A OMC e os pneus: nas mãos do Judicário ou do Legislativo

No dia 20 de janeiro de 2006, a OMC (Organização Mundial do Comércio) estabeleceu, a pedido das CE (Comunidades Européias), um Painel de Solução de Controvérsias solicitando esclarecimentos por parte do governo brasileiro sobre certas medidas que proíbem a importação de pneus reformados no país, consideradas pelos europeus em desconformidade com as regras do comércio internacional.

A linha de defesa adotada pelo Governo brasileiro baseou-se na proteção da saúde humana e do meio ambiente, conforme permitido pelas próprias regras da OMC —artigo XX (b) do GATT 1994.

O relatório final do Painel da OMC tornou-se público no dia 12 de junho de 2007 e as conclusões foram extremamente favoráveis aos aspectos ambientais e de saúde humana defendidos pelo Brasil, ainda que as medidas governamentais atualmente em vigor tenham sido consideradas inconsistentes com as regras da OMC.

É interessante verificar que o relatório do painel coloca nas mãos do Poder Judiciário parcela significativa do ônus de manter a política ambiental brasileira. Fez isso o painel ao condicionar a consistência da política ambiental brasileira ao término das decisões judiciais que atualmente autorizam a importação de pneus usados no Brasil.

A esse respeito, o painel considerou que na medida em que se permite que pneus reformados sejam produzidos no Brasil a partir de carcaças importadas, enquanto pneus reformados feitos a partir das mesmas carcaças não podem ser importados, as autorizações judiciais para as importações de pneus usados resultam em discriminação em favor dos pneus reformados no Brasil com utilização de carcaças importadas, em detrimento dos pneus reformados importados.

Nesse ponto, o painel considera que o fato de as importações serem permitidas por decisões judiciais não exonera o Brasil de suas obrigações perante a OMC. Ao contrário, como país-membro da OMC, o Brasil “tem responsabilidade pelos atos de todos os seus departamentos governamentais, inclusive seu judiciário” .

Em função desta questão especificamente, o painel concluiu que o Brasil não se encontra em conformidade com as regras da OMC.
O Brasil ainda tem um caminho a percorrer para de fato cumprir com a política pública preconizada de proteção à saúde humana e meio ambiente por meio da proibição da importação de pneus usados e reformados.

O que a decisão do painel na OMC foi capaz de demonstrar é que este caminho pode ser abreviado caso haja alteração no quadro de determinadas decisões no âmbito do Judiciário e consolidada uma posição de indeferimento de tais pedidos de importação de pneus usados.

Por outro lado, é ainda razoável supor que tal entendimento do Poder Judiciário poderá mais fácil e rapidamente se consolidar, caso se possa contar com uma atuação específica do Poder Legislativo brasileiro que tem a competência de reforçar a política pública brasileira com o aparato legal adequado para estes fins.

Enfim, quer pela atuação do Judiciário, quer por uma política clara do Legislativo, espera-se que o Brasil possa manter sua política de proteção à saúde humana e ao meio ambiente conforme vislumbrado na decisão da OMC.

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José Setti Diaz, Luiz Fernando Henry Sant’Anna e Cinthia Brito Battilani são advogados do escritório Demarest e Almeida, Advogados

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