1.Introdução; 2. Conceito de Juros; 3. Qualificação; 4.Os juros sobre a órbita Constitucional (art.192, §3º da CF/88); 5. Decreto nº22.626/33 e Lei nº4.595/64; 6. A Súmula 596 do STF; 7.Conclusão.
Anderson Monteiro
1.INTRODUÇÃO.
Com o fim do escambo, da sobrevivência pela subsistência e o nascimento da relação comercial (mercantilismo), surgiram práticas distorcidas para se auferir o lucro, inicialmente conferido pelo costumes (marcados em seus distintos períodos), e contemporaneamente pela utilização de ferramentas legais para tanto, sendo um delas e assertivamente rendosa que é o computo de um percentual que remunera o capital empreendido, ou seja, os juros.
Não é de hoje que se discute a mais tórrida pratica comercial no mundo jurídico, que beneficia a uma camada – pode-se dizer que pequena, contudo sempre forte – que as instituições financeiras, numa explicita agiotagem legalizada, numa usura camuflada, contra o consumidor (pessoa física ou jurídica), destinatário final do serviço ou produto adquirido ou prestado.
Todas elas, escudadas destacadamente na Súmula 596 do STF, publicada em 1977, ou seja, 11(onze) anos antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, continuam a praticar atos totalmente lesivos aos destinatários finais, abusando das prerrogativas constitucionais postas a todos os cidadãos brasileiros, com claro e inquestionável anatosismo.
Em que pesem pensamentos em favor destas pessoas jurídicas, torna-se imperioso denotar a prática cristalina de usura, causando severos prejuízos de difícil reparação ao consumidor, que se sente atado com tais práticas.
2. CONCEITO DE JUROS
Donaldo J. Felipe define Juros como “rendimento do capital empregado, ou percentagem que rende um capital numa unidade de tempo ou remuneração dos investimentos de capitais feitas a título de empréstimo a terceiros”.
A Dra. Maria Helena Diniz , expõe que Juros “são o rendimento do capital, os frutos civis produzidos pelo dinheiro, sendo, portanto, considerados como bem acessório (CC. art.60), visto que constituem o preço do uso do capital alheio, em razão da privação deste pelo dono, voluntária ou involuntariamente. Os juros remuneram o credor por ficar privado de seu capital, pagando-lhe o risco em que incorre de não mais o receber de volta”.
Assim analisando arrisco-me em dizer que: Juros são frutos ou rendimentos extraídos do capital, produzido pelo dinheiro, oriundo de num negócio jurídico bilateral , representando num percentual (taxa de juros), que não poderá ultrapassar ao limite imposto pela legislação vigente.
3. QUALIFICAÇÃO
Juros moratórios, cabe a sua aplicação à parte que não cumprir a obrigação no prazo, em regra convencionado, no negócio jurídico, que incidirá no dia subseqüente a data do vencimento.
Juros compensatórios, incide sobre o mútuo do dinheiro de maneira remunerada, pactuado numa porcentagem que não ultrapasse o permitido legal.
Reside neste ultimo a contenda principal pertinente a aplicação dos juros, tendo em vista do crescimento maciço de empréstimos realizados entre consumidor e bancos, por meio de contratos de adesão, com cláusulas abusivas, suscetíveis de revisão contratual diante da imputação de juros escorchantes.
4. OS JUROS SOBRE A ÓRBITA CONSTITUCIONAL. (art. 192 da CF/88).
O tema em tela, biparte-se, em duas correntes – sendo uma delas calcada pelo Supremo Tribunal Federal – dizendo que §3º do art. 192 (distribuído em 8 incisos e 3 parágrafos), trata-se de dispositivo que não possui auto- aplicabilidade, e por isso depende de lei complementar que possa dispor sobre a questão dos juros reais de teto máximo de 12% (doze por cento) ao ano, isto é, que o parágrafo em referência carece de complemento por outra norma – in casu seria complementar- por força do caput do art.192 – para se tornar exeqüível e de eficácia imediata.
Outra corrente por sua vez, prepondera que o referido artigo explicita auto-aplicabilidade e exeqüibilidade não necessitando de norma infraconstitucional para regular tal assunto, posto se apresentar de maneira autônoma.
As posições de renomados juristas sobre assunto tão polêmico na seara constitucional, são infindáveis e brilhantes merecendo todos o devido respeito. Em verdade, apesar de filiar-me à auto-aplicabilidade do dispositivo em comento, creio ser dispicienda calcar-me nas exposições que açambarcam ambos sentidos, porque, sendo a norma auto-aplicável ou não, os juros sobre qualquer enfoque sempre terá o teto máximo estipulado de 12% (doze por cento) ao ano, bastando atentar-se a uma interpretação que define o assunto de forma simples.
Basta perguntar (principalmente aos operadores que seguem a vereda da não-auto aplicabilidade) o seguinte:
1) O §3º adstrito no art. 192 da Lei Maior de 1988, depende de outra norma para ser executada, uma vez não possuir auto –aplicabilidade? A resposta será: Sim. 2) Esta lei menor regulamentará os juros já limitados no §3º? Resposta: Sim. 03) Então: Ora se o §3º não é auto-aplicável, logo depende de outra norma para ser executada, poderá a Lei Complementar (vide caput do art.192), dispor limite de juros maior ao preconizado no parágrafo em comento? Resposta: Não. 4) E por que? Resposta: Porque se lei inferior determinar o uso de juros maior do que a Carta Magna reza, estará a mesma contrariando materialmente dispositivo constitucional, logo, será inconstitucional, obrigando o legislador modificar o art. 192, de forma que permita a utilização de juros, maior, ou se preferir juros de mercado, para validar-se. Portanto a lei menor deve ser criada com o limite constitucional de 12% (doze por cento), o qual se harmonizará com a Carta Política de 1988.
Por isso prefiro compartilhar, sobra esteira das posições doutrinárias que adotam a auto-aplicabilidade do § 3º, pois qual o efeito em surgir uma norma inferior que regule a máxime de 12% (doze por cento) de juros, sendo que tal piso encontra-se cristalizado na Lei Maior de 1988?
Destarte, auto-aplicável ou não o §3º do art. 192 da Constituição Federal de 1988, a limite máximo dos juros, não se esquivando as instituições financeiras, será constantemente 12% (doze por cento) ao ano, como prescrito no dispositivo em comento, pois, ainda que o parágrafo dependa da criação de outra norma pelo legislador ordinário, frisa-se, não poderá ultrapassar o limite exposto na Constituição Federal, o que vem corroborar a eficácia plena e auto-aplicabilidade deste artigo.
Tratando isso, mister trazer a baila o observado pelo ex- Ministro Paulo Brossard , em seu voto que no ADIN nº04-DF dissertou: “Tenho para mim que o § 3º do art.192 tem em si mesmo elementos bastantes para imperar desde logo e independente de lei complementar, até porque esta, querendo ou não o legislador, não poderá deixar de ter como juro máximo 12% ao ano, incluídas nessa taxa que, aliás, não é nova entre nós, toda e qualquer comissão ou tipo de remuneração direta ou indiretamente referida à concessão de crédito (…)”.
Por fim, não se pode perder de vista que referido assunto já se encontra apontado em leis esparsas, como Código Civil, Lei 22.626/33, Lei 4.595/64 e Lei 1.251/51 e o Código de Defesa do Consumidor, entre outros.
Nesse sentido expõe o Dr. Nelson Zunino Neto que: “Todavia, se a norma contida na Carta Política de 88 é ou não de eficácia plena, auto-executável, a questão é menor, desimporta ao debate, pois o limite legal é o da Lei da Usura, contra a qual não haverá privilégio a oligopólios financeiros. Esta é a segunda via pela qual se pode estudar a usura em território brasileiro: a legislação ordinária, infraconstitucional”.
5. Decreto nº 22.626/33 e Lei 4.595/64
Outros assuntos de vasta polêmica convergiram para o Decreto 22.626/33 e à Lei 4.595/64, onde os doutrinadores pautam que o decreto teria sido revogado pela lei e outros por seu turno, pugnam que a Lei 22.626/33, nunca fora revogada em tempo algum, mas sim, está presente harmonicamente com a Lei 4.595/64.
Ocorre que pelo estabelece o art. 2º, §1ºe §2º da LICC, a Lei nº 4.595/64 JAMAIS poderia – como não pode – revogar o Dec.nº 22.626/33, porque aquela não se encontra nos termos da LICC. Deveras, pois em nenhum momento aduziu a Lei 4.595/64 que revogara qualquer dispositivo do decreto, mas nos faz inferir total compatibilidade de normas, não havendo que se ventilar qualquer divergência entre ambas.
Noutro lanço enfatiza doutrina, ainda sob escopo de arredar a vigência do Decreto nº 22.626/33, que tal diploma fora revogado por decreto sem número de 25 de abril de 1991, período do Governo Collor, emanado do Poder Executivo, o que mais uma vez,não merece qualquer amparo legal, posto que tal ato, não tem supedâneo assaz a ponto de retirar a vigência do Decreto nº 22.626/33, uma vez possuir este força de lei. Sobremais, não é competência do Poder Executivo, revogar o diploma em tela, in casu, que concerne à usura, justamente porque tal munus cabe ao Congresso Nacional, haja vista que reside nesta casa legislar e por conseguinte revogar lei ou Decreto com força de lei.
Theotonio Negrão observou muito bem essa questão quando assim ressaltou: “Este Dec. foi considerado revogado pelo Dec. s/n de 25.04.91. É claro que não podia ser revogada por simples decreto do Executivo, porque se trata de decreto com força de lei. Aliás, o Dec. s/n de 29.11.91 tornou-se sem efeito a revogação do Dec. 22.626”.
Na mesma vereda elucida com maestria o Dr. Nelson Zunino Neto em negar qualquer revogação do Dec. 22.626/33, porque:
“A uma porque, mesmo que fosse uma lei, revogadora, não perdeu a vigência, mas simplesmente teve um de seus dispositivos declarado ineficaz, e portanto não se aplica a norma da LICC”.
A duas porque não é uma lei revogadora, e sim um mero decreto presidencial, do Poder Executivo, que não tem a mínima força para revogar uma lei. O Decreto 22626/33 tem força de lei, apesar do nome, em razão do sistema legislativo da época, e não poderia ser revogado por um decreto do Executivo, muito menos depois da Constituição de 1988”.
Todavia, é preciso insistir ainda que a Lei nº. 4.595/64, não tem préstimos para viger, – ao menos exige modificação no art. 1º deste diploma – primeiro porque a Lei Fundamental de 1988, transferiu a assunção de legislar ao Congresso Nacional mormentemente no que se refere a “matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações” (art. 48, XII da CF/88), segundo, o Texto Maior ceifou a delegação de legislar sobre matéria de lei complementar ao Poder Executivo (art.68, §1º), cabendo apenas ao Executivo prosseguir com fidelidade o cumprimento da lei (art.84, IV).
Ao ensejo de concluir este item, temos que o Dec. 22.626/33, nunca foi revogado por nenhuma lei, tampouco por qualquer decreto, vez que sucessivas tentativas eivadas de flagrante inconstitucionalidade restaram inócuas para extingui-la. Por outro lado é imprescindível afirmar que o decreto em comento tem total respaldo jurídico inclusive para fins de servir como fundamento contra as instituições financeiras, como se verá alhures, ser totalmente crível, não merecendo qualquer guarida diante do Estado Democrático de Direito, aplicação contrária.
6. A SÚMULA 596 DO STF.
Temos aqui outro impasse que vem sufragado pelas instituições financeiras, como justificativa de esquivarem-se em se enlearem as leis esparsas que vedam absolutamente a usura, com o fim de computarem percentuais de juros a cima deles, como já mencionado, agiotagem camuflada.
Com a devida venia a opiniões contrárias, mas a Súmula 596 editada pelo Supremo Tribunal Federal, não tem mais a pecha para manter-se diante do atual ordenamento jurídico enraizado, após a promulgação da Lei Fundamental de 1988, mormentemente porque tal aresto encestava-se questões políticas, econômicas e financeira da época que se vinham somando.
Com efeito, antes de 1976/1977, passou o País por um caminho extremamente complicado como: longos anos de governo militar, surgimento do milagre econômico brasileiro, choque do petróleo que fortemente influenciou certamente nossa economia pela nossa total dependência nesse combustível, aumento da divida externa que deixou de ser uma soma sensível para valores de níveis absurdamente autos, por ultimo e de maior relevo, o aumento galopante da inflação, que chegou até a faixa de 1000% ao ano, vindo a sua estabilidade recentemente, mais precisamente em 1994.
Temos portanto, que os pontos principais acima mencionados deram respaldo a decisão do STF, até porque não se pode perder de vista que as instituições financeiras estavam sobre o manto da Lei 4.595/64, mais precisamente no art.4º, IX e X, onde o Conselho Monetário Nacional, a que tinha a atribuição de “limitar” onde estabelecia o limite dos índices de juros nas transações principalmente no que se referia a empréstimo a qualquer cliente, estando hoje prejudicado o diploma em tela, pelos dispositivos constitucionais, ex vi, art. 48, caput, XIII, combinado com o art.68, §1º da Lei Ápice.
Posto isso, cumpre preliminarmente observar que a decisão do STF, afronta amplamente todas as disposições constitucionais e leis esparsas, a exemplo o Código de Defesa do Consumidor Lei 8.078/90, o Decreto nº 22.626/33(conhecido como Lei da Usura,), a Lei nº 1.521/51 (estas duas embora nascidas antes da promulgação da Lei Maior de 1988, estão presentes até o momento, pelo principio da recepção).
De fato, sobre a esteira constitucional temos a violação aos princípios da cidadania (art.1º, caput, II, da CF/88) da pessoa humana (art, 1º, caput, III, da CF/88), arreda-se dos objetivos fundamentais do Estado (art.3º e incisos da CF/88), no que tange as garantias ofendidos temos: principio da igualdade (art.5º, caput, da CF/88), legalidade (art.5º, caput, II, da CF/88), que afeta o direito de propriedade (art. 5º, caput, XXII da CF/88), violação a defesa do consumidor (art. 5º, caput, XXXII, e art.170, caput, V, da CF/88), atinge frontalmente ao direito de petição na eminência de grave lesão ou ameaça do direito (art.5º, caput, XXXV, da CF/88), e por fim o Sistema Financeiro Nacional (art.192, caput, §3º, da CF/88)
Ora, em plena vigência da proteção de direitos a todos os cidadãos brasileiros voltados para estabelecer o fim social, em que os ordenamentos expurgam qualquer prática abusiva de juros, o locupletamento ilícito, a prática de cláusulas contratuais abusivas (de formato unilateral, uma vez que a maioria, senão todos os contratos são de adesão), e erige o principio do equilíbrio contratual, a boa-fé na execução dos contratos, a quebra da onerosidade excessiva contra o consumidor, a mantença dos princípios fundamentais do sistema jurídico (art.51, caput, §1º, I da Lei nº 8.078/90), não que se admitir o passo abusivo das instituições financeiras.
Até porque, o consumidor, para que realize determinada conduta (seja comercial ou civil), depende dos serviços postos pelos bancos e outras empresas que exploram esse tipo de atividade, uma vez que o mercado se adaptou devendo esse controle majoritário, decair a cobrança de taxas, juros e outros índices (nossa inflação não chega ao valor cobrado) de serviência especulativa financeira de massas.
A guisa do todo o exposto, há que conclamar que a Excelsa Corte do nosso País analise a posição das Instituições Financeiras, a fim de que as restrinja às normas esparsas e principalmente aos dispositivos constitucionais, sob o escopo de que propale decisões que se harmonizem com a atual conjuntura econômica-financeira do Estado (veja que a inflação atual não ultrapassa a casa dos 10% anual), das camadas sociais mais baixas, que estão mais acessíveis às instigações enganosas das instituições financeiras, para que as mesmas lancem juros compatíveis, sob pena de responderem as cominações legais postas a requerimento destes mesmos cidadão, que não podem reclamar práticas distorcidas engendradoras de lucro – que lustra apenas um lado da moeda – face da decisão que ao meu ver perdeu seu efeito, com o advento da Constituição Federal promulgada em 1988.
7. CONCLUSÃO.
Qualquer que seja a aplicação de juros pelas instituições financeiras, não poderão os mesmos ultrapassar o teto máximo de 12% (doze por cento) ao ano, primeiro pelo que reza o §3º do art. 192, da Lei Maior de 1988, ou então, por meio de analise sistemática de normas esparsas que vedam a usura, o locupletamento ilícito, a capitalização de juros, e consideram crime a sua prática que não esteja nos limites da lei.
Independe dizer se o dispositivo constitucional em comento, possui auto-aplicabilidade ou não, se necessita de lei que a regulamente porque: a) lei inferior não poderá dispor de juro maior que o limite prescrito na Constituição Federal de 1988, §3º, art.192; sob pena de tornar a lei infraconstitucional, inconstitucional e b) qualquer lei constitucional que tem efeito, proibitivo, tem eficácia, já que não existe nenhum dispositivo constitucional que não seja dotado de tal elemento, mesmo que seja mínima como as normas programáticas.
O contexto o qual serviu para o julgado da Súmula 596, bem como, para lastrear a não auto-aplicabilidade do §3º, do art. 192 da CF/88, não descabe a nossa realidade financeira atual, onde se tinha uma taxa inflacionária que ultrapassa valores acima da casa de 03(três) dígitos e hoje em dois com a máxime de 10% ao ano, sendo que as instituições financeiras atuam na faixa de 10% a 12% ao mês.
Há várias leis esparsas que tratam sobre assunto coadunando harmoniosamente com os ditames constitucionais, como: Lei de Economia Popular (Lei nº1.521/51), Decreto Lei (Lei nº 4/62), Lei dos Crimes Contra a Ordem Econômica (Lei nº 8.137/90), Lei do Plano e Seguro-Saúde (Lei nº9.656/98), o próprio Código de Defesa do Consumidor (Lei nº8.078/90), Decreto nº 22.626/33, todas elas, que vedam expressamente qualquer forma de onerosidade unilateral as partes contratantes, que regidos pelo principio da vulnerabilidade, escuda aos cidadãos brasileiros.
Anderson Monteiro é advogado em São Paulo