A Mulher Grávida e os Direitos do Nascituro

Jorge Candido S. C. Viana

Consultor Jurídico e Escritor – coutoviana@ig.com.br

No limiar do ano 2.000, trazemos à luz, para futuros estudos, pelos cientistas jurídicos, doutrinadores e legisladores em geral a pergunta que por certo irá, num futuro breve, gerar polêmica e porque não dizer, jurisprudência, favorável e contrária, como em qualquer outra matéria.

A mulher grávida teria direito, apesar de ter cometido um delito, à liberdade, por seu filho que ainda está por nascer?

Em nosso entendimento. Sim. A mãe, como casa do nascituro, ou do feto ou ainda, do embrião, que se inicia com a nidação, ou seja, quando se inicia, efetivamente a gravidez, não pode sofrer qualquer tipo de abalo, quer físico, quer psíquico, pois essa violência pode, ser absorvida pelo nascituro prejudicando-lhe psiquicamente, e até quem sabe, ocasionando-lhe deformidades excepcionais. Quer-nos parecer que a partir daí, o nascituro representa um ser individualizado, com carga genética própria, que não pode ser confundida nem com a do pai nem com a da mãe. Diante disso, pode-se afirmar seguramente que o nascituro não é parte do corpo da mãe. O que vale dizer que a mãe é somente seu criadouro natural e assim toda e qualquer interferência no modus vivendi da mãe pode ser prejudicial ao desenvolvimento natural do nascituro.

Efetivamente, poderia até, ficar à disposição do juízo criminal, sob estrita vigilância, em local apropriado que não traga constrangimento à mãe, e, principalmente, sem se dar divulgação à imprensa, escrita, falada e televisada, dados pessoais da mãe, que possam no futuro a interligar a notícia ou notícias ao nascituro e que possam de qualquer maneira interferir de qualquer modo na sua formação natural. Agora na infância, posteriormente na adolescência e finalmente na fase adulta. Assim, em nosso entendimento, caso não fosse cumprida essa determinação, caberia a impetração da ordem de Habeas Corpus em favor do nascituro, por constrangimento ilegal ao seu desenvolvimento natural.

Poder-se-ia, perguntar! – Teria, no caso, a impetração amparo legal, fático e jurídico, sem ser o abstrato? Mais uma vez a resposta é sim.

À luz do artigo 4º do Código Civil, pensamos que sim, já que prescreve que: “A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; MAS A LEI PÕE A SALVO, DESDE A CONCEPÇÃO, OS DIREITOS DO NASCITURO”. (grifamos). Assim, quer-nos parecer, que se há prejuízo, seja ele qual for, ao nascituro, por submeter a mãe deste a violências ou constrangimentos, físicos ou psíquicos, que possam interferir de alguma maneira, em seu desenvolvimento natural, há o prejuízo que a lei tem que pôr a salvo, ou seja, existe a doença tem que se usar o remédio que é sem dúvida o Habeas Corpus.

O direito, como se sabe, e um símbolo da própria expressão da vida. E tem que ser exercido, independentemente de ideologias políticas ou crenças religiosas. Como lembra Dante Alighieri, o direito e uma proporção real e pessoal do homem para o homem que, servindo-a, vem servir a sociedade e corrompida corrompe essa mesma sociedade “jus est realis ac personalis hominis ad hominem proportio, quae servata servit societatem, et corrupta corrumpit”.[i] Portanto, essa proporção real e pessoal do homem para o homem evidencia os seus direitos de vida, de conservação, de liberdade, de defesa, assegurando-lhe o direito de vir ao mundo sadio, sem traumas, sem deformações, quer físicas, quer de caráter, provocadas, na maioria das vezes, pelas violências que a mãe sofre durante o período de gestação. E o direito, amparado na lei deve dar a proteção real ao homem que está por vir.

Porque essa defesa ferrenha, dirão uns, por um ser que ainda nem se sabe se virá? E que no final, poderá até ser um novo Hitler? É verdade, a ninguém é dado o dom de prever o futuro. Entretanto, nesta luta, por enquanto inglória, poderá se estar lutando por um novo Ghandi. O futuro a Deus pertence e aqui cabe repetir as palavras de Cristo no Monte das Oliveiras “vinde a mim as crianças, pois delas é o reino dos céus”.

Por essas razões, os direitos do nascituro devem ser assegurados a partir de sua concepção, e por conseqüência natural a sua mãe, seu criadouro divino, para que o Estado lhe assegure o que a lei determina. Para que seu filho venha ao mundo dentro da mais perfeita normalidade.

A respeito da lei que ampara o nascituro, ou melhor, mais especificamente o art. 4º do Código Civil Brasileiro, há outras opiniões, bem mais abalizadas do que a nossa, embora sem entrar na discussão que ora propomos que é o reconhecimento do nascituro como pessoa jurídica, e mais precisamente, a possibilidade real, de se defendê-lo indiretamente, defendendo-se a gestante. E entre as opiniões, quer-nos parecer, que a que mais se aproxima da nossa é sem dúvida a de Silmara J. A. Chinelato e Almeida,[ii] registrando que:

“As controvérsias, ainda não pacificadas, acerca de o nascituro ser ou não ser pessoa, de ter ou não ter personalidade jurídica, é uma constante, na doutrina, com reflexos na jurisprudência, no tempo e no espaço.

O art. 4º do Código Civil Brasileiro parece contraditório, pois, ao mesmo tempo em que afirma que a personalidade começa do nascimento com vida, reconhece direitos e estados ao nascituro, os quais efetivamente lhe são atribuídos através de vários de seus dispositivos. O problema do aborto, cuja maior liberação tem sido defendida por grupos sociais notadamente feministas e por alguns penalistas, deve ser acompanhado de uma reflexão quanto ao direito à vida, ou melhor, quanto ao direito de nascer, como direito privado da personalidade, o que não tem sido feito.

O grande desenvolvimento do instituto da responsabilidade civil que, nos dias atuais, atinge grande relevância através da crescente indenização de danos materiais, inclusive de danos causados a animais e do dano moral, ainda se mostra tímido quanto a indenização de danos causados ao nascituro.

Pelo menos no Brasil, a jurisprudência nega a indenização pela morte de nascituro, embora reconheça que a morte de animais, por culpa extracontratual ou por culpa contratual, deva ser indenizada.”

Está se valorizando mais o animal do que os seres humanos. Apesar de que, concordamos, têm seres humanos que são piores que animais.

Assim, entendemos que, se “a lei põe a salvo, desde a concepção, o direito do nascituro”, torna-se necessariamente premente a reformulação dos conceitos jurisprudenciais a respeito do nascituro e por conseqüência da mulher gestante.

Segundo os experts da ciência genética, o embrião durante a gestação absorve para si, todas as angústias, todas as situações físicas e psíquicas, crises nervosas, que a mãe passa durante o período de formação, absorvem, inclusive, o álcool e o fumo, se a mãe tem esses hábitos. Aliás, os médicos, em geral, aconselham as futuras mães a deixarem de fumar e de beber enquanto durar a gestação, porque o feto absorverá, tanto o álcool como a nicotina. Assim, todas as anormalidades que a mãe passar durante sua prisão e sua manutenção custodiada sobre pressão, passarão sem dúvida ao nascituro. Dessa forma, estará sendo prejudicado o seu desenvolvimento natural. E se “a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro” quer-nos parecer que, em prendendo a mãe, estará a lei, prejudicando o desenvolvimento natural do nascituro. E se há prejuízo cabe Habeas Corpus.

A Declaração francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1779, define que “todos os homens nascem livres e são iguais nos seus direitos”. No Brasil, com certeza, enquanto persistir esses conceitos conservadores dos legisladores, será utopia. Como poderia nascer livre o filho de uma prisioneira, se seu nascimento acontecesse por trás das grades. Poder-se-ia, falar é verdade, que, embora prisioneira a mãe o filho é livre. Sim, pode-se até aceitar esse argumento, desde que não passe do período da amamentação e que sua mãe ao sair da prisão mude-se do bairro em que vivia, da cidade e até, se possível, do Estado, para que seu filho não venha a ser motivo de chacotas e zombarias por parte dos amigos, a princípio da rua e bairro onde reside, posteriormente da escola, e pelo resto da vida a pecha sempre o acompanhará. Assim, não poderíamos afirmar, nunca, que este ser, embora homem juridicamente falando, tivesse nascido livre.

A liberdade natural do ser humano consiste em nascer livre e, livre permanecer enquanto cumprir as normas que regem todo o grupo social e, por assim dizer, sendo os homens, por natureza, livres, iguais e independentes, nenhum pode ser colocado fora de um estado natural e submetido a um poder, se não violento, pelo menos constrangedor e que acabam por interferir diretamente no seu desenvolvimento natural, que com certeza ocorreria com o nascituro, colocando a mãe sob a influência do estado puerperal, levando-a, inclusive a cometer o infanticídio que “como sabemos, tanto o motivo da honra, como as alterações causadas pelo puerpério são capazes de levar a parturiente a perturbações psíquicas, tendentes a culminar com a prática do crime em estado de anormalidade”[iii] da mesma forma, esse estado de anormalidade pode levá-la à prática de qualquer crime, sem ter que ser necessariamente o infanticídio, ou numa palavra menos dolorosa, o aborto. Hoje, já, praticamente descriminalizado.

Se forem aceitas as sugestões propostas pelo Eminente Damasio Evangelista de Jesus[iv] o que era considerado um crime terrível até há bem pouco tempo atrás, será visto nos dias de hoje como “condutas que a maioria da população não considera reprovável”.

O que se estranha, efetivamente, é o porque do não reconhecimento, por parte dos julgadores, doutrinadores e dos legisladores, de modo geral, do nascituro como pessoa jurídica, já que as próprias leis o consideram como tal. A Lei nº 6.015, de 31.12.1973, em seu capítulo IV, lhe dá personalidade jurídica, em caso de nascer morto, ou morrer logo após o nascimento (art. 53 e seus §§). Cabe aqui ainda, outra interpretação com respeito ao art. 227 da Constituição Federal de 1988, agregado ao art. 4º do Código Civil, e que pedimos vênia para sugerir nova redação ao artigo constitucional, que pelo nosso entendimento deveria ser redigido assim:

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar ao homem desde sua concepção, no ventre materno, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-lo a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Quer-nos parecer, que está na hora de se mudar conceitos ultrapassados e conservadores que não são compatíveis com a modernidade que se apresenta em aceleração total, já quase ultrapassando o segundo milênio.

Pode parecer estranho, até mesmo esquisito, esta tese, que ora levantamos, todavia, em futuro breve, essa matéria, estará polemizando, juristas, cientistas, doutrinadores etc. e há de, com certeza, despertar interesse para as legislações que estão por vir, e, que não devem ficar omissas a respeito. Os cientistas genéticos, que a cada dia que passa, avançam mais e mais no campo do “irreal” (engenharia genética, inseminação artificial, bebes de proveta etc.), devem, colaborar com os juristas que se interessam pela matéria, no sentido de poderem definir até que ponto, o constrangimento a que está submetida a mãe, pode afetar o desenvolvimento e por conseqüência o nascimento do ser humano.

Entendemos ter o nascituro, personalidade jurídica, nos termos do art. 4º do Código Civil Brasileiro, e, portanto deve ser-lhe assegurado o seu desenvolvimento natural como direito inalienável à vida e dessa forma, qualquer anormalidade que surja durante seu ciclo pré-formação, deve ser considerado como violência ou impedimento de se desenvolver de acordo com a natureza e nesse caso, deve-se valer do habeas corpus para se corrigir a anormalidade e fazer valer o direito. E finalmente, o nascituro poderá sofrer, através de sua mãe, toda sorte de violências físicas e psíquicas e que poderão ser evitadas, ou minimizadas, à medida do possível, por intermédio do remedium extraordinarium.[v]

Notas de fim

[i] VIANA, Jorge Candido S. C. Superdicionário do Advogado Vol. II Edição 2.000 Juruá Editora

[ii] ALMEIDA, Silmara J. A. Chinelato E Rev. de Inf. Legislativa a. 25, nº 97, jan/mar. 1988 – págs. 181/2

[iii] LEIRIA, Antonio José Fabrício – Revista de Informação Legislativa – a. 15, nº 59, jul/set. 1978 – pág. 64

[iv] JESUS, Damásio Evangelista de – Revista de Informação Legislativa – a. 15, nº 59, jul/set. 1978 – pág 69

[v] VIANA, Jorge Candido S.C. – Dicionário do Advogado – E.V. Editora – 1994 – Edições Julex

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