A natureza jurídica da taxa SELIC e as impossibilidades de sua utilização como taxa de juros moratórios na cobrança dos créditos tributários
“A energia do amor com que um povo está preso ao seu direito e o defende está na medida do trabalho e dos esforços.” (Ihering)
1- Limite da Atividade Tributária – Breve análise Lógico-Evolutiva
A imposição tributária, ao longo dos séculos da experiência humana, apresentou-se sempre na forma de limitação compulsória do universo patrimonial dos particulares em favor do ente estatal, que, para a realização dos seus fins, sempre necessitou de recursos financeiros para subsidiar as suas atividades e prover as despesas públicas voltadas à consecução do bem comum e da garantia da vida pacífica no ambiente social.
Essa limitação, em tempos remotos, quando da subsistência do regime autocrático de governo, era realizada pela simples conveniência do monarca que, ao seu bel prazer, constatando a necessidade de cobrir os gastos da corte, lançava mão dos bens dos súditos de forma completamente desmedida e arbitrária, privando-os de sua produção familiar e, não raramente, atingindo até mesmo o mínimo necessário para a sua sobrevivência.
Somente após muitos anos sofrendo com os abusos e as arbitrariedades dos soberanos é que a sociedade mundial, constatando a necessidade de determinar os limites da atividade estatal, iniciou os movimentos de limitação do poder do Estado, que conduziram, a partir do séc. XVIII, aos movimentos de positivação daquilo que se passou a chamar de preceitos constitucionais, impondo ao grande Leviatã os limites de sua atuação.
Muito antes desse movimento de positivação das idéias constitucionais, entretanto, já era sensível a tendência de imposição de limites ao poder do Estado, sendo notável a influência da Magna Carta de 1215, quando os lordes ingleses, vergastados pela imposição tributária realizada pelo rei João Sem Terra, impuseram-lhe(1) a assinatura do primeiro documento da história da sociedade inglesa que continha os contornos das Limitações Constitucionais ao Poder Estatal, notadamente no que tange à tributação, onde se consagrou o radical de um dos princípios basilares do Estado de Direito que é o princípio da Legalidade, consubstanciado na cláusula 14 daquele diploma legal, e que pode ser resumido na máxima No Taxation without representation. Aliás, essa era a dicção do mencionado dispositivo:
“14) – Não se estabelecerá em nosso Reino auxílio nem contribuição alguma, contra os posseiros de terras enfeudadas, sem o consentimento do nosso comum Conselho do Reino, a não ser que se destinem ao resgate de nossa pessoa, ou para armar cavaleiros a nosso filho primogênito, consignação para casar uma só vez a nossa filha primogênita; e, mesmo nestes casos, o imposto ou auxílio terá de ser moderado (et ad hoc non fiet nisi rationabile auxilium)”(2)
Essa cláusula, como se verifica, contém em si um dos maiores e mais importantes preceitos de todo o ordenamento legal, sobre o qual se estrutura toda a ordem jurídica, que é o princípio da legalidade, impondo que, a partir de então, salvo exceções específicas e expressas, não poderia o monarca cobrar dos súditos nenhum tributo (impostos ou auxílios) sem que para tanto estes tivessem, por meio de uma câmara de representantes (Conselho do Reino), previamente concordado. Essa foi, sem sombra de dúvidas, uma das maiores e mais importantes lutas da sociedade inglesa no sentido de conter a sanha arrecadatória do grande do Estado absolutista, consagrando, de forma definitiva, o Direito como o meio legítimo para o controle da atividade Estatal.
Entretanto, deve-se ressaltar que apesar da fundamental importância da Magna Carta como instrumento histórico introdutor do conceito do princípio da legalidade tributária nos meandros dos sistemas jurídicos modernos, não se pode olvidar que, em face da política trapaceira e despótica realizada pelo Rei João Sem Terra, a mera previsão naquele diploma legal de tais direitos ainda não fora suficiente para garantir a sua ampla e irrestrita observância. Muito se lutou, após a edição daquele documento, para fazer valer os seus mandamentos, sendo certo que, somente no reinado do Rei Henrique III, filho do promulgador, por volta do ano de 1267, é que, após várias tentativas de repúdio daquele documento por parte do governante, promoveu-se a revigoração definitiva dos princípios constitucionais, com a tão esperada consagração da Magna Carta, como fundamento e limite do poder Estatal.
Além do princípio da legalidade, cuja importância histórica e atual torna-se inolvidável, muitas outras garantias foram idealizadas e conquistadas pelas sociedades, sendo incontestável a necessária existência e observância das fronteiras do poder estatal, principalmente na ceara da tributação, que se manifestam, entre outros, nos princípios, hoje constitucionalmente protegidos, da anterioridade, do não-confisco e da capacidade contributiva. O reconhecimento desses princípios, no entanto, nada mais reflete senão o reconhecimento e a consagração de outro preceito ainda maior, informador de toda a existência do Direito na Sociedade que é a Segurança Jurídica, que constitui, nos dizeres do mestre Renato Ferrari, “pressuposto magno, princípio dos princípios da ordem jurídica, no sentido de que esta deve ser estabelecida de modo a assegurar àquele que lhe está sujeito a conformidade do conhecimento entre o que a lei prescreve e o ato que ele pratica”(3).
A Segurança Jurídica é assim o corolário máximo do Estado Democrático de Direito, e a sua inobservância acaba por gerar a completa falência moral da entidade pública que, desrespeitando os limites impostos ao seu poder de invasão no universo das garantias fundamentais dos particulares, acaba por promover um verdadeiro retrocesso histórico, causando assim a instabilidade da vida social onde a arbitrariedade estatal, sob o falso manto da realização do bem comum, resulta na insurgência popular e no completo desrespeito da ordem positiva, afinal, conforme muito bem salientava o mestre Ihering:
“Todos os Direitos da humanidade foram conquistados na luta; todas as regras importantes do direito devem ter sido, na sua origem, arrancadas àquelas que a elas se opunham, e todo o direito, direito de um povo ou direito de um particular, faz presumir que se esteja decidido a mantê-lo com firmeza.
O direito não é uma pura teoria, mas uma força viva.”(4)
Entretanto, apesar do imperativo de observância desse preceito para a manutenção da ordem jurídica e da vida social, não raramente, o Estado contemporâneo vem, por vias oblíquas, impondo aos cidadãos cobranças à revelia dos comandos das garantias constitucionais e da própria ordem infra-constitucional, retirando dos contribuintes parcelas não deferidas pelas disposições legais tributárias, ao arrepio do sistema de garantias fundamentais dos cidadãos e de toda a ordem jurídica positiva. Tal atitude, definitivamente, não se coaduna com a compleição institucional do Estado Democrático de Direito, devendo portanto ser reprimida com severidade pela sociedade, pois, como prelecionava o mestre Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, “no estado de direito não se admitem poderes arbitrários”(5).
2- O Crédito Tributário e os Juros de Mora
O crédito Tributário, segundo se depreende das lições do mestre Paulo de Barros Carvalho, constitui-se pela ocorrência no mundo fenomênico de um fato (fato jurídico tributário) cuja descrição encontre símile na regra matriz de incidência tributária, gerando assim a chamada obrigação tributária, constituída pelo sujeito ativo (credor) e pelo sujeito passivo (devedor) em torno do objeto (tributo).
O tributo, por sua vez, objeto central e principal da relação tributária, assim que individualizado com a aplicação da alíquota sobre a respectiva base de cálculo – determinando-se assim o quantum debeatur tributário – deve ser então entregue ao ente tributante (sujeito ativo) dentro do prazo determinado pela legislação pertinente. Não sendo efetuado o referido pagamento, surge para o credor, a exemplo das obrigações privadas, o “direito” de exigir do devedor o adimplemento da obrigação, acrescido de multa e juros pelo seu atraso.
Entretanto, apesar de inicialmente se fazer referência às obrigações do direito privado para o entendimento analógico do sistema de cobrança das verbas decorrentes da mora no cumprimento da obrigação tributária, a cobrança de multa e juros nessa relação não pode ser tratada da mesma forma que naquela esfera jurídica, possuindo contornos próprios que tornam inaplicáveis os princípios informadores daquele ramo do direito, em face da sua natureza limitadora e compulsória da esfera patrimonial do contribuinte, típica da imposição tributária, devendo portanto, em sua exigibilidade, serem observados todos os princípios próprios do direito público e as demais regras que norteiam a atividade tributária do Estado, por estar com ela intimamente relacionada.
Dessa forma, para início da verificação desse sistema, deve-se fazer uma breve análise do disposto no art. 161 do Código Tributário Nacional, que assim dispõe:
“Art. 161: O crédito tributário não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária.
§1º Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de 1% (um por cento) ao mês.
(…)”
Diante dessas disposições, extrai-se que, vencido e não pago o crédito tributário, independentemente do motivo do atraso, deverão incidir sobre o montante devido, além das demais cominações legalmente previstas, os juros de mora, que, não havendo disposição legal de forma diversa, são fixados em 1% (um por cento) ao mês.
Ocorre entretanto que, com o leviano permissivo constante no §1º do mencionado dispositivo legal (Se a lei não dispuser de modo diverso…), o Estado passou a entender que poderia, ao seu talante, impor aos contribuintes a taxa de juros que bem entendesse e da forma que bem entendesse, bastando tão somente a sua genérica previsão legal.
Dessa forma, determinou-se, por meio de diversos diplomas legais, que sobre os débitos tributário federais vencidos e não pagos incidiriam a chamada Taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC), apurada diariamente e acumulada mensalmente de acordo com as normas ditadas pelo Banco Central na emissão e negociação de títulos públicos federais.
Ocorre que tal instituição, no entanto, apesar de constar em textos legais (leis ordinárias), o que poderia levar ao entendimento de que estaria suprida a exigência do §1º do dispositivo destacado do CTN, conferindo-lhe assim ares de legalidade, não se encontra em consonância com o sistema jurídico-tributário pátrio, encontrando-se em desconformidade total com o sistema legal de imposição de obrigações de prestações pecuniárias pelo Estado contra os cidadãos, sendo amplamente questionado pela doutrina pátria e destituído pela ação do judiciário, que, não raramente, vem reconhecendo a ilegalidade da utilização daquela taxa para o fim pretendido pelo mencionado dispositivo.
3- Classificação, natureza e aplicação dos juros no sistema tributário
Inicialmente, antes de ser analisada a aplicação da taxa SELIC, mostra-se imprescindível que sejam traçadas previamente algumas considerações acerca da natureza jurídica e da aplicação dos juros no sistema tributário nacional.
Para o perfeito entendimento da natureza dos juros aplicáveis em caso de adimplemento intempestivo (ou mesmo em caso de inadimplemento) da obrigação tributária, a doutrina tem classificado os juros em duas formas básicas, quais sejam os juros remuneratórios e os juros moratórios, distinguindo-os a partir da natureza de suas aplicações e destacando que enquanto os juros remuneratórios podem ser entendidos como sendo frutos de um capital empregado, resultantes da utilização consentida de capital de terceiros, remunerando-o, os Juros moratórios, representam verdadeira indenização por descumprimento de uma obrigação pecuniária, ou seja, aplicáveis com caráter indenizatório pelo descumprimento de uma obrigação a termo.
Dessas breves e superficiais considerações, depreende-se naturalmente que a principal distinção entre os juros remuneratórios e os juros moratórios reside na discriminação da natureza de sua respectiva origem, uma vez que enquanto os primeiros são devidos a partir da entrega consentida de um certo capital próprio a outrem, o segundo representa verdadeira punição pelo não cumprimento de obrigação pecuniária no prazo estipulado, sendo devidos a partir da data final estipulada para o pagamento. Note-se que, enquanto os juros remuneratórios são devidos a partir da entrega (voluntária) do capital para aquele que o utilizará e posteriormente devolvê-lo-á, os juros moratórios são devidos a partir do momento em que a entrega do capital deveria ter sido realizada de forma definitiva, sendo que, enquanto aqueles representam a contrapartida pela utilização do capital alheio (remuneração), estes representam uma forma de indenização pelo descumprimento daquela obrigação.
Em face dessas distinções, depreende-se que, pela sua natureza, não cabem, na relação jurídico-tributária, a cobrança dos mencionados juros remuneratórios, haja vista que o cumprimento da obrigação tributária não pode ser tido como entrega voluntária de capital pelo contribuinte ao Estado, uma vez que, conforme a definição de tributo contemplada pelo Código Tributário Nacional, a compulsoriedade é um dos principais marcos dessa atividade. Em momento algum o contribuinte entrega de forma voluntária o seu capital para a utilização pelo Estado, e muito menos poder-se-ia dizer que os mesmos seriam devidos em face da sua utilização pelo contribuinte que não realiza o pagamento do tributo até o termo estipulado, uma vez que, não sendo voluntário o pagamento do tributo, o contribuinte vê, literalmente, arrancada parte de seu patrimônio pelo Estado, que promove, por meio da atividade tributária (compulsória), verdadeiro corte no direito fundamental de propriedade dos cidadãos, sendo certo que, enquanto não realizado
o pagamento do tributo (enquanto não cerceada a liberdade patrimonial individualmente considerada), aquele capital ainda faz parte da esfera patrimonial do sujeito passivo, não se podendo falar assim em direito de percepção de juros remuneratórios em favor do Estado.
Nesse ponto, cumpre ressaltar que não se pode nem se deve confundir o conceito de crédito com o de propriedade, pois, enquanto aquele representa o direito à percepção de parte do patrimônio alheio, este representa o exercício de poder sobre determinada esfera de bens ou direitos. Enquanto a o exercício do direito de propriedade é marcado pela materialização dos poderes genéricos de uso, gozo, fruição, disposição e reivindicação, o crédito é configurado pelos elementos de liquidez, certeza e exigibilidade. A execução do crédito tributário não representa uma forma de reivindicação e sim o exercício do seu caráter de exigibilidade, realizado através dos meios coercitivos de que dispõe o sujeito ativo. A ocorrência dos fatos jurídicos tributários, que fazem nascer a relação tributária, conferem ao Estado o crédito e não a propriedade sobre parte do patrimônio do contribuinte, sendo certo que – em face da combinação da obrigatoriedade conceitual constante na própria definição legal do tributo, que impõe a sua form
a como prestação pecuniária em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir e o caráter de fungibilidade dessas prestações e do mandamento advindo do direito privado de que a propriedade dos bens móveis se transfere com a tradição, ou, nas lições do mestre Caio Mário da Silva Pereira, na entrega efetiva da coisa ou seja na passagem de mão a mão do bem transferido(6) – essa somente subsistirá quando da efetivação da retirada compulsória da parcela devida do universo patrimonial do devedor sob aquele título e o seu ingresso nos cofres públicos. A Execução Fiscal é o meio de aquisição judicial de propriedade para o Estado por meio da exploração do crédito líquido, certo e exigível.
Por tal motivo, imprópria seria a consideração da possibilidade de cobrança dos juros remuneratórios pelo Estado, hipótese que, além de incoerente em face da análise da natureza jurídica do crédito tributário não satisfeito, não fora contemplado pelo ordenamento jurídico-positivo nacional. Esse aliás, é o entendimento do Prof. paulista Antonio Carlos Rodrigues do Amaral, que em recente estudo, assim se pronunciou:
“(…) Nenhum capital pertence ao Estado antes do vencimento da obrigação tributária, daí que, decorrencialmente, não há qualquer viabilidade jurídica de, já por definição, na estipulação de juros compensatórios, por absoluta falta de pressupostos lógicos, jurídicos, econômicos, financeiros ou conceituais a conceder-lhe validade. Tanto assim que o CTN sequer aventou a hipótese de incidência de juros compensatórios, relativamente a obrigações de natureza tributária, mas apenas de juros moratórios.
(…)
Enfatize-se, não há na relação jurídico-tributária o uso de qualquer capital do Estado. Não oferta o Poder Público, direta ou indiretamente, antes do vencimento da obrigação tributária, qualquer capital para utilização do contribuinte. É este, o contribuinte, que compulsoriamente dá ao Estado, no vencimento da obrigação tributária, segundo lhe determina a lei, parcela de seu capital para a gestão da coisa pública. Não se estabelece, sob qualquer relação de natureza financeira (ou de financiamento, se se preferir) entre o fisco e o contribuinte; mas sim uma relação de natureza tributária, portanto compulsória, projetada na transferência de parcela do patrimônio do contribuinte para o Poder Público, no prazo legal. “(7) (Grifos nossos)
De fato, a sistemática jurídico-tributária pátria não contempla a aplicação de juros de natureza remuneratória, seja tanto pela própria inexistência de referência legal quanto pela impossibilidade lógica de sua utilização, sendo somente possível, nos termos do art. 161 do CTN, a aplicação dos chamados juros moratórios na cobrança dos créditos tributários.
4- Da natureza Jurídica da Taxa SELIC
O Sistema Especial de Liquidação e Custódia é um sistema de controle de negociação de títulos públicos emitidos pelo Estado visando, basicamente, a redução dos estoques monetários do mercado financeiro, com o fim de controlar o avanço inflacionário causado pelo excesso de moedas em circulação. Tais títulos, aliás, servem também como forma de obtenção de recursos pelo Estado de forma rápida, representando meio hábil e útil para suprir as necessidades urgentes dos cofres públicos. Por tais motivos, os valores desses títulos e a sua remuneração tem que ser tal que atraia o interesse do mercado na sua aquisição, caso contrário o Estado não conseguiria atingir os objetivos que levam, primordialmente à sua emissão.
Diante disso, tornou-se necessária a criação de um sistema avançado de controle de emissão e liquidação dos títulos públicos, no sentido de identificar, diária e imediatamente, as taxas de juros aplicáveis pelo mercado financeiro em sua remuneração. Dessa necessidade, resultou a fundação por um conjunto de entidades financeiras em 1971 da Associação Nacional das Instituições de Mercados Abertos (ANDIMA), entidade civil sem fins lucrativos, instituída com o fim de amenizar os riscos existentes nas operações com títulos públicos. Desenvolvendo o seu trabalho a ANDIMA acabou firmando um convênio com o Banco Central, apresentando para este um sistema eletrônico de controle da liquidação e custódia daqueles títulos que indicaria com maior precisão o valor das taxas diárias a serem aplicadas naquelas negociações. Começava a nascer assim a taxa de juros SELIC.
Com essa evolução no controle da custódia dos títulos públicos, deve-se ressaltar, esses tiveram a sua existência física gradativamente substituída pela simples existência do controle virtual, deixando de ser representados por cédulas, anteriormente guardadas em cofres pelos seus titulares – o que, pelo alto volume material que representavam, dificultava sobremaneira a sua negociação rápida e imediata – para serem representadas por simples registros eletrônicos de sua existência, tornando-se assim muito mais simples a sua verificação, contagem e, principalmente, transferência.
De fato, os títulos públicos possuem como função primária a negociação entre o Estado e as entidades financeiras. No entanto, o mercado financeiro também os tem utilizado como forma de negociação entre as entidades privadas, inclusive pelo próprio Banco Central, servindo como importante meio de suprir as deficiências financeiras, formando assim o chamado o mercado secundário dos títulos públicos ou open market.
Nas transações do open market, os títulos são “vendidos” com a obrigatoriedade de sua “retrovenda” em prazo pré-determinado (geralmente 24 horas), ou seja, quem adquire esses títulos públicos de uma entidade privada, já sabe que, via de regra, no dia seguinte deverá devolvê-los ao vendedor que pagará por eles uma taxa pré-determinada. Essa é a chamada operação de overnight, que representa uma forma das entidades deficitárias utilizarem com segurança os recursos das entidades superavitárias, suprindo suas necessidades de caixa. É dessa operação que surge a Taxa SELIC, que apesar de ser fixada pela média diária, é acumulada diariamente e dentro do mês para a averiguação da taxa mensal.
Diante disso, verifica-se a flagrante natureza remuneratória da taxa Selic que atua como verdadeira remuneração do capital empregado por uma entidade financeira à outra, que se compromete dentro do sistema de realização de negociações do overnight, a remunerá-la de acordo com as taxas pré-fixadas. Essa natureza incontestável foi também contemplada pela Circular BACEN nº 466/79, que aprovou o Regulamento do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC, posteriormente substituída pelas Circulares BACEN 1.594/90, 2.311/93 e 2.671/96, que, alterando o mencionado regulamento, definiam as respectivas taxas de referência, sendo sempre claras no sentido de afirmar-lhe aquela natureza.
5- Das impossiblidades de utilização da SELIC como taxa de juros moratórios
5.1- A Inaplicabilidade pela verificação de sua natureza remuneratória
Após traçada a natureza jurídica da taxa SELIC, cumpre verificar as ilegitimidades de sua utilização na cobrança dos débitos tributários em atraso, que, sendo realizada de forma desmedida pelo Estado, representa verdadeira afronta ao sistema de garantias constitucionais.
A primeira, e mais flagrante de todas as impossibilidades que atingem a pretensão estatal em impor o pagamento das referidas taxas de juros reside na verificação da impossiblidade de sua utilização como taxa de juros de mora, uma vez que, possuindo natureza remuneratória, não poderia ser utilizada para o fim pretendido.
Como afirmado no início dessas considerações, o sistema jurídico-tributário nacional, e a própria lógica jurídica, impedem a cobrança pelo Estado de juros remuneratórios, somente sendo juridicamente possível a cobrança dos juros moratórios, cujo fundamento encontra-se no art. 161 do CTN. Por isso, a tentativa de utilização de uma taxa de juros de natureza remuneratória como juros moratórios, representa flagrante tentativa de burla aos mandamentos legais tributários, não podendo portanto ser admitido dentro do Estado de Direito.
Sobre a inaplicabilidade da SELIC como taxa de juros de mora por esse motivo, destaca-se os comentários do prof. Fábio Augusto Junqueira de Carvalho, que em nobre estudo de vanguarda sobre o tema, afirmou:
“Apenas para se ter um noção do que seja a taxa SELIC, ressalte-se que a mesma é calculada diariamente pelo Banco Central, e é resultado das negociações dos títulos públicos e da variação dos seus valores de mercado, que são publicados também diariamente(…).
Vê-se pois, onde reside o ponto crucial da questão que se pretende abordar. Não obstante taxas referenciais como a TR, a TRD e a SELIC serem materializadas, via lei ordinária, como juros moratórios que deve incidir sobre débitos tributários, as mesmas não possuem tal natureza, por traduzirem como já preceituado, fenômeno monetário de pagamento pelo uso do dinheiro, com caráter estritamente remuneratório. Deste modo, não poderia o Fisco reclamar o pagamento de juros de mora sobre tributos vencidos, calculado por taxas de juros de natureza remuneratória, sob pena de ofensa ao conceito jurídico e econômico de juros moratórios, e de ferir os mandamentos contidos no §1º do artigo 161 do Código Tributário Nacional e no §3º do artigo 192 da Constituição Federal. “(8) (Grifos nossos)
Dessa forma, sendo a SELIC verdadeira taxa remuneratória do capital, não se presta para a cobrança dos juros de mora, sendo portanto, por esse motivo, flagrantemente inaplicável ao fim pretendido pela Administração Pública em impor o seu pagamento quando do adimplemento intempestivo dos tributos federais. A natureza jurídica da imposição do pagamento dos juros de mora tem fundamento no inadimplemento da obrigação principal e a sua razão de ser é a indenização da parte que deveria receber a prestação, servindo também a sua prévia imposição, de certa forma e ao lado das imposições sancionatórias (multas), como meio de inibição ao descumprimento da obrigação tributária no prazo legal. Os juros remuneratórios, por sua vez, refletem os movimentos especulativos, impondo ao agente que obtém de forma voluntária o capital de terceiro, que por isso é remunerado, o pagamento da contrapartida de acordo com os mandamentos do mercado financeiro. Impor ao contribuinte inadimplente o pagamento dos juros extorsivos cobrados pelo fortíssimo mercado de capitais representa flagrante desvio de finalidade na utilização dos mencionados juros, uma vez que, ao invés de realizar a sua função indenizatória, configura verdadeira e inadmissível forma de remuneração do Estado, paralelamente aos meios ordinários constitucionalmente previstos.
5.2- A ofensa ao princípio da estrita legalidade e a questão da indelegabilidade absoluta da competência tributária
Além da impossiblidade jurídica de aplicação da SELIC como taxa de juros moratórios decorrentes da verificação de sua natureza, deve-se ainda ressaltar que, de acordo com a forma com que é fixada, representa flagrante ataque ao princípio da legalidade, razão que per si impede também a sua utilização.
Com efeito, sendo a mencionada taxa, uma taxa referencial conceituada, manipulada e fixada exclusivamente pelo Banco Central, não pode ser utilizada como forma de majoração, mesmo que indireta, dos débitos tributários, consubstanciando a sua utilização em verdadeira delegação legislativa de competência, uma vez que, segundo os ditames do art. 150, I, da Constituição Federal, cabe única e exclusivamente à Lei (leia-se: ao Poder Legislativo) instituir ou majorar tributos. A simples indicação legal para a utilização de uma taxa de juros fixada exclusivamente por outra entidade ou por outro “poder” estatal, não supre o mandamento do princípio da legalidade. Segundo ele, a Lei tem que indicar precisa e exaustivamente todos os limites de atuação do executivo, não podendo conferir à este a liberdade de fixação dos valores aplicáveis sobre o tributo para a quantificação do crédito. Nesse sentido, aliás, são as célebres palavras do Prof. Alberto Xavier:
“O princípio da legalidade no Estado de Direito não é já, pois, mera emanação de uma idéia de auto-tributação, de livre consentimento dos impostos; antes passa a ser encarado por uma nova perspectiva, segundo a qual a lei formal é o único meio possível de expressão da justiça material. Dito em outras palavras: o princípio da legalidade tributária é o instrumento – único válido para o Estado de Direito – de revelação e garantia da justiça tributária.”(9) (Grifos nossos)
Sobre a impossibilidade de delegação legislativa no sistema tributário, não se pode olvidar também as lições do Mestre Renato Ferrari:
“Pela competência absoluta e exclusiva da lei constitucional, não pode ser facultado a nenhum outro poder a reserva de competência para a instituição de tributos. Se a lei constitucional, expressão do Estado de Direito consagrador da liberdade, igualdade e propriedade, se despojasse de sua exclusiva prerrogativa concernente a esses três atributos essenciais da pessoa humana e conferisse a algum Poder do Estado a faculdade de instituir tributos, essa lei básica infirmaria os seus próprios alicerces; ao dizer que não ela própria, mas um Poder do Estado que designasse pode transferir compulsoriamente parte da propriedade privada para os cofres públicos, pouco importa que determinasse quem e como outro Poder pode fazê-lo, é como se ela conferisse também a outro Poder o direito de cortar pedaços da liberdade e da igualdade.” (Grifos nossos)
Assim, em face do mandamento constitucional impeditivo da delegação do poder de limitação das liberdades individuais, a aplicação da taxa SELIC que é estipulada exclusivamente pelo Banco Central (autarquia federal), por meio de seus atos normativos infra-legais, estaria em completa desconformidade com a sistemática jurídico-contitucional pátria, sendo irracional e ilegal a delegação ao credor da obrigação tributária (o Poder Executivo Federal) o pleno controle sobre o quantum aplicável na cobrança dos juros moratórios. A Lei não pode delegar, nem mesmo indiretamente, o poder de controle da invasão na esfera patrimonial dos cidadãos, conferida constitucionalmente e exclusivamente ao poder legislativo, a nenhuma outra esfera ou a nenhum outro órgão do poder estatal. Fazendo isso, fere o legislativo a máxima jurídica delegatur delegare nom potest, segundo a qual, não cabe ao delegado delegar os poderes a ele conferidos por delegação, lembrando-se aqui as fortes críticas traçadas por John Locke, quando, condenand
o a delegação de poderes ao executivo pelo legislativo, assentava que “ao legislativo cabe fazer leis, e não legisladores”.
5.3- Da ofensa aos preceitos da Segurança Jurídica e da Não-Surpresa Tributária
Além das razões já mencionadas, surge com elas outro imperativo próprio da aplicação do sistema de garantias individuais que impossibilita a utilização da Taxa SELIC na cobrança dos débitos tributários. Tal impossibilidade decorre da verificação dos preceitos maiores, informadores de todo o sistema jurídico constitucional do Estado Democrático de Direito, que são os preceitos de Segurança Jurídica e da Não Supresa.
A segurança jurídica, conforme já afirmado nesse estudo, consubstancia-se na certeza entre o mandamento legal e os atos praticados pelo cidadão, que devem conter ampla e clara relação. Para que isso ocorra, é necessário que o mandamento legal seja explícito e exaurível, de modo a garantir a certeza de seu cumprimento e a garantia de que não haverá outras imposições sobre as obrigações já atendidas.
A não surpresa, por sua vez, representa a idéia de que a atividade estatal, principalmente a tributária, deve ser realizada de forma que garanta ao contribuinte o amplo, irrestrito e prévio entendimento do que representam os seus atos perante o sistema de imposição tributária, permitindo-lhe a preparação e o planejamento diante dos atos que precisa ou pretende praticar. Corolário desse preceito, é o princípio positivado da anterioridade(10), consagrado no art. 150, III, b do Texto Magno, que impõe que os tributos somente poderão ser cobrados no exercício seguinte àquele da publicação da lei que os instituiu ou aumentou. Esse princípio, apesar de muito importante para a manutenção da ordem jurídica, não exaure o mandamento do preceito da Não-Surpresa, sendo esse muito mais amplo que a simples dicção do mandamento positivado naquela disposição constitucional.
Na verdade, a Não Surpresa apresenta-se como a necessidade de se garantir ao contribuinte o direito de prévia e tempestiva verificação do potencial tributário de seus atos, extrapolando assim os limites do princípio da anterioridade. Sobre esse preceito, destacam-se as lições do mestre Sacha Calmon Navarro Coelho:
“O princípio da não-supresa do contribuinte é de fundo axiológico. É valor nascido da aspiração dos povos de conhecerem com razoável antecedência o teor e o quantum dos tributos a que estariam sujeitos no futuro imediato, de modo a poderem planejar as suas atividades levando em conta os referenciais da lei.”(11)
Na verdade, de nada valeria o preceito da Segurança Jurídica se não fossem observados os ditames da Não-Supresa, sendo claro que, onde se pretender uma, deverá, inexoravelmente, existir a outra. A inexistência da Certeza em quaisquer sistemas, descaracteriza a ordem jurídica, transformando-a em simples e impossíveis aspirações políticas.
“Não haverá certeza nem segurança se a ordem jurídica estiver, em qualquer de suas partes, eivada de ambigüidades, diante das quais, cumpridas suas normas e regras com a convicção do verdadeiro, pode sempre ser argüido o falso, e por mais que se empenhe na realização do certo, pode sempre ser argüido o errado. Pior ainda se as ambigüidades forem deliberadas. Enfim, a falta de certeza e segurança descaracteriza a ordem jurídica.”(12)
Dessa forma, em face dos mandamentos de Certeza decorrentes dos preceitos de Segurança jurídica e da Não surpresa, a taxa de juros de mora a ser fixada pela legislação ordinária deve ser tal que permita ao devedor a perfeita verificação e dimensionamento do que o atraso que se lhe impõe no pagamento dos tributos representa ou representará em sua esfera patrimonial, devendo portanto, a exemplo do que fez o art. 161, §1º do CTN, determinar o percentual específico (1%; 0,8%; 0,33%; etc.) que deverá incidir sobre o débito e não a simples indicação de uma taxa referencial que flutua de acordo com as conveniências do mercado, sendo certo que a estipulação realizada dessa forma ataca diretamente aqueles princípios, acarretando a dúvida e a surpresa (ao invés da certeza e da segurança) para o contribuinte que não pode verificar com antecedência e exatidão o que representa o inadimplemento da obrigação tributária.
A fixação da taxa de juros moratórios tem que permitir ao devedor a perfeita e prévia verificação do que o atraso no cumprimento da obrigação tributária representa em seu patrimônio, não por subsistir à este o direito de não pagamento do tributo, mas sim para que aquela cumpra também, além do seu caráter indenizatório, a sua função secundária que é a de, de certa forma, desestimular o inadimplemento do crédito tributário. Destarte, mesmo que ignoradas as demais impossibilidades de utilização da Taxa SELIC, a mera indicação legal de sua utilização na cobrança de juros moratórios não atende aos pressupostos tributários ditados pelos preceitos da Segurança Jurídica e pela Não Surpresa, uma vez que, sendo fixada mês a mês, impede o seu prévio conhecimento pelo contribuinte devedor, que somente poderá dimensionar a gravidade de seu ato (inadimplemento da obrigação tributária) após a sua ocorrência. Assim, como no direito penal se garante ao agente o prévio conhecimento das implicações sancionatórias de seus atos p
elo princípio impostergável do Nullum crimen, nulla poena sine praevia lege, ao contribuinte deve ser garantido o amplo conhecimento do potencial tributário de seus atos, aplicando-se as regras decorrentes dos preceitos de não surpresa e de segurança jurídica, no sentido de, conferindo certeza ao mandamento tributário, garantir a prévia, irrestrita, segura e completa verificação do montante aplicável sobre o débito tributário constituído, e que, por quaisquer motivos, não pode ser devidamente adimplido pelo respectivo devedor, garantindo-se assim a realização dos mandamentos de justiça tributária que impõem ao Estado o dever de informar ao contribuinte de forma inequívoca as regras legais do sistema de tributação e de permitir à ele que verifique, por si só, a relevância jurídico-tributária de seus procedimentos. Esse é, sem dúvida alguma, o ideal tributário que deve ser perseguido dentro do Estado de Direito, que, por meio do sistema de garantias constitucionais, impede a intervenção indiscriminada do Estado
, como ente do poder, no universo patrimonial dos cidadãos, garantindo-lhes a necessária e fiel observância da Lei e a colocação desta como o limite maior do poder estatal.
6- Conclusões
Diante de todas as considerações traçadas, verifica-se que sendo a atividade tributária desenvolvida pelo ente estatal uma forma violenta de invasão nas esferas patrimoniais individuais dos cidadãos, que vêem, literalmente, arrancados de si parte desse universo de direitos com o fim de possibilitar a gerência da coisa pública, e, em face da evolução social dos conceitos formadores dos ideais constitucionais, principalmente no que tange à imposição de limites àquela atividade, é inegável que toda intervenção realizada por meio do Estado no patrimônio particular deve obedecer aos ditames das limitações constitucionais ao poder de tributar.
De fato, o mesmo ocorre com relação aos acréscimos ocorridos após a constituição do crédito tributário decorrentes da não satisfação ou da satisfação intempestiva do tributo, que, de forma lógica, dá origem à cobrança de juros pelo período de inadimplemento. Os juros, por sua vez, são divididos pela doutrina em remuneratórios e moratórios, sendo que enquanto aqueles são devidos pela utilização consentida do capital de terceiros, remunerando-o a partir da sua entrega voluntária e originária pelo credor, estes são devidos pelo descumprimento da obrigação ou da não entrega de determinado valor em prazo determinado, atuando como verdadeira forma de indenização decorrente do inadimplemento obrigacional. A sistemática jurídico-lógico-tributária pátria não admite a cobrança dos juros remuneratórios, mas somente a dos juros moratórios, com fundamento no art. 161 do CTN, que determina que, não havendo disposição legal de forma diversa, serão fixados em 1% (um por cento) ao mês.
Diante do permissivo constante naquele dispositivo legal, o Estado, por inúmeras vezes, vem tentando impor aos contribuintes inadimplentes o pagamento de juros de mora baseado na taxa do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC, que é uma taxa fixada por uma entidade financeira (ANDIMA), em face das variações das taxas de juros decorrentes das negociações com títulos públicos nas operações de overnight, e que possui natureza flagrantemente remuneratória, uma vez que reflete a média dos juros pagos pelas entidades privadas naquelas negociações.
Por tal motivo, resta clara a impossibilidade de sua utilização como taxa de juros de mora, uma vez que, possuindo natureza remuneratória, a tentativa de sua utilização representa verdadeiro desvio de finalidade em sua utilização e flagrante tentativa de burla ao sistema legal que não admite a possibilidade de cobrança de juros remuneratórios sobre os créditos tributários não pagos.
Além dessa impossibilidade, baseada na natureza jurídica daquela Taxa de juros, subsiste ainda o fato de que, sendo ela uma taxa conceituada, dimensionada e fixada exclusivamente pelos atos normativos e pela atividade do Banco Central, a simples indicação legal de sua utilização não supre o mandamento do princípio da legalidade, uma vez que, realizando verdadeira delegação de poderes, confere o legislativo àquela entidade autárquica a competência para a sua definição (o que é feito por meio de suas Circulares) e o poder de manipulação dos juros moratórios, em flagrante e ilegal delegação de competência tributária, amplamente rejeitada pelo ordenamento jurídico-constitucional pátrio.
Além disso, analisando-se mais profundamente a indicação legal de utilização da taxa Selic para a cobrança dos juros de mora, verifica-se ainda mais uma impossibilidade, configurada pela intolerabilidade da indicação genérica de uma taxa de juros flutuante ao invés da fixação do percentual específico, impossibilitando ao contribuinte-devedor a perfeita e prévia verificação dos valores que deverão incidir sobre o crédito tributário, e o dimensionamento do potencial tributário de seus atos, configurando tal tentativa em flagrante ataque aos preceitos maiores da ordem jurídica que são a Não Surpresa e a Segurança Jurídica.
Diante de todas essas considerações, verifica-se que a imposição de pagamento dos juros de mora cobrados, com base na taxa extraída do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC, sobre o crédito tributário constituído e não pago – ou pago de forma intempestiva – resta flagrantemente contrária à ordem jurídico-constitucional, sendo amplamente rechaçada pela ciência jurídico-tributária pátria e pela ação do próprio poder judiciário, no sentido de preservação das garantias e dos direitos fundamentais dos cidadãos contribuintes, consagrando assim os mandamentos da justiça tributária dentro dos ideais do Estado Democrático de Direito, fundamentais para a manutenção do Direito e de toda a ordem jurídica.
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REGINA, José Eduardo Queiroz. Dos Juros Moratórios incidentes sobre os débitos tributários federais, Repertório IOB de Jurisprudência, Caderno 1, nº 6, 1998, p. 129
Notas:
(1) “As well may they ask my crown! – exclamou João Sem Terra, a semelhança de um bôbo fulvo, cercado pela matilha dos barões ingleses que lhe impuseram a outorga da Magna Carta – semelhante ou inspirada naquela outra do ano de 1100, de Henrique II, rei jurista e descendente do normando Guilherme, o Conquistador. Para um espírito tacanho e trapaceiro como daquele plantanegeta, de fato a aposição da assinatura ou do selo real sobre o pergaminho dos barões e dos dignitários da Igreja Católica, significava o mesmo que arrancar-lhe a coroa da cabeça cabeluda e desmiolada.” (ALTAVILA, Jayme de. Origem dos Direitos dos Povos, São Paulo: Ícone, 7ª ed., p. 151)
(2) ALTAVILA, Op. Cit., p. 280
(3) FERRARI, Renato. Em Busca da Paz Tributária, São Paulo: Melhoramentos, 1996, p. 47
(4) IHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito, Rio de Janeiro: Forense, 18ª ed., 1999, p.01
(5) MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios Gerais de Direito Administrativo, apud FERRARI, Renato. Op. Cit., p. 46
(6) PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, Vol. IV, Rio de Janeiro: Forense, 9ª ed., 1992, p. 126
(7) AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do. Da Aplicação das Taxas de Juros SELIC sobre impostos e Contribuições, Repertório IOB de Jurisprudência, Caderno 1, 1998, p. 479.
(8) Da Impossibilidade de se Utilizar a SELIC como Taxa de Juros Moratórios Incidentes sobre os Débitos de Natureza Fiscal, Revista Dialética de Direito Tributário, nº 14, p. 12
(9) Apud ICHIHARA, Yoshiaki. Direito Tributário, Atlas, 8ª ed., São Paulo, 1999, p.55.
(10) Sobre o Assunto, ver PRADO, Karine Monteiro. Princípio da Anterioridade – (In) Segurança Jurídica? [on-line]. Disponível: http://www.geocities.com/get_es/anterioridade.htm [capturado em 13/06/2000]
(11) COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 – Sistema Tributário, Rio de Janeiro: Forense, 6ª ed., 1996, p. 315.
(12) FERRARI, Renato. Op. Cit., p. 47.
Autor: Wanderley Rosendo de Souza
Contato: wanderleyrosendo@yahoo.com.br
Advogado, Mestre e Doutor em Direito Tributário pela USP. Contador pela Puc – Campinas, Comércio Exterior pela Faculdade Getulio Vargas).