(*) Grecianny Carvalho Cordeiro
Não obstante a grande importância do tema, observa-se que pouco se tem discutido acerca da independência financeira do Ministério Público, independência essa que consideramos imprescindível a uma instituição destinada a defender senão a própria essência da República Federativa do Brasil, qual seja, a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis.
A Constituição Federal de 1988, não deixa qualquer dúvida quanto à independência funcional e administrativa do Ministério Público. Todavia, o texto constitucional não confere independência financeira ao órgão ministerial, permitindo-lhe tão somente a elaboração da proposta orçamentária, de acordo com os “limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias” , nos termos do parágrafo 3º do art.127.
Na sua proposta orçamentária, fará o MP uma previsão da receita e da despesa para um determinado exercício financeiro.
Tal como sabemos, a lei de diretrizes orçamentárias é de iniciativa do Poder Executivo, e nela se encontrarão as metas e prioridades da administração pública, as despesas a serem feitas no exercício financeiro, etc.
Da elaboração da proposta orçamentária a ser apresentada ao Poder Legislativo por intermédio do Poder Executivo, se pode extrair um interessante questionamento:
Poderá o Poder Executivo alterar a proposta orçamentária elaborada pelo MP?
De acordo com o prof. Fábio Konder Comparato, o MP, ao elaborar sua proposta orçamentária, poderá apresentá-la diretamente ao Poder Legislativo, desnecessitando, pois, de utilizar-se do canal intermediário do Poder Executivo, do contrário, houvesse tal exigência, haveria um confronto com a “sistemática de organização dos poderes da Constituição de 1988” .
Ainda tratando desse aspecto, note-se que da leitura da LONMP pode-se depreender o entendimento de que, o MP, ao elaborar sua proposta orçamentária e encaminhá-la ao Poder Executivo, não poderá a mesma ser por este reduzida, pois tal tarefa cabe apenas ao Poder Legislativo, a quem foi conferido o poder de exercer o controle externo do MP.
A despeito do silêncio constitucional no que pertine à independência financeira do MP, no entender de Hugo N. Mazzilli, esta decorre do próprio sistema, uma vez que as consequências dela foram garantidas, não houvesse a autonomia financeira, “sequer haveria efetiva autonomia institucional do Ministério Público”.
Infelizmente, o legislador constituinte não ousou ir mais além e conferir a necessária independência financeira ao MP.
A Lei Complementar nº 75, de 20.05.93, LONMP, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, no seu art. 22, caput , assegura ao órgão, além da autonomia funcional e administrativa -já previstas na CF/88-, a autonomia financeira , senão vejamos:
“Capítulo IV
DA AUTONOMIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
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Art. 22 – Ao Ministério Público da União é assegurada autonomia funcional, administrativa e financeira , cabendo-lhe:”
I – propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, bem como a fixação dos vencimentos de seus membros e servidores;
II – prover os cargos de suas carreiras e dos serviços auxiliares;
III – organizar os serviços auxiliares;
IV – praticar atos próprios de gestão.
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Art. 23 – O Ministério Público da União elaborará sua proposta orçamentária dentro dos limites da lei de diretrizes orçamentárias.
§ 1º – Os recursos correspondentes às sua dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, ser-lhe-ão entregues até o dia vinte de cada mês.
§ 2º – A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Ministério Público da União será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, com o auxílio do Tribunal de Contas da União, segundo o disposto no Título IV, Capítulo I, Seção IX, da Constituição Federal, e por sistema próprio de controle interno.”
Deve-se observar que, para se falar em autonomia financeira não basta que um órgão possua dotação orçamentária, pois todas as unidades de despesas a possuem.
Tendo em vista este problema da não-independência financeira do MP, foi que o CEPAM-Centro de Estudos e Pesquisas da Administração Municipal, através do parecer de Hely Lopes Meirelles, defendeu que os Ministérios Públicos dos Estados poderão ter sua autonomia financeira insculpida nas respectivas Constituições locais, uma vez que a norma constitucional federal não é restritiva em relação ao assunto, assim, as Constituições Estaduais poderão conferir aos seus Ministérios Públicos não só a gestão, mas também a aplicação dos recursos necessários ao provimento das atividades e serviços, o que pressupõe uma livre administração das dotações orçamentárias.
Segundo o parecer de Hely Lopes Meirelles, in Temas Institucionais, da A.P.M.P., 1982, p.2/17:
“Autonomia financeira é a capacidade de elaboração da proposta orçamentária e de gestão e aplicação dos recursos destinados a prover as atividades e serviços do órgão titular da dotação. Essa autonomia pressupõe a existência de dotações que possam ser livremente administradas, aplicadas e remanejadas pela unidade orçamentária a que foram destinadas. Tal autonomia é inerente aos órgãos funcionalmente independentes, como o são o Ministério Público e os Tribunais de Contas, os quais não poderiam realizar plenamente suas funções se ficassem na dependência financeira de outro órgão controlador de suas dotações orçamentárias.”
Nesse sentido, assevera Eurico de Andrade Azevedo que é incompatível com a autonomia funcional do MP a possibilidade de “interferências externas, submissões burocráticas e supervisões orgânicas” , e essa autonomia funcional constitucionalmente assegurada, só poderá ser eficaz e efetiva se houver também a autonomia administrativa e financeira.
Tal assunto tem gerado grande polêmica , no entanto, grande parte dos Estados membros, sob o fundamento desse brilhante parecer, não somente inseriram em suas respectivas Constituições Estaduais, um texto acerca da independência financeira do MP, mas também procuraram torná-la efetiva, não permitindo que o chefe do Poder Executivo local pudesse comprometer essa independência que é vital a qualquer instituição descomprometida com quaisquer interesses políticos.
No Estado do Ceará, no entanto, acontece um fato interessante.
A Constituição Estadual do Ceará, promulgada em data de 05.10.89, assim dispõe no art. 135, caput :
“Art.135. Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional, administrativa e financeira cabendo-lhe, através do Procurador-Geral de Justiça:”
O Código de Organização do Ministério Público do Estado do Ceará, Lei nº 10.675 de 08.07.82, portanto, anterior á CF/88 , já previa em seu art.9º:
“Art.9º- O Ministério Público é organizado em carreira, ressalvado o cargo de Procurador Geral da Justiça, e tem autonomia administrativa e financeira, dispondo de dotação orçamentária própria.”
Como se pode observar, a Constituição Estadual do Ceará assegura expressamente a autonomia financeira do Ministério Público, no entanto, logo mais no art. 136, consta que o MP elaborará sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, e seus recursos correspondentes lhe serão repassados até o dia vinte de cada mês.
Ocorre que, o projeto de lei de diretrizes orçamentárias é de iniciativa do Governador do Estado (art.88, XV da Constituição Estadual), que a enviará à Assembléia Legislativa. No entanto, a lei de diretrizes orçamentárias, se aprovada pela Assembleía Legislativa do Estado do Ceará, precisará da sanção do Governador do Estado, conforme estabelece o art.50 da Constituição do Estado:
“Art.50. Cabe à Assembléia Legislativa, com a sanção do Governador do Estado , dispor acerca de todas as matérias de competência do Estado do Ceará, especialmente, sobre:
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II- plano plurianual, diretrizes orçamentárias , orçamento anual, operações de crédito e dívida pública;”
Do texto acima se conclui que, na realidade, o MP do Estado do Ceará é livre e independente para elaborar a sua proposta orçamentária, mas de acordo com a Constitucão local, estará sempre sujeito à aprovação ou não desta, pelo Governador do Estado, pelo seguinte:
1. A proposta orçamentária do MP será encaminhada primeiramente ao Governador do Estado;
2. Chegando a proposta da lei de diretrizes orçamentárias ao Poder Legislativo estadual, para ela ter validade deverá ter além da aprovação da Assembléia Legislativa, a sanção do Governador.
Logo, a palavra final caberá sempre ao Governador do Estado do Ceará, conseqüentemente, será ele quem determinará o quantum a ser recebido pelo MP, não obstante as necessidades financeiras desse órgão possam ser bastante além do quantum arbitrado.
É justamente nesse ponto que se verifica a possibilidade de ingerência do Poder Executivo no MP, não fosse isso, o MP estadual, no caso o do Ceará, poderia elaborar sua proposta orçamentária e enviá-la diretamente ao Poder Legislativo para aprová-la, não necessitando utilizar-se do canal intermediário do Executivo para fazê-lo, canal este que pode dar azo a que o MP venha a se sujar aos caprichos do Governador para obter o aval em relação à aprovação da proposta orçamentária pelo Poder Legislativo.
Mas não bastaria somente isso, pois mesmo que chegando diretamente a proposta orçamentária do MP à Assembléia Legislativa do Estado do Ceará, para a aprovação da proposta de lei de diretrizes orçamentárias, será necessária a sanção do Governador do Estado, e será justamente nessa ocasião que o chefe do Executivo poderá vetar o referido projeto de lei , por não concordar com a proposta orçamentária feita pelo MP, afinal, a proposta orçamentária do MP se acha incluída do orçamento geral do Executivo .
Destarte, de pouco vale para o MP do Estado do Ceará a possibilidade de elaborar a sua proposta orçamentária, a qual poderá ser ou não aceita, ou mesmo alterada pelo Poder Executivo, o que evidencia aqui, mais uma vez, a possibilidade deste Poder interferir no MP, agora, no aspecto vital de qualquer órgão da administração pública, ou seja, no aspecto financeiro, tanto no âmbito federal quanto no estadual.
Esta tem sido a grande luta travada pelo Ministério Público do Estado do Ceará, isto é, a busca pela sua efetiva independência financeira, deixando-o livre de vez das possibilidades de ingerência do Governador do Estado, pelo menos no que pertine a esse importantíssimo aspecto.
É como bem o diz o Promotor de Justiça Oscar d’Alva e Souza Filho, no trabalho intitulado O Ministério Público e a Função Fiscalizadora no Processo Civil, objeto de debate no Seminário Nacional do Ministério Público ocorrido neste ano de 1996:
“Como exercitar essa atividade independente de agente da soberania política interna do Estado e Defensor da Sociedade Civil, se nossa Instituição, na maioria dos Estados-membros da Federação, vive ainda sob a dependência do humor dos Governadores e Secretários das Fazendas?”
Logo, a independência financeira do Ministério Público é algo que deve ser conquistado o quanto antes, pois somente assim tal instituição poderá funcionar de forma completamente independente, sedimentando ainda mais o importante papel que lhe foi constitucionalmente conferido.
Bibliografia:
CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional Didático , editora Del Rey, Belo Horizonte, 2ª ed., 1992.
CENEVIVA, Walter. Direito Constitucional Brasileiro, Saraiva, São Paulo, 2ª ed., 1991.
CRETELLA JR, José. Comentários à Constituição de 1988 , Forense Universitária, Rio de Janeiro, vol. VI, 2ª ed., 1993.
FEREIRA, Pinto. Constituição Brasileira, Saraiva, São Paulo, 5º volume, 1992.
MAZZILLI, Hugo Nigri. Regime Jurídico do Ministério Público , Saraiva, São Paulo, 1996.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo , RT, São Paulo, 7ª ed., 1991.
TUCCI, Rogério Lauria e José Rogério Cruz. Constituição de 1988 e Processo , Saraiva, São Paulo, 1989.
(*) A autora é Promotora de Justiça da Comarca de Jaguaretama e Mestranda em Direito Público pela UFC. grecy@for.sol.com.br