A Pessoa, Fundamento do Novo Código Civil

José Carlos Teixeira Giorgis *
A demora na elaboração do Código Civil de 1916 deveu-se, em parte, à resistência a uma unificação das leis, à resistência da Igreja e à condição jurídica das mulheres.

Vivia-se um sistema hierarquizado de família, com absoluto domínio masculino onde o patrimônio era o valor principal.

O país estava emergindo da escravatura, sendo preciso adaptar um regime que contemplasse o trabalho livre, acolhendo a multidão de braços que se incorporava à produção, daí porque recorrente a discussão sobre as novas formas de contrato.

Embora paradoxal, um dos temas que pontuou o debate da codificação foi o conceito de pessoa, sempre noção proeminente em qualquer ordenamento.

O próprio Teixeira de Freitas, em seu Esboço, obra monumental até agora festejada e que seguiu à consolidação das leis civis que empreendera, teve dificuldades em embutir a palavra em seu projeto, até mesmo para que a lei brasileira se harmonizasse com o primeiro artigo do Código Civil português, onde se proclamava que só o homem é pessoa, motivo porque o grande jurista optou em definir como titulares os entes suscetíveis de aquisição de direitos.

Não foi menor a luta de Clóvis Beviláqua, que intentando reconduzir a pessoa ao patamar das garantias individuais, teve a mais ferrenha oposição de todos os setores, principalmente os congressuais onde tramitava o projeto de codificação do direito privado.

Assim, a comissão revisora substituiu a expressão todo o ser humano é capaz de direitos e obrigações na ordem civil, proposta por Clóvis, por todo homem é capaz…, locução que acabou constituindo o artigo 2º do Código agora substituído.

Sublinhe-se para realçar a natureza ideológica desta lei, que também as mulheres foram duramente afetadas, restando divididas em solteiras, casadas, viúvas, honestas, desonestas, ou seja, pessoas que desfrutavam de maior ou menor cidadania, consoante sua condição civil.

A Carta Federal vigente, ao instituir a dignidade da pessoa humana como dogma transcendente na esfera constitucional e paradigma no ordenamento nacional, acabou refletindo na mudança desta concepção patriarcal vigente deste o novecentismo.

Agora, o primeiro dispositivo do novo Código Civil proclama que toda a pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil, como ainda que a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida (artigo 2º, C.C.).

Depois de uma luta que começou logo após a Independência, finalmente a lei se curva ao respeito pela pessoa, erigida agora como facho que ilumina o mundo do Direito.

*Desembargador, TJ/RS.

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