Eduardo Pordeus Silva
Bacharelando em Direito pela Universidade Federal de Campina Grande
Pesquisador CNPq/PIBIC
eduardopordeus@gmail.com
Ângela Maria Rocha Gonçalves de Abrantes
Orientadora CNPq/PIBIC. Mestra em Direito / UFC. Especialista em Direito Constitucional / UFPB e em Administração da Educação / UFPB. Professora do CCJS / UFCG.
angelarochag@bol.com.br
O poder que tem o Estado sobre os indivíduos ou sociedade de indivíduos que formam a população, e, além disso, independe dos outros Estados, denomina-se Soberania. Ademais, este conceito é complexo e tem variado no tempo e no espaço. Notar, por conseqüência, que o processo de integração jus-político-jurídico da União Européia (UE) está em pleno desenvolvimento, fato que se impõe repensar alguns conceitos que até então eram considerados intocáveis ou que estavam consolidados pela Teoria Geral do Estado. Dentre estes conceitos vale destacar o da Soberania dos Estados. Soberania (conforme Jean Bodin) como poder absoluto, indivisível, ilimitado e indelegável de ação e decisão do Estado; poder legislar, de impor as leis e fazê-las cumprir no âmbito de um determinado território para a sua população. Compreender tal conceito é tê-la como supedâneo imprescindível para o paradigma do fenômeno estatal.
Desse modo, importa repetir, a soberania é una, integral e universal. Com efeito, não pode sofrer restrições de qualquer tipo, salvo, naturalmente, as que decorrem dos imperativos de convivência pacífica das nações soberanas no âmbito internacional (MALUF, 1998).
Dito em outros termos, a referida força do Estado designa, não o poder, mas a qualidade do referido poder do Estado. Destarte, a soberania é grau superior a que pode atingir esse poder supremo de decisão e ação no sentido de não reconhecer outro poder juridicamente superior a ele no âmbito do mesmo Estado.
AZAMBUJA (1998; 63) disserta acerca de tal temática reconhecendo dois aspectos da soberania: o interno e externo. Sob o prisma interno, significa afirmar que a soberania é o mais alto poder existente dentro do Estado, ou seja, é a summa potestas, a potestade. No aspecto externo nas relações recíprocas, por seu turno, a soberania compreende a não subordinação, a não dependência de um ente estatal a outro, mas sim igualdade e a interdependência.
Valendo-se mais uma vez das lições de AZAMBUJA (1998; 85) que conclui acerca do poder soberano nos seguintes termos:
“a existência de outros Estados cria também para cada Estado em particular limitações necessárias à Soberania, pois o poder de um encontra limites no exercício do poder de outros (…)”
E na mesma linha de raciocínio, o cientista político AZAMBUJA (1998), de forma profética, reforça que os Estados irão conviver de forma organizada e que: “(…) Organizada que seja um dia uma verdadeira Sociedade das Nações, decorrerá daí uma limitação necessária às demais soberanias (…)”
Destarte, os Estados que integram a ordem continental, e, dentro dessa ordem superior, o poder de auto-determinação de cada uma limitam-se pelos imperativos de preservação da sobrevivência das demais soberanias. Segundo MELLO (1999; 7) “O direito se preocupa acima de tudo com a noção formal de soberania. A qualificação de um Estado é um ato político que tem a noção jurídica como simples instrumento (…)”.
Mesmo Jean Bodin apud MELLO (1999; 14) admitiu que a soberania seria limitada pelo direito natural e pelo direito das gentes. Desde então a expressão soberania absoluta pode ter valor no discurso político, mas não na realidade da vida internacional (Direito da Integração). Daí, o surgimento do direito supranacional que visa a reger as interrelações entre os Estados soberanos seja no âmbito das relações internacionais, seja para a formação de blocos de comunidades de Estados.
Precisas são as lições de MOREIRA NETO apud FRANCA FILHO (2002; 65), em complemento a esta linha de raciocínio, quando comenta que:
“(…) o Direito da Integração como o ramo didático do direito internacional público, extremamente permeado por disposições administrativas, tributárias, trabalhistas, civis e comerciais que se aplicam por recepção do direito interno dos Estados que compõem zona de livre comércio, as uniões aduaneiras ou comunidades econômicas incipientes. Tende a ser um embrião de um direito comunitário (grifei), à medida que a integração econômica prossiga e atinja níveis mais elevados, configurando-se como Comunidade, dotada de direito próprio e características supranacionais (…)”.
REIS (1999; 292) afirma que a supranacionalidade consiste basicamente: a) na existência de instâncias de decisão independentes do poder estatal, as quais estão submetidas ao seu controle; b) na superação da regra da unanimidade e do mecanismo de consenso (…); e c) no primado do direito comunitário face às legislações internas. Daí, a visão do autor ora citado, a integração européia produziu a reordenação das competências soberanas, que o poder de ação e decisão passou a ser dividido entre os Estados e os órgãos comunitários.
Por oportuno, conclui-se que o fenômeno da globalização pertine ao presente estudo e tal fenômeno permite a desterritorialização das forças produtivas; o rompimento das fronteiras; a mudança das decisões de cunho político dos Estados em favor da hegemonia do sistema econômico; e, como conseqüência, presenciamos o redesenhamento do novo mapa do mundo e a relativização da soberania dos Estados independentes. Ademais, decisões do campo político foram deslocadas para o campo econômico dos estados nacionais.
Imprescindível se aponta o entendimento da temática, a partir dos conceitos de Estado e Soberania para a exata compreensão do moderno Direito Comunitário acrescentando que:
“É incontroverso, na atualidade, que aquele modelo estatal ainda moderno, apreendido como ‘unidade política-soberana’, apresenta-se em crise, em conseqüência da repercussão de fenômenos como interdependência da economia, a fluidez das fronteiras nacionais, a emergência de novas formas de organização social (as organizações não-governamentais) ou a transnacionalização do crime organizado e dos direitos fundamentais (…)” (FRANCA FILHO, 2002; 09)
Ângela Rocha Gonçalves de ABRANTES (2000; 20) detecta, incisivamente, que a soberania não é mais una, indivisível, ou um poder centralizado e indissociável, porém ela é entendida como, em alguns aspectos, circunstancial, só atuando nos Estados nacionais na falta de pressões externas legítimas, como por exemplo, as oriundas dos tratados ratificados que dão origem ao Direito Comunitário e ao Direito Internacional.
A professora ABRANTES (2000; 26) chama a atenção para o fato interessante que os dirigentes de cada Estado (principalmente, os periféricos e semiperiféricos como o Brasil) estarem diante do desafio de administrar esse novo modelo estatal, que gradativamente tem sua soberania relativizada em face de acordos internacionais ou interferência de “conglomerados” econômicos no poder de ação dos Estados nacionais. Eles, nesse quadrante, terão que fazer amplo diálogo quando então poderão: tentar ficar a margem deste processo – optando pela manutenção da tradicional soberania e sendo, por via de conseqüência, excluídos do processo ou se adaptarem à nova realidade, sacrificando parcela de sua soberania e de certos direitos sociais, em nome da preservação de outros direitos fundamentais e de melhoria de condições de vida do seu povo.
FRANCA FILHO (2002) registra que o fenômeno da supranacionalidade, porém, não induz necessariamente à perda da Soberania do Estado que se integra a uma comunidade, afinal continua sendo o ente estatal quem decide se exerce os poderes da soberania diretamente, como no estabelecimento das relevantes questões do “sobredireito” ou se transfere – emprestando e não doando, ao Executivo, ao Legislativo ou a um órgão supranacional. Portanto, em sede de integração, a transferência de certas competências não se dá em favor de qualquer outro ente estatal, mas sim em benefício do órgão comum (supranacional) e em favor dos objetivos de toda a comunidade.
Acresce MELLO (1999; 19) pontualmente as seguintes observações:
“(…) não há dúvidas de que nas políticas de integração econômica os Estados têm renunciado a setores importantes da sua Soberania. Elas são criadas e movidas pelos Estados, são instrumentos para a defesa econômica dos Estados, tendo assim efeito paradoxal, isto é, defendem a economia estatal, mas para que isso ocorra, eles renunciam em favor de um organismo internacional a uma série de suas competências soberanas, Elas são a mais importante estratégia dos Estados para se defenderem da globalização (…)”
Vale realçar a complexa experiência de integração espontânea dos vinte e cinco Estados da União Européia onde o conceito de soberania sofreu esta relativização em face do moderno Direito Comunitário. O direito dito supranacional possui aplicação direta e imediata no âmbito interno dos estados-membros da UE, mesmo contendo normas que possam até ferir preceitos constitucionais dos membros da comunidade de Estados – isto porque prevalece o princípio do primado do Direito Comunitário sobre o Direito Constitucional local.
O Direito Comunitário, ademais, se sobrepõe aos ordenamentos jurídicos nacionais em face dos princípios da aplicação direta e imediata do direito supranacional (Comunitário) e de sua primazia sobre as normas nacionais. Princípios estes que traduzem a idéia de que suas normas de integração jus-político-jurídica têm preferência sobre as normas de direito local, na hipótese de conflitos entre elas.
CANOTILHO (2000; 801) assenta que os Tratados institutivos da União Européia e as disposições comunitárias são dotadas de aplicabilidade direta, que constitui com a adesão de Portugal (por exemplo) à referida ordem comunitária. As normas comunitárias têm primazia relativamente à legislação dos Estados soberanos.
Diante desta realidade, as constituições dos vinte e cinco Estados-membros da UE foram modificadas ou adaptadas ao moderno conceito de soberania e ao direito comunitário, visando à vigência dos princípios citados, delegando/autorizando – de forma voluntária, pacífica e democrática – parcela de sua soberania em favor de órgãos supranacionais criados por Tratados Internacionais; permitindo, pois, o acatamento direito e imediato das normas comunitárias no âmbito interno dos Estados-membros e culminando com a elaboração de uma Constituição, esta sendo ou não referendada pelos Estados integrantes do Pacto e que entrará em vigor em 2006. Nesse norte, atente-se, que tal lei advém do poder político constituído e que, pelos Tratados Internacionais subscritos, os Estados estão relativizando ou delegando parcela da sua soberania.
Na visualização doutrinária de REIS (1999; 292), a título de reforço a esta explanação, segue-se o entendimento de que o que se apreende não é a perda da soberania, nem muito menos, a perda de parcelas de soberania (…) “pois soberania não é algo que se possa ter em maior ou menor medida – mas sim o que se convencionou chamar de soberania compatilhada (…)”
Conclui-se que o acatamento do Direito Comunitário – como oriundo dos organismos supranacionais – não são mais que desdobramentos devido ao exercício das soberanias nacionais. E quanto as hipóteses de conflito direto entre norma comunitária e norma nacional o recurso sempre utilizado tem sido a reforma constitucional. Visando a acomodação da norma comunitária sobre a nacional, sob pena de não existência do direito comunitário,tais divergências, porém, não chegam a inviabilizar as exigências de compatibilização entre o referido direito e as diversas constituições nacionais, afinal, a própria racionalidade de um dos dois sistemas não subsistiria diante de um conflito insolúvel entres tais normas.
A ação dos Estados rumo à integração foi forjada pelas circunstâncias de fato, notando, contudo, que o Direito não deve ser instrumento que venha a atravancar o avanço da sociedade, em nome da manutenção de instituições ultrapassadas. Em suma, vale registrar, nesse contexto, que a estatalidade e a unicidade do ordenamento jurídico já não mais constituem certezas inabaláveis.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
ABRANTES, Ângela Maria Rocha Gonçalves de. A globalização e o atual conceito de soberania dos estados. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2000.
AZAMBUJA, Darcy. Introdução a ciência política. Rio de Janeiro: Globo, 1998.
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 4ª ed. Coimbra: Almedina, 2000.
CONSTITUIÇÃO da UE é assinada (internacional). Estado de São Paulo. São Paulo, 30 de outubro de 2004. A23.
FRANCA FILHO, Marcílio Toscano. Introdução ao direito comunitário. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.
MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. São Paulo: Saraiva, 1998.
MELLO, Celso de Albuquerque. A soberania através da historia. In Anuário de direito e globalização, 1: a soberania. v.I. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.
REIS, Marcio Monteiro. O estado contemporâneo e a noção de soberania. In Anuário de direito e globalização, 1: a soberania. v.I. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.
Autor: Eduardo Pordeus Silva