A política e o diabo

Poderíamos estabelecer alguma relação entre Hitler, Bin Laden, Bush e os políticos brasileiros? O historiador Rémi Kauffer, observou em seus estudos que governos autoritários trazem em seu bojo a síndrome da diabolização. Mas o que isso significa? Essa prática sempre esteve ligada a ditaduras, na qual o tirano, diaboliza seus opositores e adversários, com o objetivo de justificar e legitimar o perverso tratamento reservado a eles.

Vejamos o caso de Hitler. Na Alemanha, o líder do III Reich apontava com os dedos seus satãs. Antes mesmo de alcançar o poder, seus adversários já estavam bem definidos no livro “Minha luta”, que escreveu enquanto esteve preso na fortaleza de Landsberg. Logo depois que ascendeu ao poder em 1933, Hitler iniciou a caça as bruxas vermelhas e aos judeus. Para legitimar seu poder e suas atitudes, ele luciferizou os descendentes dos hebreus e os marxistas. Em seus discursos, satanizava os seus adversários, pois, eles apareciam como os grandes responsáveis por todo o mal e todas as dificuldades que a Alemanha poderia sofrer. Seus opositores eram pintados como traidores em analogias com o próprio demônio. No entanto, esse estranho fenômeno político de diabolização dos opositores não é reservado apenas aos ditadores. Na década de 1980, o presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, qualificou a União Soviética de “Império do Mal”. Mais recentemente, os atuais inimigos dos Eua, receberam a denominação de “Eixo do Mal”. Essa designação serve para legitimar a ofensiva de uma guerra preventiva contra a Al-Qaeda, o Hezbollah, o Hamas, o Irã, a Síria, a Coréia do Norte e o Iraque, que também não fugiu a essa lógica.

O objetivo dessa prática é criar no imaginário da população, uma relação entre esses grupos ou países com o “Terror”. Mediante essa vinculação com o mal, está forjada a base que sustenta e justifica as ações tomadas para combatê-los. Do lado oposto, Osama Bin Laden, também utiliza constantemente dessas analogias. O líder da Al-Qaeda qualificou o governo norte-americano de “Grande Satã”. Dentre as várias designações desse fenômeno, essa é a declaração mais evidente. Um olhar mais atento revela que essa prática política também está presente no cenário político brasileiro. No Brasil, o vocabulário utilizado muitas vezes não é tão direto e claro como os outros casos citados, mas a intenção é a mesma. Isso fica evidente em declarações, programas eleitorais e discursos de diversos políticos. Tanto a oposição quanto a situação adotam constantemente um comportamento agressivo no qual demonstram claramente a intenção de constranger e insultar seus adversários políticos.

Os partidos de oposição acusam e disparam constantemente contra a situação. Fazem declarações que o coloca como responsável de todos os problemas e fracassos. Não é raro ouvirmos acusações, como a de traidor, bandido, ladrão, vendido, canalha, corrupto, entre outros insultos. A utilização desse discurso pela oposição tem a clara intenção de provocar a desmoralização do governo, isso porque o relaciona com todas as dificuldades e problemas, ou seja, o relaciona com todo o mal que assola a sociedade.

Por outro lado, os partidos da situação não fogem a essa regra. Quando o partido X, assume o cargo que antes era ocupado pelo partido Y, ele trata logo de adotar um discurso que desmoraliza o governo que o antecedeu. A culpa de uma segurança falida, de uma saúde precária, de uma educação ruim, do alto índice de desemprego e do atraso econômico é declarado como um triste legado de quem ocupava o cargo anteriormente. É muito comum ouvirmos um novo governo afirmar que está “arrumando a casa.” Nesse caso, esse discurso cumpre uma dupla função. Em primeiro lugar, o político que pratica essa retórica está satanizando seu rival. E em segundo lugar, não menos grave, está se isentando de responsabilidade.

É impressionante como esse fenômeno político está cada vez mais presente em nossa democracia. E o atual cenário político, evidencia isso com uma clareza ainda maior. O tom dos discursos que os candidatos vem adotando, estão sendo indicados pelos dados das pesquisas. Dessa maneira, o candidato que está correndo atrás na intenção de voto, acaba baixando o nível de sua propaganda e passando a fazer uma campanha cada vez mais agressiva, beirando a baixaria.

A síndrome da diabolização, segundo Kauffer é a negação de qualquer valor presente nas palavras e nas ações dos adversários políticos, é a recusa da veleidade da oposição. No Brasil, direita e esquerda, oposição e situação correm o risco de se perderem entre acusações e insultos. E dentro desse lamentável contexto político, as discussões de projetos, propostas e programas que objetivam satisfazer os anseios do povo, aparecem em um distante segundo plano.

A síndrome da diabolização presente em nossa política é uma prova de que o filósofo Jean Paul-Sartre estava correto: “O inferno são os outros”.

CARLOS BATISTA PRADO, historiador

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