A Agência Nacional de Saúde Suplementar implantou, recentemente, no âmbito dos contratos de assistência médico-hospitalar, o sistema chamado TISS (Troca de Informações de Saúde Suplementar), permitindo a inclusão, nas guias de exames clínicos e de intervenções cirúrgicas emitidas pelos profissionais credenciados, a respectiva doença do paciente, traduzida pela chamada CID (Classificação Internacional de Doenças).
Desde que foi anunciado, o sistema implantado pela ANS teve a sua legitimidade questionada, por parte do Conselho Federal de Medicina, dos usuários do sistema de saúde suplementar e, também, dos órgãos de proteção ao consumidor, ao argumento de que a revelação da doença do paciente às empresas de plano de saúde implicará violação do dever de sigilo profissional dos médicos, de modo a ferir o direito à intimidade assegurado pela Constituição Federal.
Sem prejuízo da aparente eloqüência dos argumentos que sustentam a ilegitimidade da TISS, a nós nos parece excessiva e permeada por infundados receios a discussão travada em torno do assunto.
E isso porque, muito embora a justificativa para a instituição da chamada troca de informações tenha se apoiado, teórica e predominantemente, em razões de saúde pública, é mais do que evidente que o seu real propósito —e não há nenhum problema nisso— visou a aparelhar as operadoras de planos de saúde com informações idôneas e oficiais para a segura averiguação de eventuais fraudes cometidas pelos seus usuários.
A experiência demonstra que muitos consumidores, imbuídos por um senso de impunidade que acomete grande parte da população brasileira, prestam informações falsas sobre o seu real estado de saúde no momento da celebração do contrato, com o claro objetivo de pagarem um valor menor da mensalidade e, ainda, eximirem-se dos prazos de carência previstos para alguns tratamentos.
Nesse contexto todo, mostra-se legítimo, além de necessário ao equilíbrio dos contratos de plano de saúde, permitir que as empresas operadoras compartilhem os dados obtidos pelos médicos a respeito do estado clínico do paciente.
Somente com base naqueles dados clínicos, poderá a operadora verificar se o procedimento cirúrgico ou exame solicitado está ou não abrangido pela cobertura médico —hospitalar contratada.
Raciocinar em sentido contrário, impedindo que as operadoras tenham acesso, sob o pretexto do direito à privacidade, aos dados clínicos do paciente, é simplesmente retirar-lhes o direito de apurar se a requisição médica enquadra-se ou não na cobertura contratada, de sorte a fomentar, indiretamente, as fraudes contratuais e o enriquecimento ilícito do consumidor.
O direito à privacidade não poderá, pois, implicar que as operadoras de plano de saúde, em não conhecendo os dados clínicos do paciente, sejam obrigadas a custear todos os tratamentos solicitados pelo médico, inclusive àqueles excluídos da cobertura contratual e cujos prazos de carência ainda não fluíram.
Não foi esse, certamente, o propósito do legislador constitucional, daí porque o direito à intimidade deverá ceder espaço à preservação do sistema privado de saúde.
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Ricardo Amin Abrahão Nacle é pós-graduado em direito processual civil pela PUC-SP, ex-presidente do Conselho de Apoio do Instituto de Aperfeiçoamento ao Direito do Estado, co-autor do livro “Temas Controvertido de Processo Civil” e sócio da Nacle Advogados