A redução da maioridade penal

Nos últimos dias, em toda a imprensa quer seja escrita ou falada, o que mais se discute é sobre a violência, seus reflexos e medidas para podermos coibi-la.

O respectivo debate ganhou mais ênfase após a morte brutal do menino João Hélio. Todavia, não podemos levar projetos de lei ou discutirmos assuntos tão importantes só após momento de comoção nacional, pois o cenário é permeado pela emoção e pela indignação social, onde cada vez mais a sociedade se vê cansada de pagar impostos e não ter de volta do Estado garantia de serviços públicos básicos.

Todos nós, em referência à mazela social que envolvem adolescentes, devemos tirar primeiramente a venda de nossos olhos e olharmos ao redor para verificarmos o que fazemos ou já fizemos para ajudar pessoas que vivem na mais completa miséria.

Não é necessário fazermos diversas pesquisas para verificarmos que o início da raiz do problema encontra-se na pobreza, onde temos um país que é marcado pela desigualdade social.

Podemos também verificar que se 80% dos adolescentes encontram-se matriculados em escolas, apenas 40% estão no nível adequado à sua idade, bem como, à medida em que aumenta a idade, diminui-se a escolarização.

A escola pública encontra-se em crise, onde as crianças que estão terminando a 4ª série não sabem na maioria das vezes ler e escrever direito ou efetuar operações de matemática, conforme atestam os últimos levantamentos do Ministério da Educação.

Ao contrário do que se argumenta, nossos adolescentes são muito mais vítimas do que algozes nessa triste guerra.

O Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente determina que o percentual de jovens com idade inferior a 18 anos que comete atos infracionais é de menos 1% da população total nessa faixa etária.

O jornal O Globo, na edição de 23 de fevereiro de 2007, através de dados divulgados pela Subsecretaria dos Direitos da Criança e do Adolescente, informou que o Estado brasileiro gasta R$ 4.400 por mês para manter um adolescente internado nessas instituições.

Para se ter uma comparação, o custo de um aluno do ensino fundamental é de cerca de R$ 1.900 por ano, portanto, o custo de um adolescente internado equivale ao gasto com 28 estudantes de ensino fundamental. O respectivo dado demonstra que o melhor caminho pra prevenir a violência é o investimento maciço em educação.

A maioria das pessoas comenta que o Estatuto da Criança e do Adolescente não pune com rigor os menores que cometem crimes, com certeza as pessoas que têm esta concepção é porque nunca leram o estatuto ou não estão engajadas nos debates que são efetuados constantemente, quer a nível nacional ou internacional para estudar metas de melhor aplicação.

No Brasil, existem cinco medidas que podem ser aplicadas para coibir a marginalidade dos adolescentes, contudo, a priorização é geralmente para internação nas instituições.

Apesar de existir uma resolução do Conanda que determina que as instituições devem abrigar no máximo 40 adolescentes, isto na prática não acontece. Também podemos verificar nessas instituições que os adolescentes não são separados por faixa etária e por tipo de delito.

A maioria das pesquisas demonstra que as instituições que abrigam estes jovens possui estrutura tipicamente de prisão, sendo mais preocupadas na manutenção da segurança, do que no desenvolvimento de propostas sócio-educativas.

O problema, portanto, não está no estatuto (ECA), mas sim na falta de aplicação de seus preceitos por muitos governantes.

Diversos estudos, quer seja no Brasil ou no exterior, determinam que aumento de pena não inibe a criminalidade, mas sim a certeza de sua punição.

A mania brasileira de achar que tudo se resolve mudando as leis é descabida, pois todos nós sabemos que menos de 3% dos crimes cometidos no país são esclarecidos e seus autores processados.

O que precisa ser adotado é um conjunto de medidas em várias áreas para melhorar o sistema, destinando mais recursos e aplicá-los de forma racional e transparente, como no aprimoramento de polícias, melhoria na remuneração dos profissionais voltados a área de segurança pública, combate a corrupção e reformulação do sistema penal e principalmente dos códigos Penal e de Processo Penal, além de tornar a Justiça mais ágil.

A preocupação em redução da idade penal sem certeza de punição poderá gerar um índice de recrutamento ao crime organizado precoce ocasionando um tempo maior de especialização no crime.

Também não podemos esquecer que o Brasil é signatário da Convenção dos Direitos da Criança e do Adolescente, bem como de outros diversos documentos internacionais que trabalham com a idade de 18 anos para definição de adulto. Existe um comprometimento a não se modificar as leis internas em detrimento dos interesses daqueles que são protegidos pela norma internacional.

As entidades voltadas às questões das Crianças e Adolescentes estão efetuando várias lutas para procurar minimizar a violência dos adolescentes, bem como colocá-los novamente na sociedade.

O Conanda aprovou em 2006 o Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo), que prevê novas diretrizes no funcionamento para internação e cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto, bem como o projeto de lei de execução de medidas socioeducativas, que se encontra em análise no Executivo, portanto, estas iniciativas dependem de interesse e discussão do governo.

Mudar a lei sem dúvida vai servir para fazer demagogia e esconder os graves problemas sociais que o Brasil tem, onde verificamos que os direitos fundamentais da maioria da população não são respeitados.

Precisamos verificar a questão do adolescente sob duas fases: 1 — a ótica da culpa do jovem e a necessidade de puni-lo com rigor; 2 — a ótica da responsabilidade de toda a sociedade.

É uma hipocrisia achar que a explosão da violência urbana está dissociada das questões sociais, que vivenciamos todos os dias em sinaleiros, busca de empregos etc, fatores estes que conduzem a inclusão no mundo de barbárie.

É mais fácil, simples e barato criar projetos para prender mais pessoas do que se investir na cura da sociedade da qual foram gerados. Afinal, os presídios de segurança máxima são como monumentos para países com educação de qualidade mínima.

Nosso país não precisa fazer mais leis para não serem cumpridas em sua integralidade ou esquecidas, precisamos é ter coragem de assumir os conceitos e medidas instituídas no Estatuto da Criança e do Adolescente, com a certeza que as mesmas serão cumpridas com rigor, bem como ressocialização, pois só assim teremos a grande meta de um crescimento social e caminho para fim da violência.

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Gislaine Barbosa de Toledo é advogada do Fernando Quércia e Advogados Associados

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