A reforma, aprovada em 2004, é uma punição para os juizes

por Celso Luiz Limongi

A Constituição Federal de 88 ampliara a função política do Judiciário, principalmente por criar a Ação Civil Pública, e por aumentar o rol dos legitimados, em relação à Ação Direta de Inconstitucionalidade. Com isso, o Judiciário ganhou o poder de fiscalizar mais intensamente o Executivo e o Legislativo, impedindo-os de agir livremente. Hoje, o Judiciário é um poder que incomoda e se coloca como obstáculo aos planos econômicos que querem se sobrepor até à Constituição, e passa a proteger com mais eficácia o indivíduo e a sociedade de atos de improbidade e de má administração.

Os documentos libertários mais relevantes da história da Humanidade afirmam, como condição para a existência de um Estado Democrático de Direito, a independência do Judiciário. Assim dispôs a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, bafejada pelos ideários iluministas de vultos da envergadura de Voltaire, Rousseau, Montesquieu, Diderot.

A reforma criou verdadeiro diploma penal para os juízes: o Conselho Nacional de Justiça, com competência até para aposentar compulsoriamente o magistrado, é integrado, entre outros, por dois advogados, mandato de dois anos, possível uma única recondução. Contudo, o advogado, em ação judicial, representa os interesses de uma das partes e estranhamente será o fiscal do juiz! Um impedimento temporário, o do exercício da advocacia, não resolve: ninguém deixará sua vitoriosa banca de advocacia para ocupar cargo de conselheiro. Muito mais provável que o conselheiro mantenha o escritório, sem assinar as petições, falta funcional, a justificar sua demissão do cargo…

Na mesma situação estarão os membros do Ministério Público, pois também representam titulares de direito, figurando em um dos pólos de ações judiciais. Sentir-se-á o magistrado livre para decidir de acordo com a lei e sua consciência? Poderá suportar as pressões exercidas por essas instituições e pelo poder político? Afinal, duas outras pessoas integrarão o Conselho, uma indicada pelo Senado e outra pela Câmara Federal. Certamente o partido do governo procederá às indicações. E tal injunção política contribuirá para reduzir a independência do Judiciário.

O Judiciário foi punido. Essa foi a mensagem demagógica que os Poderes Legislativo e Executivo quiseram passar para a sociedade. Mas, a morosidade na solução dos processos interessa a muitos. Aos Executivos federal, estaduais e municipais, porque suas dívidas são postergadas por anos a fio. Interessa aos grandes devedores, diante dos juros legais, muito mais baixos do que os praticados pelos bancos. Aos advogados, que não raro contratam honorários mensais e se valem dos instrumentos legais para medidas procrastinatórias. Em um único processo podem caber 53 recursos em primeiro grau!

O Poder Judiciário não é dotado de efetiva autonomia financeira. Não é encarregado da segurança pública nem da atividade policial. Não tem culpa pelo falta de recursos das Polícias Civis e Militares ou pela baixa remuneração desses agentes. Não é responsável pela insuficiência de juízes no país nem pela edição da Lei de Responsabilidade Fiscal, que estrangula e inviabiliza seu normal funcionamento, como observa Odorico Menin. Não lhe cabe culpa pelo número excessivo de recursos processuais nem pelo calote oficial dos Executivos, em seus três níveis. Muito menos pelos finais melancólicos das CPIs.

A reforma, que cria o conselho externo, que lhe permite aposentar magistrados, que adota a súmula vinculante, tornando o juiz mero carimbador de decisões, como disse o desembargador Aloísio de Toledo, impedindo-o de interpretar a lei de acordo com seus fins sociais e beneficiar as minorias, para mitigar as fricções sociais, torna o Judiciário vassalo das transnacionais e do governo federal, com o conseqüente enfraquecimento da democracia, acentuando o desnível entre ricos e pobres.

Celso Luiz Limongi é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e presidente da APAMAGIS (Associação Paulista de Magistrados)

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