João Antonio César da Motta
SÃO PAULO – Não sei se é sentimento comum, mas me causa funda perplexidade cada vez que ouço proposições de reforma do Poder Judiciário. Reformas nas leis processuais são feitas desde meados de 1993 e, realmente, 12 anos após, não se altera o quadro paquidérmico de demandas submetidas à jurisdição e, tampouco, se vêem as mesmas agilizadas quanto a entrega da prestação jurisdicional.
Súmula vinculante é uma situação de cruenta discussão mas que, com todo respeito, nenhum processualista conseguiu divisar que o tema já está positivado no país desde a edição da Lei n.º 9.756, em 1998, a qual alterando a redação do artigo 557 do Código de Processo Civil dispôs que “(…) o relator negará seguimento a recurso (…) em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo Tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior”.
Como se vê, há ordem legal (“(…) o relator negará seguimento”) para o
julgamento, se é aplicada ou não é outra discussão; e,portanto, a “súmula vinculante” já existe no país desde 1998. Alterou-se alguma coisa? Nada, absolutamente nada. Pior, li em reportagem na “Revista Exame” que o Poder Judiciário no Brasil encerra dois problemas, um da demora na entrega da jurisdição e, outro, quando da entrega da jurisdição, em sentenças que fogem de qualquer razoabilidade.
Diz o texto que “(…) No Brasil, um processo judicial leva, em média, 12 anos para ser resolvido. Estima-se que 70% desse tempo é consumido somente com a burocracia dos cartórios. Outros 20% são gastos pelos advogados e apenas 10% são utilizados para a análise dos juízes.
Mas há uma segunda razão, igualmente assustadora, que torna o processo ainda pior que pesadelo. Ele se materializa quando o juiz decide finalmente julgar a ação. Em muitos casos, infelizmente não tão raros, um magistrado sem formação suficiente na área em discussão acaba tomando uma decisão que fere o bom senso. Até que um ponto de vista razoável se imponha, mais tempo se passa” (Revista Exame, de 18/06/2004).
Ora, como bem disse o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Nelson Jobim, em outra reportagem a mesma “Revista Exame”, “(…) ao tomar decisões de qualidade e agilizar o andamento do processo legal, a Justiça contribui para o desenvolvimento do país”. Nada mais acertado. O que se espera e é, efetivamente, o ideal de jurisdição, são decisões de qualidade proferidas no menor prazo possível. Mas o que fazer, qual a saída para o entulhamento dos tribunais com recursos e a virtual bancarrota da jurisdição?
Entendo que a única solução é uma reforma administrativa no Poder Judiciário, evitando, assim, que o Juiz venha a trabalhar para proferir decisões como “conclusos”, “diga o autor”, “diga o réu”, “especifiquem as provas” etc. O juiz deve julgar, todas as demais questões devem estar submetidas às serventias judiciais e a uma gerência de qualidade do titular do cartório que, atualmente, não tem controle sobre sua “produtividade”.
Aliás, especificamente aos serventuários no Poder Judiciário, devem ser cobradas metas de desempenho, segundo critérios estabelecidos pela corregedoria-geral de Justiça, de moldes que não se possam ter nos Cartórios, ou em expedientes de cartórios, os gargalos de jurisdição (que é onde realmente estão). Assim, o “controle externo da magistratura” que, efetivamente como colocado, somente conduz a uma concentração de esforços improdutivos (debater se devem ser chamados de conselheiros-ministros ou Ministros), poderia direcionar-se a algo que realmente haveria de gerar resultados: controle de produtividade nos cartórios judiciais.
Enfim, muito se fala atualmente na privatização da execução, com as próprias partes conduzindo os atos executivos para, apenas quando da expropriação e pagamento ao credor, chamar-se a figura do juiz ao controle da legalidade e da adequada atuação do Estado. Entendo que o conceito está certo, mas a forma errada.
Tenho que há forma de se ampliar o conceito e retirar dos cartórios judiciais a tarefa de meros “carimbadores”, pois mesmo dentro do sistema legal atual se poderia, com sucesso, deixar que as partes, em todos os procedimentos, sob supervisão dos titulares das serventias judiciais, realizassem os pedidos, as defesas a instrução e, finalmente, compilados todos os dados de forma objetiva e ágil, levassem ao juiz (encarregado da jurisdição) o processo para entrega da sentença.
Certo, haveria de se ponderar sobre a colheita de provas, as testemunhas, as perícias, como se retirar do Juiz a intervenção direta sobre isso?
Não há paradoxo algum, o princípio da identidade física do juiz de há muito caiu e, certamente, cada vez mais os magistrados julgam sobre calhamaços de papéis aonde, não raro, um estagiário adredemente preparou um resumo e apontou a localização das principais peças a exame. Quando não faz mais, preparando até mesmo a minuta da sentença. Então, na verdade, trata-se de trazer a verdade à realidade do dia a dia, atribuindo-se ao Juiz sua verdadeira razão de ser como poder do Estado: julgar.
Todos os atos administrativos, de expediente ou de controle dos cartórios seriam, estes sim, da corregedoria e do “controle externo do judiciário”. As partes pedem, contestam, intruem e, tudo orientado com qualidade e eficiência por um titular de cartório judicial, ou mesmo vários delegados dentro de um mesmo Cartório, levam finalmente a um juiz para julgar. Esse, ao meu ver, é a única forma de dar agilidade e efetividade à jurisdição, que se limitaria a sua real razão de existir: julgar.
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