A reforma agrária no Brasil

1. Introdução

O Estatuto da Terra (Lei n.º 4.504/1964), que é o Código Agrário brasileiro, examina em muitos artigos o problema da reforma agrária e da política fundiária, adotando o método liberal e democrático de solução da matéria.

Considera como reforma agrária o conjunto de medidas que visem a promover a melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade (Estatuto da Terra, art. 1º, § 1º.

Não se deve confundir reforma agrária com política fundiária, entendida esta como um conjunto de providências de amparo à propriedade da terra que se destinem a orientar, no interesse da economia rural, as atividades agropecuárias, seja no sentido de garantir-lhes o pleno emprego, seja no de harmonizá-las com o processo de industrialização e desenvolvimento do país.

A Lei n. 8.629/1993 regulamenta e disciplina as disposições relativas à reforma agrária, previstas no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal de 1988 (arts. 184 a 191).

2. Conceito de reforma Agrária

Etimologicamente, reforma vem das palavras re e formare. Reforma significa mudar uma estrutura anterior, para modificá-la em determinado sentido. O prefixo re significa a idéia de renovação, enquanto formare é a maneira de existência de um sentido ou de uma coisa. Reforma agrária é, pois, na acepção etimológica, a mudança do estado agrário vigente, procurando-se mudar o estado atual da situação agrária. E esse estado que se procura modificar é o do feudalismo agrário (que influenciou o surgimento das sesmarias e capitanias hereditárias no Brasil colonial) e o da grande concentração agrária (latifúndios) em benefício das massas trabalhadoras do campo. Por conseqüência, as leis de reforma agrária se opõem a um estado anterior de estrutura agrária privada que se procura modificar para uma estrutura de propriedade com sua função social.

“Reforma agrária é a revisão, por diversos processos de execução, das relações jurídicas e econômicas dos que detêm e trabalham a propriedade rural, com o objetivo de modificar determinada situação atual do domínio e posse da terra e a distribuição da renda agrícola ” (Nestor Duarte, Reforma agrária, RJ, 1953).

“Reforma agrária é a revisão e o reajustamento das normas jurídico-sociais e econômico-financeiras que regem a estrutura agrária do País, visando à valorização do trabalhador do campo e ao incremento da produção, mediante a distribuição, utilização, exploração sociais e racionais da propriedade agrícola e ao melhoramento das condições de vida da população rural” (Coutinho Cavalcanti, Reforma agrária no Brasil, SP, 1961).

Vale mencionar a maneira como a sociologia marxista encara o problema da reforma agrária. Esta é reputada como o confisco das terras dos grandes senhores rurais, para favorecer as massas campesinas (proletariado). A terra é nacionalizada e passa ao controle do Estado, que a arrenda a título perpétuo ao campesinato, por meio das fazendas coletivas, como na extinta União Soviética, ou passa ao controle dos novos proprietários campesinos, como na China Socialista, sem prejuízo da apropriação futura do Estado.

A Constituição Federal de 1988 estabelece a distinção entre reforma agrária, política agrária e política fundiária.

Reforma agrária é uma revisão e novo regramento das normas disciplinando a estrutura agrária do País, tendo em vista a valorização humana do trabalhador e o aumento da produção, mediante a utilização racional da propriedade agrícola e de técnica apropriada ao melhoramento da condição humana da população rural.

Ela deve combater simultaneamente formas menos adequadas de produção, sobretudo o latifúndio e o minifúndio. Mesmo a pequena propriedade familiar, também não apresenta grande grau de produtividade sem as técnicas do crédito e do melhor assentamento do homem à terra.

A reforma agrária não se confunde com a política agrária, também prevista na Carta magna. A política agrária é o conjunto de princípios fundamentais e de regras disciplinadoras do desenvolvimento do setor agrícola.

A política fundiária, por sua vez, difere da política agrícola; sendo um capítulo, uma parte especial desta, tendo em vista, o disciplinamento da posse da terra e de uso adequado (função social da propriedade).

A política fundiária deve visar e promover o acesso à terra daqueles que saibam produzir, dentro de uma sistemática moderna, especializada e profissionalizada.

E, nesse contexto, a terra tem uma função social, que é justamente a produção agrícola para alimentar a população humana e a sociedade urbanizada. E a redistribuição das terras é normalmente um dos principais objetivos de qualquer programa de reforma agrária.

3. O problema agrário na CF/88 e na Lei 8.629/93

A Constituição brasileira de 1988 apresenta-se progressista no plano agrário, porém com traços conservadores devido à herança cultural privada do país. Os institutos básicos de direito agrário (o direito de propriedade e a posse da terra rural) são disciplinados e o direito de propriedade é garantido como direito fundamental, previsto no art. 5º, XXII, da atual Lei Magna. A CF/88 procura compatibilizar a propriedade com a função social, para melhor promover a justiça comunitária. O texto da Lei Maior permite à União desapropriar por interesse social o imóvel rural que não esteja cumprindo a função social prevista no art. 9º da Lei nº 8.629/93, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação de seu valor real, resgatáveis no prazo de 20 anos, a partir do segundo ano de sua emissão, em percentual proporcional ao prazo, de acordo com os critérios estabelecidos nos incisos I a V, § 3º, do art. 5º da Lei nº 8629/93. Entretanto, as benfeitorias úteis e necessárias serão indenizáveis em dinheiro.

O Decreto que declarar o imóvel rural como de interesse social, para efeito de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação. As operações de tranferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária bem como a transferência ao beneficiário do programa, serão isentas (imunes) de impostos federais, estaduais e municipais (art. 26, Lei n. 8.629/93).

Determinados tipos de propriedade formam um núcleo inacessível à reforma agrária, sendo portanto, insuscetíveis de desapropriação, a saber:

I) a pequena e média propriedade rural (imóvel rural de área entre 1 a 4 módulos fiscais e imóvel rural de área superior a 4 até 15 módulos fiscais, respectivamente), desde que o proprietário não possua outra;

II) a propriedade produtiva (que é a explorada econômica e racionalmente, atingindo, simultaneamente, graus de utilização da terra e de eficiência na exploração, segundo índices fixados pelo órgão Federal competente).

Os requisitos exigidos, para que a função social da propriedade rural seja cumprida são: I- aproveitamento racional e adequado; II- utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III- observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV- exploração que favoraça o bem-estar dos proprietários e trabalhadores.

Os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária receberão o título de propriedade ou de concessão de uso, que são inegociáveis pelo prazo de 10 anos, podendo tais títulos serem objeto de conferência ao homem ou a mulher.

O orçamento da União fixará, anualmente (Plano Plurianual), o volume de títulos de dívida agrária e dos recursos destinados, no exercício, ao atendimento do Programa de Reforma Agrária; devendo constar estes recursos do orçamento do ministério responsável por sua implementação e do órgão executor da política de colonização e reforma agrária (INCRA).

4. Conclusão

Por tudo isso, a importância da reforma agrária é decisiva porque permite e consolida a estabilidade econômico-financeira de um país. Nenhuma nação poderá ser própera enquanto seu campesinato estiver na miséria social-econômica. Daí a necessidade premente da “libertação” dos camponeses, numa base econômica de aliança harmônica entre o proprietário e os trabalhadores rurais. Como afirmou o nobre Deputado Federal Pernambucano Oswaldo Lima Filho, em memorável discurso pronunciado na Câmara dos Deputados, em 02/09/1985, sobre a questão agrária e o 1º Plano Nacional de Reforma Agrária: “Não é justo que milhões de trabalhadores brasileiros continuem em condições de pobreza absoluta, enquanto grandes proprietários detenham hoje a propriedade de centenas de milhares de hectares em grande parte improdutivos”.

Por consequência disto, a reforma agrária não é contra a propriedade privada no campo. Ao contrário, descentraliza-a democraticamente, favorecendo as massas e beneficiando o conjunto da nacionalidade. É um imperativo da realidade social atual, devendo atender a função social da propriedade, evitando-se assim, as tensões sociais e conflitos no campo. Uma reforma agrária no País, moderada e sábia, será uma das causas principais do progresso nacional.

BIBLIOGRAFIA:

1. PINTO FERREIRA, Luis. Curso de Direito Agrário: de acordo com a Lei n.º 8.629/93. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1995.

2. BORGES, Paulo Torminn. Institutos básicos do direito agrário. 6ª ed. São Paulo, Saraiva, 1991.

3. COUTINHO CAVALCANTI. Reforma Agrária no Brasil. São Paulo, Ed. Autores Reunidos, 1961.

4. DUARTE, Nestor. Reforma Agrária. Rio de Janeiro, MEC/SD, 1953.

5. LIMA FILHO, Oswaldo. A Questão Agrária. Centro de Documentação e Informação – Coordenação de Publicações/Câmara dos Deputados, Brasília, 1985.

6. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. 20ª edição, atualizada e ampliada. Ed. Saraiva, São Paulo,1998.

*Clóvis Antunes Carneiro de Albuquerque Filho
Acadêmico de Direito na Faculdade de Ciências Humanas de Pernambuco (SOPECE).

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