A regulamentação e fiscalização da Internet

Victor Hugo Pereira Gonçalves*

Existe um intenso debate nos meios de comunicação e na sociedade brasileira acerca dos rumos da Internet no desenvolvimento sócio-econômico do país. Tendo em vista as novas perspectivas proporcionadas pela Internet e da sua importância para cada pessoa e empresa, a ANATEL, recentemente, realizou consulta pública n. 372 para receber sugestões acerca dos problemas resultantes das cobrança das tarifas de chamadas do STFC (Serviço Telefônico Fixo Comutado) na Internet e da falta de Provedores de Acesso espalhados no território nacional, sendo que a maioria deles se concentra no Sul e Sudeste. Esta consulta pública objetiva apresentar um estudo para a implementação da universalização dos serviços de Telecomunicações e a inclusão digital da sociedade brasileira na era da Informação. Contudo, a ANATEL está a olhar apenas para um lado da complexidade da Internet. O problema da falta de Provedores no resto do Brasil não se relaciona somente com a tarifa do telefone, mas sim com uma ausência de políticas governamentais para este setor.

A ANATEL adverte, na apresentação dos resultados da Consulta Pública, que a Internet não faz parte dos serviços de Telecomunicações, sendo considerado um Serviço de Valor Adicionado aos serviços de Telecomunicações, pois traz “novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações”, conforme o determinado no art. 61, caput, da Lei de Telecomunicações. Ora, tais argumentos, de forma alguma, podem afastar a ANATEL da regulamentação e fiscalização da Internet no Brasil, como ocorre atualmente.

Primeiramente, é necessário analisar os aspectos técnicos e jurídicos inerentes ao funcionamento das redes de telecomunicações, tal como descrito no art. 60 da Lei de Telecomunicações, que define no seu § 1º:

“Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza.”

A Internet em nada se diferencia, em sua infra-estrutura, de um serviço de Telecomunicação, pois, em sua essência, é um serviço de transmissão de informações, sons e imagens, por meio de linha telefônica, cabo ou por sinais de rádio, de um emissor a um receptor, que podem ser tanto computadores como outros aparelhos eletrônicos (televisão, celulares etc.).

Dessa forma, não há razão técnico-jurídica que fundamente a não-intervenção e omissão da ANATEL para fiscalizar e regulamentar as relações da Internet, relacionadas diretamente com a sua infra-estrutura. E dessa forma prescreve o art. 61, § 2º, da Lei de Telecomunicações, que diz:

“É assegurado aos interessados o uso das redes de serviços de telecomunicações para prestação de serviços de valor adicionado, cabendo à Agência, para assegurar esse direito, regular os condicionamentos, assim como o relacionamento entre aqueles e as prestadoras de serviço de telecomunicações.”

Assim sendo, não se requer que a ANATEL regulamente as relações jurídicas que surjam em razão da relação do Provedor com o usuário ou das relações advindas da utilização deste no e pelo browser de navegação à Internet, por exemplo, crimes na Internet, spam, cookies, vírus, etc., mas sim das relações jurídicas existentes na infra-estrutura de Telecomunicações da Internet, no controle do tráfego de dados e informações, na atuação dos Provedores como prestadores de serviços de Telecomunicações, nas questões relacionadas com a Concorrência entre Provedores e estes com as prestadoras de serviços de Telecomunicações etc.

Da maneira como entende aquela Agência Reguladora, é como se a Internet só existisse apenas pelo que se apresenta na tela do computador ou do celular. Na verdade, a Internet é muito mais do que isso. Ela abrange toda uma infra-estrutura, tais como roteadores, firewalls, linhas de transmissão, Protocolos de Internet (IP), Provedores de Acesso, etc. Esta info-estrutura (infra-estrutura da informação) necessária para interligar os computadores está totalmente desregulamentada e sem fiscalização, à mercê da lei dos mais fortes e poderosos grupos econômicos que dominam e controlam a Internet brasileira e mundial, como também constata Paul Krugman (artigo “A Internet está ameaçada – Serviço de banda larga precisa ser regulamentado”, publicado no Estado de São Paulo em 07.12.2002). Constata-se que o oligopólio mundial das Telecomunicações e Internet só se concretiza pela ausência e omissão das Agências Reguladoras, ao permitirem a atuação desenfreada e perniciosa dos grandes grupos econômicos, que controlam toda a infra-estrutura da Rede, ou seja, todo o fluxo mundial de informações e dados, sem qualquer fiscalização ou legislação específica para isto.

A desregulamentação governamental do setor de Telecomunicações no Brasil gera sérios riscos à livre iniciativa e concorrência na infra-estrutura e no desenvolvimento da Internet e das Telecomunicações no Brasil. Não há qualquer fiscalização ou controle das atividades das prestadoras de serviços de Telecomunicações e dos Provedores de Acesso, nem regulação dos aparelhos e softwares que controlam os dados trafegados pela Rede. Assim, a Internet fica vulnerável, não somente aos ataques de hackers, mas à espionagem industrial, à cartelização de mercados, trusts, monopólios regionais e oligopólios nacionais, que impedem a universalização das Telecomunicações e, conseqüentemente, da inclusão digital de todos os brasileiros.

Disto é exemplo o fato de que a infra-estrutura de Telecomunicações, antes estatal, passou para o controle de empresas privadas como Brasil Telecom, Telemar, Telefônica, que exercem o domínio sobre essas redes físicas. Conforme a Lei de Telecomunicações, estas empresas que compraram o Sistema Telebrás são obrigadas a permitir o uso de sua rede física às empresas-espelhos concorrentes (Intelig, Vésper, etc.).

Pois bem, diante dessa omissão da ANATEL, como também da Secretaria de Direito Econômico, uma empresa de Telecomunicações, que detém a infra-estrutura de redes e cabos de telecomunicações, pode possuir também um Provedor de Acesso à Internet, como é público e notório nos casos Telefônica-Terra e Telemar-IG. Dessa maneira, permite-se o desenvolvimento e a criação de monopólios regionais, que impedem a fomentação e proliferação do setor de Internet no país. A telefônica, ao controlar um provedor de Internet, detém um poder absoluto sobre o tráfego e o fluxo de informações produzidas na Grande Rede. Através de aparelhos e softwares avançados, a telefônica/provedora pode impor e monitorar comportamentos, impedir a livre circulação de informações e pessoas, destruir e bloquear sites, desligar conexões físicas de provedores, etc.

É estranho verificar que a ferramenta jurídica existe, qual seja, a Lei Geral de Telecomunicações nos seus arts. 5 e 61, caput, que visam coibir a concentração deste mercado nas mãos das poderosas telefônicas, mas que não estão sendo aplicados na prática pelos órgãos responsáveis, ANATEL e Secretaria de Direito Econômico, que se omitem em suas funções de regulamentar e fiscalizar com coerções e sanções destes comportamentos existentes.

Dentro destas perspectivas, a ANATEL deve tratar, regular e discutir com a sociedade brasileira os aspectos relacionados com a infra-estrutura das Telecomunicações e Internet. Como regular os aparelhos e ferramentas tecnológicas das telefônicas? Como impedir o monitoramento do fluxo de informações na Internet? Qual a responsabilidade civil das telefônicas sobre interceptações e invasões através de seus roteadores? Esta responsabilidade civil é subjetiva ou objetiva? Existem muitas outras indagações e colocações sobre o assunto que até hoje não foram feitas e que são de suma importância para a expansão e o incremento da Internet, com vistas a permitir a inclusão digital do povo brasileiro à sociedade da informação. Pois, se a ANATEL, responsável por este setor, não coibir este liberalismo eletrônico atualmente vigente, a exclusão digital da população aumentará sensívelmente por falta de opções, além do que todas as informações trafegadas nas redes nacionais de telecomunicações ficarão sob o controle de poucos gigantescos grupos econômicos nacionais e estrangeiros, que vigiarão e monitorarão o dia-a-dia de qualquer pessoa e empresa na Internet, podendo utilizar ou disponibilizar as informações que adquiriram para benefícios próprios ou alheios, assim, obstruindo o desenvolvimento do conhecimento científico no Brasil e no mundo inteiro.

Victor Hugo Pereira Gonçalves é sócio-diretor do Rodrigues Gonçalves Advogados Associados em São Paulo.

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