância, ou sobre elas exerçam influência, devem ser devidamente considerados;
3) entre várias soluções possíveis deve-se preferir a mais suave e humana, por ser a que melhor atende ao sentido de piedade, e de benevolência da justiça: jus bonum et aequum”(sem grifos no original)
Aliás, devemos considerar, mais, à luz da etimologia, que eqüidade advém do latim aequitas, palavra esta que significa igualdade, justiça.

2.1. Eqüidade e a interpretação das leis

Embora evidente e clara que possa parecer qualquer lei, temos que esta merece , ao revés, critérios de interpretação para constatar-se seu alcance. Destarte, a norma pode levar o intérprete a um indevido entendimento de seu intento, quando apenas analisada pelo lado imediato de seus dizeres. Faz-se mister ao operador do direito perquirir, portanto, o significado da regra, porque, sobretudo, deve-se avaliar suas mudanças diante do avanço social. A hermenêutica, pois, ressalva-se como norteadora imprescindível neste ato de interpretar.
Assim, para se compreender verdadeiramente a norma, parece-nos precioso que se investigue os fatos e valores de que a mesma originou-se(teoria Kelsiana), e, também, por conseqüência, pelas mesmas razões, seus fatores(fatos e valores) supervenientes.
Neste âmbito de raciocínio, é valioso afirmar-se que a eqüidade tem grande significância diante da interpretação de uma lei. Se existem possibilidades múltiplas de considerar-se os ditames de uma lei, deve prevalecer, no caso, a interpretação mais benévola e humana. Esta finalidade da norma, social e compassiva, assim, predomina sobre o seu sentido frio e apático , pois que, sobretudo em análise ao dever judicante, o art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, prescreve que “o juiz, ao aplicar a lei, deverá atender aos fins sociais a que se dirige e às exigências do bem comum.”
Em verdade, por conseguinte, o objetivo da regra traduz-se pelo bem comum e sua intenção social, o que ajouja-se ao âmago do evidente sentido de eqüidade, ou seja, uma interpretação mais razoável e humana daquela, abrandando o seu rigor.
Devemos considerar, mais, que o ato de interpretar prestigia o momento histórico em que se está vivendo. Leva-se em conta as mutações sociais havidas agregando-se às intenções do momento. Seria, desta forma, a interpretação alicerçada no método histórico-evolutivo, com a devida adequação da norma à nova realidade. Há, de fato, um processo de adaptação da mesma.
A eqüidade, por isso, preponderará diante de antinomia existente entre uma lei e a realidade social.
Não devemos confundir, entretanto, que ao magistrado, quando atuando em seu poder judicante, terá o poder arbitrário de “escolher” a lei que solucione o caso in concreto. Em verdade, a este é dado o poder discricionário de aplicar, eqüitativamente, a regra mais branda, social e humana ao caso sub examine.
Podemos acrescentar as linhas colhidas, novamente, do eminente jurista DE PLÁCIDO E SILVA, quando professa que:
“Faz-se necessária para aplicação da própria lei, dentro dos sentidos, que se mostram possíveis.
E estes se apresentam, formando as regras auxiliares da interpretação:
1º) o mais conforme à letra da lei;
2º) o mais conforme à natureza e importância do negócio;
3º) no Direito comum, o mais conforme à eqüidade;
4º) nas leis penais, o mais humano;
5º) o mais eqüitativo e benigno, isto é, o menos oneroso.”

2.2. Regras de eqüidade no Direito Pátrio

Em várias oportunidades podemos encontrar ditames legais, onde a eqüidade encontra-se presente.
No plano constitucional, sempre preservando a honra da pessoa humana, da igualdade e dos interesses sociais, sobremaneira, aqui alicerçado nos ensinamentos de MILTON PAULO DE CARVALHO FILHO, podemos destacar os artigos 1º, incisos II e IV, 3º, I, 5º, caput, incisos XXXV, XXXVII, 170 e 173, § 4º.
Especialmente diante do tema aqui abordado, a eqüidade, no tocante à interpretação, também é relevada no art. 6º do Estatuto do Estatuto da Criança e do Adolescente(Lei nº 8.069, de 13/07/1990), lei esta instalada por determinação do art. 227, caput, da Carta Magna. Referido artigo 6º do ECA assim dispõe: “Na interpretação desta lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.”
Ao que nos parece, mais, referida regra, acima citada, no tocante à eqüidade, originou-se da disciplina fixada pelos arts. 4º e 5º da Lei de Introdução ao Código Civil(Decreto-Lei nº 4.657/42), onde prevalece a intenção normativa, ali evidenciada.
Na delimitação processual, o art. 126 do Código de Processo Civil, identicamente fornece uma ótica de que a eqüidade pode ser usada pelo magistrado.
O novo Código Civil, resta saber, também traz consigo, em especial no seus artigos 400 e 1456, evidências da prevalência da eqüidade.

3. A maioridade no novo Código Civil

Com o advento do novo Código Civil(Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002), a maioridade plena passa a ser de 18 anos completos. Já o Código anterior, de 1916, delimitava-a em 21 anos.
O Código revogado é datado de século anterior. Portanto, a evolução social prestigiou o entendimento que, agora, era suficiente a idade de 18 anos para que a pessoa fosse capaz de discernir, ante o seu amadurecimento e desenvolvimento intelectual, todos os atos civis que pratica.
Assim prescreve, neste tocante, o novo Código Civil:
“Art. 4º – São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:
I – os maiores de dezesseis anos e menores de dezoito anos;”
“Art. 5º – A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil. “
Os fatos e valores atuais, destarte, demandavam a redução da idade mínima para o exercício pleno dos atos da vida civil. Hoje, ao contrário do que vingava em 1916, uma pessoa com 18 anos de idade, completos, já tem capacidade intelectual plena para compreender o que seja lícito e ilícito. Andou certo o legislador nesta esteira de raciocínio.

4. Limite de idade da aplicação de medidas ao adolescente frente ao ECA

Estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente(Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), em oportunidades diversas, considerações acerca do limite de idade para aplicação de qualquer medida em função de ato infracional cometido, ou seja, 21 anos de idade, dentre outros aspectos:
“Art. 2º – Considera-se criança, para os efeitos desta lei, a pessoa até doze anos de idade, incompletos, e adolescente aquele entre doze e dezoito anos de idade.
Parágrafo único – Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.”
“Art. 36 – A tutela será deferida, nos termos da lei civil, a pessoa de até vinte e um anos incompletos. “
“Art. 121 – A internação constitui medida privativa de liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
§ 5º – A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade.”
Desta maneira, o Estatuto permite, especialmente, a aplicação de medidas aos denominados “jovens-adultos”(18 a 21 anos).
A partir deste limite de idade, resta saber, é incabível qualquer medida sócio-educativa ao infrator, nem mesmo por exceção(art. 2º e parágrafo único do ECA), porquanto falta interesse de agir do Estado, forçando, na esfera processual, a extinção do feito. Este é o pensamento jurisprudencial.

5. Regras de Beijing, ECA e a extinção da medida sócio-educativa: interpretação teleológica e eqüitativa dos artigos 2º, parágrafo único e 121, § 5º do ECA

Deveras não há inserto no Estatuto da Criança e do Adolescente, qualquer menção à maioridade civil como condição de extinção da medida sócio-educativa ao infrator. Em verdade, o que se preceitua, pois, ao revés, é a delimitação da idade de 21 anos como termo, sem, contudo, evidenciá-la, às claras, como condição da maioridade civil.
Neste tocante merece nossas considerações e é, ademais, o âmago deste trabalho.
Por certo, diante da ausência da clareza da norma, teremos vozes que situar-se-ão na ótica de manter-se a pretensão “punitiva” do Estado, até que se alcance o limite legal, expresso no ECA, de 21 anos, a despeito da mudança estatuída quanto à maioridade no novo Código Civil. Deslocamos, assim, nossa mais veemente repulsa a este raciocínio, sobretudo à luz do quanto colacionado em linhas anteriores deste arrazoado.
A interpretação teleológica e eqüitativa do Estatuto da Criança e do Adolescente deve prevalecer.
Ora, o próprio ECA nos direciona a este entendimento quando, em seu artigo 6º preceitua que: “Na interpretação desta lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.”(os grifos são nossos). De outro tocante, o artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil(Decreto-Lei nº 4.657/42) prevê, também, a aplicação do método teleológico, atribuindo-lhe, assim, uma necessidade de interpretar-se a norma de acordo com às necessidades do momento, às novas circunstâncias.
Não se diga, de outro tocante, que a Lei de Introdução do Código Civil seja, ao contrário do que a denominação dada à Lei possa parecer, uma legislação voltada à interpretação do Código Civil, excluindo-se, assim, deste plano, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Em verdade, sua aplicação volta-se, principalmente, para interpretar e integrar normas jurídicas, solucionando antinomias de regras. Vários outros ramos do direito, ao contrário, tem-se sua aplicação, tais como no Direito Privado(trabalhista, internacional privado, etc) e do Direito Público(penal, eleitoral, tributário, administrativo, etc). Boa parte da doutrina, por esta ordem de raciocínio, chega a denominá-la de “Lei das Leis”.
Atípico, desumano e contrário aos fins sociais, seria, então, manter o comprometimento sócio-educativo do infrator, até que perdure a idade de 21 anos, quando, no momento atual, a maioridade civil fora reduzida para 18 anos. Não resta dúvida que a forma mais benéfica e humana, que é a finalidade última do ECA, seria, diante de uma interpretação eqüitativa e teleológica das normas citadas, extinguir qualquer pretensão coercitiva ao menor-infrator, quando atingido a idade, ora reduzida, de 18 anos.
Outrossim, temos que o Brasil, como partícipe e aderente das Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça, da Infância e da Juventude(Regras de Beijing/UNICEF), deve acautelar-se no sentido de cumprir referida normatização internacional, quando a mesma preconiza que os preceitos contidos naquela regra deverão ser alcançados aos adultos-jovens, ou seja, aqueles entre a então idade de 18 e 21 anos. Nesta mesma norma internacional, vale dizer, de toda sorte tenta rejeitar aspectos punitivos ao infrator, sobretudo em caso de internação, ou seja, o lado humano e benigno vem de prevalecer.
Ademais, no tocante à interpretação, a mesma traz consigo, também, regras que conduzem a faculdade discricionária do magistrado em prol do bem-estar dos jovens.
Não restam dúvidas que a intenção das normas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, é a de que as regras ali contidas somente serão aplicadas até o limite da maioridade civil, ou seja, hoje, reduzindo-se ao patamar de 18 anos de idade.
Apregoar a idéia de “punição” ao infrator até a idade de 21 anos, após a vigência do novo Código Civil, é repudiar, ao extremo, a extensão de eqüidade e justiça social. O limite, portanto, agora, é o mesmo da maioridade penal, ou seja, 18 anos. Todo e qualquer processo, em andamento ou findo, deverá ser extinto por perda de objeto da atividade Estatal, quando o infrator já tenha alcançado a maioridade civil.
Não é demais repetirmos o julgado do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, quando este, claramente, evidencia, em sua interpretação, que o legislador teve por intenção, no caso, a maioridade civil como termo da persecução punitiva Estatal. Vejamos novamente:
“PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. MANOR QUE ADQUIRE A MAIORIDADE NO CUMPRIMENTO DA MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA.
Atingida a maioridade civil, nenhuma medida sócio-educativa pode continuar a ser executada. Informação do Juiz da Infância e Juventude dado conta do paciente ter sido colocado em liberdade. Habeas Corpus prejudicado(STJ-6ª Turma – HC 12081/SP – Rel. Min. Paulo Gallotti – j. 05/06/2001 – j. unânime)”(não há destaques no texto original)

6. Considerações finais

Diante do estudo ora realizado, somos da inteira opinião que, à luz da interpretação teleológica e eqüitativa, os preceitos contidos no Estatuto da Criança e do Adolescentes, quando referenciam a idade de 21 anos, o quis informar a maioridade civil, agregada então ao Código de 1916.
Resulta, desta forma, que a partir da vigência do novo Código Civil, todos os processos, findos ou em andamento, que tenham por finalidade apurar-se infração ou de aplicar-se punição sócio-educativa, deverá ser, irremediavelmente extinto, caso o infrator tenha atingido a atual maioridade civil, ou seja, 18 anos de idade. Acaba aí, resta saber, a pretensão punitiva Estatal, e, por via reflexa, na esfera processual, reflete-se na perca de objeto da ação. Dessarte, sobretudo, aqueles que estiverem encarcerados, e tiverem alcançado a maioridade civil, deverão ser postos em liberdade. A norma deve ser interpretada de maneira mais humana e benigna e, portanto, manter alguém enclausurado, ou mesmo respondendo a processo, nestas condições, atenta contra os princípios da Justiça Social e do bem estar do infrator.
A mutação social requer esta alteração e a mesma deverá ser satisfeita. A eqüidade, aplicável ao caso, diante desta antinomia de regras existentes, frente à nova realidade social, deve prevalecer.
Referências Bibliográficas

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