A pena e sua finalidade no nosso sistema prisional

Eliziongerber de Freitas

Bacharel em Direito pela UNICAP
Supervisor da Seção de Processamento dos Feitos Julgados por Despachos da 1ª Turma do TRF 5ª Região

Diante do atual quadro existente em nosso país em relação aos presídios e penitenciárias questionamos qual seja a verdadeira finalidade da pena. Terá ela finalidade retributiva ou ressocializadora?
Para uma melhor análise do tema retornemos ao passado histórico do direito penal, para então concluirmos qual a real finalidade da pena.
No dizer de E. Magalhães Noronha “A pena, em sua origem, nada mais foi que vindita, pois é mais que compreensível que naquela criatura, dominada pelos instintos, o revide à agressão sofrida devia ser fatal, não havendo preocupações com a proporção, nem mesmo com sua justiça”(1).
A forma de vingança privada, nada mais era que uma forma de defesa, pois não havia, ainda, um Estado constituído, capaz de regular as relações em sociedade. No entanto, esta forma de repressão, por não guardar uma certa proporção entre o delito e a punição, desencadeou um enfraquecimento na sociedade que aos poucos ia se extinguindo.
Para se ter um maior controle sobre a punição surge, então, a primeira forma regulamentada de repressão, o talião, o qual delimita a forma de castigo, não podendo o mesmo ser aplicado de forma desmoderada. É a preocupação com a justa retribuição.
Com o surgimento do Estado, uma nova visão foi dada a pena, e aí, teremos uma “melhor idéia de pena em sentido absoluto quando analisada conjuntamente com o tipo de Estado que dá vida”.
No Estado Absolutista havia uma identidade ente o soberano e o Estado e entre o Estado e a religião, advindo daí, o entendimento de que o poder do soberano era advindo de Deus. Desta forma o Rei concentrava o poder do Estado, o poder legal e o poder de justiça. A pena nesta fase da história era entendida como um castigo, sendo imposta àquele que agindo contra o soberano, rebelava-se contra Deus.
Com o surgimento do Estado Burguês, centrado na idéia do Contrato Social de Rousseau, o Estado não estava mais representado na figura do soberano é ele, agora, “uma expressão soberana do povo e com isso aparece a divisão de poderes”. Nessa forma de Estado a idéia de pena é firmada na “retribuição à perturbação da ordem (jurídica) adotada pelos homens e consagrada pelas leis. A pena é a necessidade de restaurar a ordem jurídica interrompida. À expiação sucede a retribuição, a razão Divina é substituída pela razão de Estado, a lei divina pela lei dos homens,”(2).
Com a adoção da teoria retributivista da pena, pelo Estado burguês, a finalidade da pena é fazer justiça.
Destaca-se nessa fase dois pensadores: Kant e Hegel. Kant fundamenta o caráter retributivista da pena como de ordem ética, ou seja, “quem não cumpre as disposições legais não é digno do direito de cidadania”. Já Hegel tem sua fundamentação na ordem jurídica onde a pena se justifica na “necessidade de restabelecer a vigência da vontade geral, simbolizada na ordem jurídica e que foi negada pela vontade do delinqüente”.
Para outra teoria, a preventiva, a pena não tinha por finalidade retribuir o fato delitivo cometido, e sim prevenir a sua prática. Se a lógica da teoria retributivista era impor ao autor do delito um castigo, somente porque delinqüiu, na teoria preventiva a pena se impõe para que o autor do delito não volte a delinqüir.
Foi a partir de Feuerbach que a função preventiva da pena tomou duas direções bem definidas, qual seja: a prevenção geral e a prevenção especial.
Em relação à prevenção geral temos “a pena como a intimidação para todos, ao ser cominada abstratamente”. Na concepção de Feuerbach, “a pena é, efetivamente, uma ameaça da lei aos cidadãos para que se abstenham de cometer delitos: é, pois, uma coação psicológica com a qual se pretende evitar o fenômeno delitivo”.
A prevenção especial, embora procurando evitar a prática do delito, destina-se, exclusivamente, à pessoa do delinqüente, com o objetivo de que este não volte a delinqüir.
A teoria mista ou eclética fundiu as duas correntes. Desta forma, a pena ficou entendida como de natureza retributiva, por ser de aspecto moral, “mas sua finalidade é não só a prevenção, mas também um misto de educação e correção”.
Por fim surge a “Escola da Defesa Social, de Adolfo Prins e Filippo Grammatica, e, mais recentemente, com a Nova Defesa Social, de Marc Ancel, tem-se buscado instituir um movimento de política criminal humanista fundada na idéia de que a sociedade apenas é defendida à medida que se proporciona a adaptação do condenado ao meio social (teoria ressocializadora). Adotou-se, como assinala Miguel Reale Júnior, outra perspectiva sobre a finalidade da pena, não mais entendida como expiação ou retribuição de culpa, mas como instrumento de ressocialização do condenado, cumprindo que o mesmo seja submetido a tratamento após o estudo de sua personalidade. Esse posicionamento especialmente moderno procura excluir definitivamente a retributividade da sanção penal”(3).
Embora a teoria ressocializadora da pena, advinda com a Escola de Defesa Social, seja recente, podemos observar que em dois períodos históricos do direito penal havia uma preocupação com a finalidade da pena, ou seja, o período humanitário e o período criminológico.
No período humanitário surge “na consciência comum a necessidade de modificações e reformas no direito repressivo”. Como intérprete dessa consciência aparece Cesare Bonesana, famoso Marquês de Beccaria, que no ano de 1764, escreveu o seu famoso livro “Dei delitti e delle pena” que tanta repercussão causou.
“Beccaria é um precursor, é o pioneiro da defesa dos direitos humanos. O seu livro é de 1764, tem mais de dois séculos, foi escrito antes da Revolução Francesa, e nele já se proclamava e defendiam os direitos do homem”.
Podemos observar a preocupação do Marquês de Beccaria, no que diz respeito a finalidade da pena, na conclusão do seu livro, nestes termos: “De tudo quanto se viu até agora poderá extrair-se um teorema geral muito útil, mas pouco de acordo com o uso, legislador, por excelência, das nações, ou seja: para que a pena não seja a violência de um ou de muitos contra o cidadão particular, deverá ser essencialmente pública, rápida, necessária, a mínima dentre as possíveis, nas dadas circunstâncias ocorridas, proporcionalmente ao delito e ditada pela lei”(4).
A grande contribuição do período criminológico para o entendimento da pena como finalidade ressocializadora, veio através do Médico César Lombroso, contribuindo com o entendimento de que “a pena não possui fim exclusivamente retributivo, mas, sobretudo, de defesa social e recuperação do criminoso, necessitando, então, ser individualizada, o que evidentemente supõe o conhecimento da personalidade daquele a quem será aplicada”.
A pena nos molde que vem sendo aplicada, no atual sistema prisional brasileiro, longe está de ser ressocializadora, busca-se, apenas, dar uma satisfação à sociedade que se sente desprotegida, necessitando encarcerar os autores dos delitos.
Como é cumprida atualmente, a pena apresenta, infelizmente, finalidade retributiva. Não busca ela, a recuperação do delinqüente, não busca reinseri-lo no seio da sociedade, ao contrário, joga-o no submundo das “masmorras” transvestidas de penitenciárias, onde não podemos ignorar que não há ressocialização e muito menos recuperação. O que se vê, no atual modelo carcerário, é uma verdadeira escola de criminosos onde pessoas são corrompidas, pervertidas, deformadas e levadas a reincidir em seus delitos.
Dentre os graves problemas que leva a pena, no nosso sistema prisional, a não ter a finalidade de ressocializar o preso é o falso entendimento de que com penas mais severas pode-se coibir os delinqüentes. Enganam-se os que assim pensam, pois o crime é reflexo de muitas outras causas.
No Brasil, a pena tornou-se um remédio opressivo, com conseqüências devastadoras sobre a personalidade do condenado, antes mesmo de recuperá-lo o põe a margem da sociedade. E nestes termos questiona-se: Quem já viu um preso sair melhor do que quando entrou na penitenciária? Quem já viu um preso após cumprir sua pena e ser reintroduzido na sociedade arrumar um emprego? Quem dá crédito a um ex-presidiário?
Vê-se que a pena, na forma como é aplicada atualmente, em nada melhora o homem delinqüente, não corrige sua falha, não o limpa do seu erro, tampouco ressocializa-o para posteriormente reintroduzi-lo na sociedade, que foi vítima de sua atitude.
Afirma o Dr. Rudi Rigo Bürkle, Promotor de Justiça de Pato Branco/PR: “O direito penal ressocializador é um direito penal humano que vê, não um crime e um criminoso, mas um crime e um cidadão que errou, descumpriu um preceito legal e está a necessitar de orientação dos órgãos públicos para se reorganizar, para superar dificuldades, suprir carências, realinhar princípios morais e éticos, ter recuperada a sua autoestima e crença na sociedade. Continua o ilustre Promotor: “ É justamente pautado no interesse social que não se pode admitir outro caráter à pena que não o ressocializador, pois o retributivo se iguala à vingança individual. Lei de talião, e que justamente foi afastada pelo Estado quando estabelecido a si o jus puniendi.”
Concluímos que a pena, no sistema prisional brasileiro, tem finalidade meramente retributiva, embora exista grande esforço no sentido de torná-la ressocializadora, a verdade é que pouco ou quase nada, tem-se feito para abrandar o caráter devastador dos presídios e penitenciárias do Brasil, onde há uma super lotação de presos vivendo de forma subumana, sem falar que o maior contingente de presidiários está entre os negros, pobres e analfabetos, sem, no entanto, vislumbrar-se qualquer perspectiva de melhora ou buscar-se a verdadeira finalidade da pena que é ressocializar o preso.

Notas: 1 – E. Magalhães Noronha
2 – Bustos Ramirez & Hormizabel Malarée, Penã y Estado
3 – Júlio Fabbrine Mirabete
4 – Cesare Beccaria

Bibliografia:
Noronha, E. Magalhães – Direito Penal, Vol. 01 – Editora. Saraiva.
Beccaria, Cesare – Dos Delitos e Das Penas – Tradução de J. Cretella Jr. E Agnes Cretella – Editora – Rvista dos Tribunais.
Bitencourt, Cezar Roberto – Manual de Direito Penal – Parte geral – Editora Revista dos Tribunais.
Mirabete, Júlio Fabbrine , Manual de Direito Penal, Vol. 01 – Editora Atlas.

Eliziongerber de Freitas
Bacharel em Direito pela UNICAP
Supervisor da Seção de Processamento dos Feitos Julgados por Despachos da 1ª Turma do TRF 5ª Região
Texto Produzido em 25.06.2002.
Recife

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