Reza nossa Constituição (art. 5º.) que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza ….”. Diz ainda (art. 5º., I): “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição” (destaquei).
E que diz a Constituição de 1988 quanto a diferenças entre homens e mulheres?
– Art. 5º., L: “às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação”;
– Art. 7º., XX (direitos sociais): “proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei”;
– Art. 40, § 1º., III, a e b: redução de 5 anos no tempo de contribuição e na idade mínima, em relação ao exigido aos homens, para a aposentadoria voluntária dos “servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações” (na aposentadoria compulsória – art. 40, § 1º., II –, não há distinção);
– Art. 143, § 2º.: “As mulheres (… ) ficam isentas do serviço militar obrigatório em tempo de paz (…..)”;
– Art. 201, § 7º., I e II: tal como as servidoras públicas, as empregadas celetistas também gozam da redução em 5 anos no tempo de contribuição e na idade mínima para a obtenção da aposentadoria no regime geral de previdência social;
– Art. 10, II, b, dos ADCT: (fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa) “da empregada gestante desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto”,
E mais o disposto nos arts. 40, § 5º, e 201, § 8º., relativamente à vantagem de também poder reduzir em 5 anos o tempo de contribuição, para fins de aposentadoria (voluntária, dos servidores públicos), o “professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio”.
Como se pode ver, há poucos privilégios da mulher em relação ao homem em nossa Lei Fundamental. Grosso modo, somos mesmo todos iguais, inclusive no tocante às obrigações familiares, conforme o art. 226, § 5º. da CF/88 (“Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”).
Ou será que não somos tão iguais assim, “na forma da lei”?
A redução em 5 anos para a aposentadoria por tempo de contribuição costuma ser explicada porque se admite, ou pressupõe, que a mulher é também dona de casa, mãe e esposa, o que lhe impõe aquilo que muitos chamam “terceira jornada”: arrumar, lavar, passar, cozinhar, cuidar de filhos e do lar etc.
Entretanto, essas vantagens de que gozam as mulheres podem encontrar limites “nos termos da lei”.
Analisemos a questão da aposentadoria especial das celetistas (art. 57 da L. nº. 8.213/91), que deve servir de parâmetro, talvez, para a lei complementar (que há de vir um dia) estabelecendo as ressalvas de que trata o art. 201, § 1º., da Constituição (“É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados (….), ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física (…)”), e que encontra paralelo, mais uma vez, no art. 40, § 4º., III, no que se refere às servidoras públicas, com novas redações dadas por Emendas Constitucionais (EC 20/98, EC 41/2003 e EC 47/2005)..
As redações originais, de 5/10/88, no caso dos servidores públicos (art. 40) e dos celetistas (art. 202, originalmente), diziam:
“Art. 40. O servidor será aposentado:
(…..)
§ 1º. Lei complementar poderá estabelecer exceções ao disposto no inciso III, a e c, no caso de exercício de atividades consideradas penosas, insalubres ou perigosas.”
e
“Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, (……) obedecidas as seguintes condições:
(…..)
II – após trinta e cinco anos de trabalho (….) ou em tempo inferior, se sujeitos a trabalho sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física definidas em lei.”
Os servidores públicos submetidos a regime jurídico único têm, ou terão, o direito conforme o previsto no art. 186, § 2º., da Lei nº. 8.112/90: “Nos casos de exercício de atividades consideradas insalubres ou perigosas (….) a aposentadoria (…..) observará o disposto em lei específica”, que a CF diz deva ser uma lei complementar (como já comentado, ainda inexistente) e deve ter por paradigma a legislação do regime geral de previdência social (RGPS).
Por enquanto, via Mandados de Injunção, o STF tem mandado aplicar a legislação previdenciária, por analogia.
É sabido que aquele segurado da Previdência Social (INSS) “que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei”, pode requerer o benefício chamado “aposentadoria especial”, espécie 46.
Não é uma lei, mas um Decreto, que define quem basta trabalhar “apenas” 15 anos, ou somente 20 ou mesmo 25. Como muitas vezes abordado, inclusive recentemente por mim (em 4/4/2008, in: Jus Navigandi nº. 1.738, “Uma breve história da aposentadoria especial no Brasil”), a aposentadoria especial somente é concedida aos 15 anos, contínuos e não intermitentes, a quem trabalhe no subsolo de minerações subterrâneas em frente de produção (convenhamos, onde não costumam trabalhar mulheres); aos 20 anos, os sujeitos a lidarem com asbesto ou em atividade de mineração “afastado” da dita frente de produção (ou seja, fora da mina, em solo, não em atividades subterrâneas); e aos 25 anos, uma maior gama de segurados que trabalharam em atividades submetidos, permanentemente, a agentes físicos, químicos ou biológicos, onde as mulheres também ocupam seu espaço (notadamente fora das áreas de extração de minérios).
Note-se que os 15 anos de um mineiro equivalem a 35 anos de um trabalhador comum que exerça suas atividades sem a sujeição a condições especiais, sendo cada ano trabalhado multiplicado por 2,33 (bem mais que 1,40, por exemplo, que é um fator reiteradamente considerado); aos que lhe bastem 20 anos, o fator é 1,75; e somente ao que devesse trabalhar 25 anos é que se aplica o fator 1,40 para equivaler a 35 anos.
Injustamente, a meu ver, as mulheres não levam nenhuma vantagem em relação ao trabalhador homem na mesma atividade, pois seja aos 15, aos 20 ou aos 25 anos, sempre terão aplicado um fator menor (respectivamente, 2,00; 1,50; e 1,20) para atingirem os 30 anos das mortais comuns, aquelas que não exerceram atividades nocivas, especiais.
E curiosamente, os professoras homens, na primeira regulamentação da aposentadoria especial (Decreto nº. 53.831/64) podiam se aposentar com o mesmíssimo tempo que as de sexo feminino (25 anos), as decantadas “operárias divinas que lá no subúrbio ensinam as criancinhas a ler”, na canção imortal.
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João Celso Neto
Advogado em Brasília (DF)