A necessidade de um regime previdenciário próprio para o Judiciário

Artigo transcrito do jornal Folha de S. Paulo

Na última reunião dos presidentes dos tribunais, realizada em Brasília, foi salientado que a opinião pública não compreendia a situação dos magistrados. Efetivamente, se há um consenso quanto à condenação da greve dos juízes, embora não seja inconstitucional — consenso que já foi manifestado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, pelo ministro da Justiça e pela OAB —, não se têm esclarecido adequadamente as peculiaridades da situação dos integrantes do Poder Judiciário, havendo uma certa tendência de dar-lhes o mesmo regime que incide sobre os demais funcionários públicos.

Sem discutir a necessidade de reformar o Estado e reconhecendo, como já o fizemos, a coragem do presidente da República de fazer reformas essenciais, e não entrando no mérito da totalidade das regras propostas, parece-nos necessário enfatizar a posição muito especial que o Judiciário desempenha na sociedade democrática.

A independência dos juízes é fundamental no Estado de Direito e tem as suas raízes nos primeiros documentos constitucionais, já existindo embrionariamente na Magna Carta. Em todas as constituições brasileiras foram destacadas as garantias próprias dos juízes, que também constituem, na realidade, garantias dos jurisdicionados. Somente no Estado Novo é que, por um tempo, os magistrados perderam a sua independência, que também sofreu restrições no regime militar.

A independência do Poder Judiciário não significa tão-somente o poder de julgar de acordo com a lei, mas também a necessidade de dar ao juiz condições dignas de vida que sejam compatíveis com as responsabilidades que assume e o nível de reciclagem contínua que a sociedade dele exige na atual fase da nossa história. Pode-se, pois, afirmar que o bom funcionamento da Justiça exige que se dê ao magistrado uma situação material adequada, abrangendo tanto a sua atividade no exercício do cargo quanto os proventos da aposentadoria.

A garantia constitucional da separação dos Poderes, que é norma pétrea, não podendo ser afastada nem mesmo por emenda constitucional, tem como corolário a independência do Poder Judiciário. Tanto assim é que o mesmo se rege por lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, que define o Estatuto da Magistratura. É aliás a Corte Suprema que tem assegurado a defesa dos direitos individuais nas horas mais difíceis que o país atravessou, utilizando o habeas corpus, o mandado de segurança e as ações declaratórias de inconstitucionalidade para garantir a manutenção do Estado de Direito em todos os seus aspectos.

Não é, pois, descabida a comparação que Aliomar Baleeiro fez com a Corte Suprema dos Estados Unidos, afirmando que ambas exercem as funções de freio e acelerador do Legislativo, tendo entre as suas tarefas a missão de “cientista político, legislador trabalhista, elaborador de diretrizes políticas e econômicas”.

Embora se discuta agora, no caso da Previdência, uma reforma constitucional, é preciso que se obedeça aos princípios que, no entender da melhor doutrina, prevalecem sobre as próprias normas. É, pois, imperativo que se considere a necessidade de dar ao Poder Judiciário um regime previdenciário próprio, que não decorre da personalidade dos seus integrantes, mas de função que exerce na democracia moderna e no Estado de Direito.

Como tem sido lembrado por vários magistrados nos últimos dias, não há como esquecer o caráter diferenciado dos integrantes do Judiciário, que decorre de escala de valores que impera em nossa sociedade, garantindo a todos o acesso a uma Justiça independente. Para a definição desse regime e o seu dimensionamento, é preciso o entendimento entre os vários Poderes da República, como salientado pelo ministro Maurício Corrêa, encontrando-se soluções constitucionais, justas, eficientes e equitativas.

Arnoldo Wald é professor catedrático da Faculdade de Direito da Uerj e presidente da Academia Internacional de Direito e Economia.

Ives Gandra da Silva Martins é advogado tributarista e professor emérito da Universidade Mackenzie e da Escola de Comando do Estado-Maior do Exército.

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