Manoel Martins Júnior
Advogado em Curitiba
Especialista em Direito Empresarial (PUC/PR)
Sumário: 1. Introdução. 2. Fundamentos históricos da obrigação de indenizar. 2.1 – Evolução do conceito de culpabilidade. 2.2 – A responsabilidade civil no Direito Brasileiro. 3. A responsabilidade civil do fornecedor. 3.1 – A previsão constitucional da defesa do consumidor e a importância do Código de Defesa do Consumidor. 3.2 – A referência no Direito Comparado e o modelo da responsabilidade civil acolhida pelo Código do Consumidor. 3.3 – Princípios protetivos no CDC e o risco de danos ao consumidor. 3.3.1 – O direito à segurança dos produtos. 3.3.2 – O dever de informar do fornecedor. 3.4 – Espectro da responsabilidade objetiva no regime do CDC. 3.5 – Conceituação de fornecedor. 3.6 – Objeto da responsabilização do fornecedor pelo fato do produto. 3.6.1 – O defeito como elemento propulsor da obrigação de indenizar, pelo fato do produto. 3.6.2 – O fornecedor-direito (comerciante) no contexto da responsabilidade do CDC. 4. Excludentes de responsabilidade do fornecedor. 4.1 – Excludente, um parêntesis à teoria do risco. 4.2 – Os institutos do caso fortuito e da força maior e a possibilidade de aplicação no CDC. 4.3 – Risco do desenvolvimento e a responsabilidade do agente produtor. 5. A responsabilidade subjetiva no CDC. O fornecedor como profissional liberal. 6. Conclusão. 7. Referências bibliográficas.
1. Introdução
A lei que dispõe sobre as relações de consumo, está às vésperas de completar uma década de vigência no Brasil. A sua introdução no cenário pátrio, representou conquista jurídico-constitucional das mais elevadas para os seus destinatários principais, os consumidores.
Nery Jr (1992, p. 45-46) enfatiza que a Lei n. 8.078 de 1990, tem uma consistente formação democrática. Destaca a forma como foram conduzidas as discussões acerca do primitivo Projeto de Lei n. 1.149/88, a teor do comando do art. 48 das Disposições Constitucionais Transitórias(1). Conclui, tratar-se de Diploma dos mais valiosos no ordenamento nacional e reconhecido pelos juristas estrangeiros.
O Estatuto Legal tem gênese na Carta Magna de 1988. Os artigos 5o (XXXII) e 170 (V), consagram o direito do consumidor.
O direito do consumidor também está presente no Mercosul. Neste sentido, documentos em consenso, foram, e estão sendo elaborados. Para exemplificar: Resoluções Parciais 123, 124, 125, 126 e 127, todas de 1.996. ATA n. 07, de 10.12.1997 (da Comissão de Comércio do Mercosul) e ATA 08, de 29.11.1997 (do Comitê Técnico n. 7, Comissão de Comércio).
Importa mencionar que o STF na ADIn 319-4-DF(2) – na relatoria do Ministro Moreira Alves –, ressalta a importância da garantia constitucional na defesa dos interesses dos consumidores. No processo em exame, estava em cotejo, a valoração entre os preceitos do ato jurídico perfeito e o direito dos consumidores. A decisão referida realçou a inviolabilidade desse novel princípio; mormente, uma pedra na pilastra no Estado Democrático de Direito.
Portanto, é estreme de dúvidas que o Código do Consumidor protege direitos fundamentais.
A Lei Consumerista ostenta o perfil dos textos legais mais atualizados. Encontra-se em delgada sintonia com a chamada pós-modernidade; caracterizando-se como um microssistema de normas a irradiar seus efeitos nas relações polarizadas por fornecedores e agentes consumistas.
De forma contundente o CDC, no Capítulo IV, faz referência a uma política de proteção à saúde e segurança dos consumidores.
Para o recente Conjunto de Normas, o importante é a qualidade dos produtos e serviços postos à disposição dos utentes. Nesse caso, a prevenção é nota essencial no espírito do Código. Utiliza o CDC a informação para estabelecer a noção preventiva(4).
Assim, os bens de consumo deverão estampar com clareza a existência de alguma nocividade ou perigo existente. A informação funciona como princípio, devendo conduzir-se adequadamente.
A inobservância a esses caracteres, impõe ao causador do dano, o dever de repará-lo integralmente.
A reparação civil com a edição da Lei de 1990 conquistou realce. É nova modalidade de responsabilização. Traz contornos diferençados dos vertidos no Código de Beviláqua. Anuncia in genere a responsabilidade objetiva.
Alguns diplomas legislativos já existentes imprimiam a responsabilidade objetiva, exempli gratia do Decreto n. 2.681, de 7.12.1912 (acidentes nas estradas de ferro).
A teoria do risco, como regramento, pauta-se na composição do dano, sem se apurar a culpa. A simples ocorrência do fato rende ensejo à responsabilidade.
O CDC adotou a técnica jurígena da responsabilidade sem culpa, embora na forma mitigada. O Código, prevendo a teoria do risco, mais facilmente realizará o direito dos usuários de serviços e produtos. De fato, é a tese que melhor se adequa para proteger os consumidores. É que antes de vigorar o Código haviam dificuldades quase que intransponíveis para a configuração do damno, na moldura da Lei Substantiva.
Eis a síntese do brocardo civilista: sem a prova da culpa não há reparação.
Com a assunção do CDC solucionou-se o entrave. O óbice para a concretização do direito não depende mais da prova da culpa. O Código, em casos especialíssimos indica algumas exceções.
Comporta imprimir que, o CDC cuida de interesses e direitos individuais e coletivos. A solução pelos conflitos coletivos é a dinâmica do CDC, a contrario sensu, dos tradicionais estatutos já existentes, como os Códigos Civil, Comercial e Processual Civil.
Acrescente-se a forma diferençada da legitimação, para o exercício da defesa dos direitos insculpidos na Lei n. 8.078.
O tema alvo destas anotações alude à responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do produto no âmbito da Lei multicitada. Os dispositivos 8o a 17 do CDC, serão o objeto desta análise. O enfoque será no concernente à responsabilité civile e suas repercussões.
Figura como principal objetivo estabelecer-se uma correlação entre a análise do texto legal, o pensamento doutrinário e a política de atuação dos tribunais pátrios, na tentativa de elucidação dos pontos nevrálgicos dos desafiadores questionamentos que o assunto circunda.
Certamente que o tema eleito continuará desafiando a argúcia dos estudiosos; dividindo opiniões, das mais abalizadas.
2. Fundamentos históricos da obrigação de indenizar.
2.1 – Evolução do conceito de culpabilidade.
A teoria clássica da culpa encontra o seu principal fundamento no direito justinianeu.
No Direito Romano, a compensação da culpa teve início com a vingança privada(5). O critério primitivo passou a evoluir com a prática da composição voluntária, onde o lesado transigia com o ofensor, em troca de dinheiro ou objetos.
Povos antigos, a exemplo dos babilônios, hebreus, helênicos e indianos, dispunham de legislação própria para combater o ato ilícito perpetrado. O cânon mosaico ou Pentateuco prescrevia com exatidão algumas normas(6).
A pena de Talião foi reproduzida em diplomas que se tornaram multiconhecidos, como o Código de Hammurabi, Código de Manu e a Lei das XII Tábuas.
Por influência dos pretores, no Direito Romano surgiu a Lei de Aquília (286 a. C).
A Lei Aquiliana apresentava três capítulos. Regulava as seguintes situações: (a) a morte de escravos ou quadrúpedes; (b) o dano causado por um credor; (c) o ferimento ocorrido em escravos e animais; (d) a destruição ou deterioração de coisas corpóreas (Alvino Lima, 1998, 19-23).
Com parâmetro no elemento culpa surgiu o germe da reparação(7), a partir da Lei de Aquília. Daí, a expressão: responsabilidade aquiliana.
O artigo 1.382 do Código Civil de Napoleão, de 1804, estabeleceu a responsabilidade com base na culpa, a título de fórmula.
Coube a Saleilles(8) e a Josserand(9) assentarem a responsabilização exclusivamente no fato ou no risco criado: surge então a responsabilidade objetiva. A idéia doutrinária influenciou estudiosos, julgadores e o Poder Legiferante(10).
Alvino Lima (1998, p. 40)(11)põe em relevo a doutrina de Mazeaud et Mazeaud, como uma negativa ao dogma tradicional da responsabilidade mediante a culpa. Os ilustres autores defendem a theoria objetiva, a partir do conceito da culpa in abstrato. Ou seja, não se aprecia a conduta do autor do dano – eis o ponto de toque – por que não se exige a culpa como elemento nuclear da responsabilidade.
O artigo 1.384, § 1o, do Código Civil francês, é interpretado no sentido de consagrar o princípio da responsabilidade sem culpa. O texto assinalado reporta-se a casos de incêndio que causem danos a terceiros. Ratifica a exegese que se empresta ao dispositivo supra, uma Lei de 7.11.1932, a qual conferiu responsabilidade, decorrente de culpa, ao detentor do imóvel onde se originou o incêndio. Restou clara a exceção ao artigo 1.384, § 1o.
O assunto ainda suscitava questionamentos, não fosse o luminoso aresto da Corte de Cassação de Paris, datado de 13.2.1930, aonde ficou incólume a prevalência da teoria do risco.
A Itália também optou pela tese objetiva. O Código de Estrada, de 8.12.1933 (art. 122) e o Civil (art. 2.054, § 2o, inciso) reprisam tal instituto(12).
As modernas codificações têm adotado a teoria do risco, por que cogitada tese expressa o princípio da eqüidade com maior justiça. O Código do Consumidor brasileiro inseriu a responsabilidade objetiva, na forma mitigada, em consonância com as explanações avante.
2.2 – A responsabilidade civil no Direito Brasileiro.
Calcado na doutrina da responsabilidade extracontratual subjetiva, ou teoria aquiliana, o Código Civil pátrio, como nota genérica, perfilhou idêntico posicionamento.
Os artigos 159 e 1.518 do Codex, com clareza dimencionaram o espectro da responsabilização ali arregimentada. Para que o ato ilícito seja reparado, necessária a comprovação da culpa lato sensu do agente causador.
Para a concreção da modalidade extracontratual e sua respectiva compensação, a doutrina nacional é uníssona quanto à implementação dos pressupostos que norteiam a culpa. A saber: (a) o ato ou omissão violadora do direito de outrem; (b) a configuração do dano produzido; (c) a relação de causalidade; (d) a culpa.
Presentes tais elementos, o ato recebe a chancela de ilícito, exsurgindo-se o imperativo dever de ressarcimento.
Não obstante à adoção da teoria de Aquília pela Lei Civilista, no ordenamento jurídico brasileiro existe uma coletânea legislativa que expressa a opinião ou these objetiva.
A legislação esparsa a seguir destacada, ilustra o argumento da teoria do risco: Decreto n. 2.681, de 7.12.1912 (acidentes nas estradas de ferro); Decreto-Lei n. 483, de 8.6.1938 (acidentes no transporte aéreo – Código Brasileiro de Aeronáutica, com a vigência da Lei n. 7.565, de 19.12.1986; Decreto-Lei n. 7.036, 10.11.1944 (acidentes de trabalho); Lei n. 6.938, de 31.8.1981 (danos causados ao meio ambiente).
Todas as normas especiais visavam proteger interesses públicos, e tinha como responsável pela indenização a Administração Pública.
Denari (1997, p. 142-143) observa que os artigos 1.528, 1.529 e 1.546 do Código Civil brasileiro contêm regras de responsabilidade objetiva.
O dano moral foi inscrito na Lei Fundamental de 1.988, em conformidade com o que narram os incisos V e X do artigo 5o. Em nível constitucional inaugurou-se a constitucionalização do dano. Tanto as pessoas físicas como as jurídicas poderão usufruir do comando da Lei Maior(13).
No tocante à teoria objetiva do risco, é oportuno destacar o previso na Constituição da República de 1.988(14). O artigo 21, inc. XXIII, ‘c’, dispõe sobre os danos nucleares, e redaciona que a forma de indenização “independe da existência de culpa”. Igualmente, o disposto no artigo 37, § 6o, faz menção à responsabilidade da Administração Pública centralizada e descentralizada(15), como também dos prestadores de serviços públicos (serviços delegados a particulares).
Na esfera do Código de Defesa do Consumidor, o tema encontra-se veiculado nos artigos 12, 13 e 14. O Código acolheu a teoria da responsabilidade objetiva do risco, na modalidade mitigada. Contudo, no artigo 14, § 4o, há uma ressalva tangente à responsabilidade dos profissionais liberais. Referida obrigação é subjetiva, resolvendo-se pelo regime da teoria da culpa.
3. a responsabilidade civil do fornecedor.
3.1 – A previsão constitucional da defesa do consumidor e a importância do Código de Defesa do Consumidor.
A Lex Fundamentalis fez constar em seu texto os direitos dos consumidores. Os artigos 5o (XXXII), 24 (VIII), 150 (§ 5o), 170 (V) e 220 (§§ 3o, II e 4o), consagraram a nova disciplina. Especialmente os preceptivos 5o (XXXII) e 170 (V) amparam a pretensão consumerista.
No artigo 170, caput, consigna-se relevantes fundamentos para uma sociedade democrática: ordem econômica, valorização do trabalho, livre iniciativa, existência digna e justiça social. O inciso V – “defesa do consumidor” –, é mencionado como um princípio.
Um preceito inscrito na carta política de um país, tem significação das mais soberanas. Para Bandeira de Mello(16) um princípio é “mandamento nuclear de um sistema”.
Na introdução deste ensaio foi transcrita uma decisão importantíssima para a seara do Direito do Consumidor. Trata-se de acórdão propalado pelo Colendo STF, na ADIn 319-4-DF. O relator, Ministro Moreira Alves, sobranceiramente pondera a despeito dessa inarredável garantia constitucional pró-consumidores. Sopesa, o prefalado preceito, ante ao primado do ato jurídico perfeito. Em conclusão, argumenta que as teorias quando em disputa, não poderá haver prejuízo para os consumidores; a harmonização entre os princípios é questão de estreita justiça.
Luzidia decisão foi registrada no catálogo brasileiro. Com muito acerto foi a condução do voto do eminente magistrado. Em síntese, entre princípios não pode prevalecer qualquer jerarquia.
A constitucionalização da defesa do consumidor como primado basilar, representa destacada ênfase para as normas inseridas na Lei n. 8.078, de 1990.
Com o advento do CDC supriu-se extensa lacuna nas relações comerciais entre fornecedor e o agente que consome. O relacionamento mercantil com maior apoio no Código Civil, encontrava-se desequilibrado para o consumidor. A indenização por danos, via de regra, era negada pela ausência de uma relação contratual direta entre o fornecedor e o agente consumidor, ou então, porque a vítima, não detinha elementos comprobatórios para demonstrar a culpa do agente produtor.
No curso dos anos cinqüenta e sessenta transparecem os consumidores como um problema social. Os tempos pós-guerra multiplicaram, sem precedentes, o desenvolvimento econômico e carrearam um desequilíbrio em desfavor dos consumidores. Inclusive, em 1962, o Presidente dos Estados Unidos, John Kennedy, reconheceu alguns direitos dos consumidores, como: direito à segurança, à informação, à escolha, e direito à ser ouvido. Na América e Europa Ocidental surgia um novo direito, o dos consumidores(17).
Um dos enfoques principais do Direito do Consumidor é a proteção contra produtos perigosos ou com defeitos, alicerçando-se assim, o princípio da segurança à saúde.
Conjugar normas de ordem pública e interesse social a favor dos consumidores, na ordem prática, trouxe mais vantagens para os utentes. O conteúdo do artigo 1º significa que o órgão jurisdicional deverá apreciar de ofício o fato jurídico em discussão. Sobre a temática não incide a preclusão e poderá ser revista a qualquer tempo. O tribunal pode, inclusive, aplicar o preceito da reformatio in pejus, dado o conteúdo da norma.
Valiosos institutos jurídicos alinharam-se em prol do consumidor. Boa-fé nas relações de consumo, inversão do ônus da prova, proteção contratual de cláusulas abusivas, princípio da segurança à saúde, vulnerabilidade do consumidor, equilíbrio nas relações de consumo, dever de informar; são princípios de especial relevo para a defesa do consumidor.
A responsabilidade civil objetiva do fornecedor nos “acidentes de consumo”(18) – alvo das nossas considerações – é outra ferramenta jurídica à disposição do usuário de produtos e serviços.
Sob tais contornos, não há como deixar de reconhecer o vital espaço ocupado por este Estatuto Jurídico. Como já apontado, o CDC tem despertado a atenção da comunidade jurídica internacional, dado o moderno conjunto sistêmico-doutrinário acolhido, em paralelo, com o cunho protetivo dos direitos e interesses ali dispostos.
3.2 – A referência no Direito Comparado e o modelo da responsabilidade civil acolhida pelo Código do Consumidor.
No que tange ao modelo de responsabilização, dois sistemas influenciaram o Projeto do nosso Código: o Norte-Americano e o da Diretiva (n. 85/374/CEE, de 25.7.1985), da Comunidade Econômica Européia. O primeiro, alicerçou-se nas garantias implícitas (ou contratuais) para aportar na responsabilidade objetiva (theoria do risco). A sistematização da CEE, fundou-se na premissa de defeito dos produtos industrializados colocados no mercado pelo fornecedor, para então, configurar a responsabilidade objetiva.
O Código do Consumidor perseguiu a orientação da Diretiva da CEE. Sustentam que o CDC acolheu a orientação da CEE, Macena de Lima (1990, p. 226) e Vasconcellos e Benjamin (1991, p. 61)(19). Prova-se pelo fato de o CDC somente obrigar à composição danosa, quando existir o defeito do produto. Para melhor esclarecer, vale o argumento de Lima Marques (1999, p. 625)(20), ao concluir que, o CDC reconhece o dano e seu nexo de causalidade. Contudo, se não for comprovada a existência do defeito do produto, aí não repousará a obrigatoriedade de indenizar.
A natureza da responsabilidade conferida pelo CDC, é a da responsabilidade não-culposa na acepção de Lima Marques (1999, p. 623).
A responsabilidade civil no Direito Norte-Americano, para os danos motivados por defeitos, fundamentou-se em três estágios de evolução: (1) negligence, (2) breach of warranty; e (3) strict liability in tort (Macena de Lima, 1990, p. 4).
O Estatuto do Consumidor brasileiro elegeu a teoria do risco – mas com temperamentos – ou seja, prevalece a responsabilidade sem culpa, mas permite-se exceções para isentar o fornecedor de reparar danos, em conformidade com o disposto em lei.
Tal forma de apuração de dano, é reconhecida como a mais justa, posto existir situações em que incide culpa exclusiva do consumidor.
Multifárias legislações têm recepcionado essa teoria, como as citadas precedentemente.
Destaque-se, outrossim, que na esfera do Mercosul, com as edições das Resoluções 123/96, 124/96, 125/96, 126/96 1 127/96, tais princípios estão sendo reproduzidos. Da mesma forma, nas ATAs n. 08/97 e n. 07/97.
Destarte, o CDC tem trilhado na modernidade legislativa em defesa dos consumidores.
3.3 – Princípios protetivos no CDC e o risco de danos ao consumidor.
3.3.1 – O direito à segurança dos produtos.
A tutela da segurança nas relações de consumo é nota importante na esfera do CDC. É evidente que a noção de segurança que, o Diploma estabelece, alude à segurança legitimamente esperada, consoante têm proclamado os doutrinadores. O entendimento é o de que, não se trata de segurança absoluta, hermética. No mercado de consumo existem produtos que são naturalmente perigosos, ou nocivos à saúde. No entanto, o Código de Proteção não os proíbe que estejam à disposição de utentes. O espírito do Código está atento à idéia de defeito, e de falha na justa expectativa de segurança.
A segurança realçada tenta proteger riscos à integridade física do utilizador do produto ou serviço, e da mesma forma, à proteção do seu patrimônio, evitando-se custos desnecessários.
No sistema do CDC figura como natureza extracontratual a garantia do produto ou do serviço.
O produto tem segurança quando não manifesta algum elemento defeituoso, que venha a causar danos.
Convém distinguir que existem produtos e serviços defeituosos, sem contudo, serem inseguros. Por exemplo, uma roupa pode apresentar alguma deformidade de design, sem trazer risco à saúde. Na mesma linha, existe produto ou serviço com deficiência e que pode causar sérios prejuízos, exemplificando: um medicamento com a data vencida, e que continua exposto à venda; um portão que é fixado irregularmente, e cai ferindo um transeunte.
Em consonância com o art. 12, a responsabilidade extracontratual pelo dano baseia-se na falta de segurança esperada. No citado texto, é imputada ao construtor, fabricante, produtor e ao importador a responsabilidade sem culpa. A reparação causada aos consumidores congloba produtos e serviços defeituosos.
Aliás convém lançar uma questão de ordem. A solidariedade entre os fornecedores está expressa no CDC, art. 7o, § ún. A denunciação da lide, consoante o art. 88, não é possível operar-se. Nas relações de consumo o instituto não é admitido, em face da responsabilidade objetiva. O chamamento ao processo, também não (Nery Jr, 1999, p. 1.874).
Lima Marques (1999, p. 616) reitera que a garantia de segurança entrelaça-se com o princípio geral de proteção da confiança, inserto na Lei n. 8.078, de 1.990.
3.3.2 – O dever de informar do fornecedor.
O dever de informar no CDC funciona como uma norma-matriz (arts. 8o, § ún. e 12). A informação é direito básico do consumidor (art. 6o, II), e deverá apresentar-se como suficiente e adequada. É indispensável no contexto em que os acontecimentos transmigram on line. A mecânica do mercado de consumo move-se pelo dinamismo das informações.
Em comento ao art. 10, Lima Marques (1999, p. 619) conclui que o dispositivo institui um “dever pós-contratual”(21). Justifica a locução, ao dizer que esse dever pós-contratual impõe um dever de vigilância; dever de se prestar informações ao agente consumidor. Noutro enfoque, é plausível assegurar que está implícito, em qualquer liame jurídico entre fornecedor e usuário de produtos ou serviços, a imprescindível obrigação de o fornecedor corrigir o perigo ou nocividade de produtos ou serviços postos no mercado. É o fato de um farmacêutico comercializar medicamento, que após a venda, foi considerado nocivo à saúde. Embora o negócio mercantil tenha sido realizado posteriormente à notícia, é inafastável o dever pós-contrato, na ensinança da autora referendada. Inclusive, com a fixação de cartaz no estabelecimento comercial, com as orientações pertinentes.
Ferreira da Rocha (1992, p. 97) ilustra o tema ao mencionar que a farmacêutica norte-americana Johnson & Johnson foi condenada pela Suprema Corte do Estado de Washington, na cifra de US$ 2,5 milhões, porque um menino de 15 meses bebeu óleo de limpeza, e no rótulo não constava a advertência alertando os pais sobre os riscos em caso de ingestão do produto.
Portanto, o dever de informar, é imprescindível.
3.4 – Espectro da responsabilidade objetiva no regime do CDC.
A sistemática do CDC, relativamente à obrigação de indenizar do fornecedor tem sedimentação (a) na existência do defeito, (b) no dano gerado e (c) no nexo causal, entre o defeito do produto e o ato lesivo.
Abrange a todas as situações em que o consumidor for prejudicado. O parâmetro da indenização é o do princípio da restitutio in integrum, conforme teor do art. 6o, VI, que enumera: “VI — a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”.
Como acentuado, a previsão do ressarcimento é extensível a todos os danos, inclusive na proteção dos direitos e interesses coletivos e difusos, na moldura da class action.
Afasta a denominada indenização limitada ou tarifada(22). Igualmente, a cumulação é realidade jurídica. Tanto no modelo do dano moral, como no patrimonial.
Consentâneo com o primado indenizatório da restitum in integrum, o Superior Tribunal de Justiça recentemente, ao julgar um pedido de reparação civil por atraso de vôo, com espeque no Código do Consumidor, entendeu que a indenização não pode ser tarifada, nos termos da legislação da Convenção de Varsória, porquanto a defesa do consumidor tem regra própria(23).
Na vértice de tais comandos, o dever de indenizar no CDC, é o da completa reparação.
3.5 – Conceituação de fornecedor.
Para uma melhor compreensão do agente responsável pelo ato a ser reparado, é importante destacar a sua conceituação na textura do CDC.
O Código do Consumidor em seu art. 3o, define amplamente o que seja fornecedor; assim: “Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, montagem, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”.
A doutrina com base na Diretiva 85/374/1985/CEE, classifica o fornecedor em: (a) fornecedor ou produtor real; (b) fornecedor ou produtor aparente; e, (c) fornecedor ou produtor presumido. O fornecedor real é quem cria e entrega o produto acabado, inclusive, a matéria-prima. É fornecedor aparente aquele que imprime no produto seu nome, marca ou sinal distintivo. Presumido é o fornecedor que distribui produtos; é o que importa produtos para venda, aluguer, leasing. Não importando se os produtos negociados são identificados ou não (James Marins, 1993, p. 100-101).
A conceituação abrange a todas as atividades, civil ou mercantil. O fornecedor poderá oferecer produtos ou serviços. Dessarte, o conceito de agente econômico é extenso, não pairando qualquer dúvida quanto ao espectro da sua atuação como responsável pelos produtos que transporta para o mercado consumista.
3.6 – Objeto da responsabilização do fornecedor pelo fato do produto.
3.6.1 – O defeito como elemento propulsor da obrigação de indenizar, pelo fato do produto(24).
O agente econômico é responsabilizado pelo produto que coloca no mercado, se este apresentar defeito potencial ou real, e causar dano. A circulação defeituosa do produto, conjuntamente como o ato prejudicial, é o que caracteriza o dever de reparar. Ipso facto, o ressarcimento não encontra apoio legal na singela conduta deficiente de quem fornece o produto, mas tão-somente, na imperfeição produzida capaz de gerar prejuízo.
Macena de Lima (1990, p. 5) enumera o famoso caso MacPerson v. Buick Motor Co. A Buick Motor Co vendeu um veículo de sua fabricação. Ao utilizar o novíssimo automóvel, o comprador foi surpreendido com os raios de uma das rodas que se romperam, com o proprietário arremessado para fora do veículo, e ficando gravemente ferido. O Tribunal de Apelação de Nova York, em 1916, apreciou o assunto. O Juiz Cardozo, condenou a empresa pelo dano causado, e não somente isto – neste caso – generalizou-se a idéia de que o agente fabricante de um produto assume um dever de diligência perante os consumidores diretos, e também perante qualquer terceiro, que possa suportar danos oriundos do fato defeituoso(25).
Os defeitos de produção são os que se manifestam em alguns exemplares do produto, oriundos de falha no processo produtivo; qualquer que seja, mecânico ou manual (Denari, 1997, p. 147).
A noção de defeito no CDC tem estreita ligação com a idéia de segurança do produto(26).
Na direitura do art. 12, § 3o, II, não havendo a configuração indisfarçável da deformidade, a pretensão do conforto indenizatório, por sua vez, será esvaziada. A simples prova de ausência de defeito, excluirá quaisquer formas de reparação para o agente econômico. Não importará a potencialidade que o dano redundar, nem tampouco, se o entregador ou fornecedor pôs o produto na rede de mercancia. Atenua a descrição, o fato de o fornecedor ter que exibir a comprovação da inexistência da imperfeição, ou defectu.
James Marins (1993, p. 110) estrutura os defeitos do produto em (a) defeitos juridicamente relevantes para responsabilidade civil, e (b) defeitos juridicamente irrelevantes para responsabilidade civil. Os juridicamente relevantes são os dispostos no caput do art. 12. Defeitos juridicamente irrelevantes apresentam-se pela atividade – exclusivamente – culposa do consumidor ou de terceiro. São aquelas imperfeições oriundas do caso fortuito ou força maior, “da normal ação deletéria do tempo” e do risco do desenvolvimento.
Na sistemática do Código, fato do produto significa dano causado por defeito apto a redundar a responsabilidade do fornecedor. Há necessidade impostergável de se caracterizar o dano por interlúdio do fato do produto.
O CDC exige que o produto seja considerado defeituoso para que haja a responsabilização do fornecedor. Os agentes beneficiados pela indenização são todos aqueles que suportarem os danos, inclusive, os bystanders (vocábulo do Direito Norte-Americano).
A responsabilidade do fornecedor poderá ocorrer por fato próprio, de outrem ou pelo fato da coisa (produto).
Arruda Alvim (1996, p. 136) diz que os riscos que os produtos podem apresentar, dividem-se em dois grupos: (a) riscos intrínsecos (periculosidade inerente); e, (b) periculosidade adquirida (decorrente de defeito)(27).
Os defeitos no regime do Código, são apresentados em três gêneros: (1) de fabricação; (2) de concepção; e (3) de informação (ou de comercialização). O artigo 12 descreve quais são os defeitos decorrentes da fabricação, sabendo-se: montagem, manipulação, construção ou acondicionamento de produtos. Os atos defeituosos de fabricação que originam a responsabilidade pelo fato do produto, caracterizam-se como inevitáveis; de previsível ocorrência e de manifestação limitada(28). Na conceituação de Ferreira da Rocha, (1993, 47) os defeitos de fabricação apresentam dois caracteres: previsibilidade e relativa inevitabilidade. As doutrinas nacional e estrangeira são unânimes ao afirmarem que as imperfeições do fato produto, no gênero fabricação, são inexoráveis, inerentes a qualquer espécie de produção em série(29).
Na linha de concepção, os defeitos são de projeto ou de fórmula. Nesta classificação é certo dizer que, referidas deformidades são evitáveis. Quando o defectu é ocasionado na etapa de concepção, toda produção fica comprometida – sob o ponto de vista de prevenção –, porque a falha é na origem, no projeto. Portanto, irremediável. Os causadores do dano, nesse caso, poderão utilizar-se do recall(30), com o escopo de prevenir eventuais responsabilizações (exceto, se os produtos já tiverem sidos distribuídos para comercialização e causado danos, o mecanismo do recall perde a eficácia). A estrutura da deficiência na concepção difere da ocorrida na fase de construção. É que na construção, o defeito atinge apenas a um número limitado de produtos(31).
Os defeitos de informação se manifestam, quando ocorre (a) informação inadequada ou insuficiente sobre a utilização do produto e os riscos que os revestem, (b) defeito no acondicionamento do produto.
Constata-se que os defeitos alusivos à comercialização, fundam-se na forma como os produtos são conduzidos. Tanto no aspecto de veiculação (informação adequada e suficiente), como no que diz respeito, à forma de armazenamento. A comunicação ao público – de forma clara, adequada e esclarecedora – sobre o conteúdo do produto que se está pondo no mercado consumidor, é caráter de absoluta obrigatoriedade. O dever de guardar bem, igualmente, prepondera.
Decerto, o caráter de defeituosidade do produto necessita de valoração, e enseja na intervenção estatal, para o efetivo exame das circunstâncias que encerram o fato concretizado.
A propósito, merecem referência alguns julgados no Direito Brasileiro. Recentemente o Juízo da 1a Vara Cível em Curitiba (Processo 66057/97), condenou a Arisco Produtos Alimentícios Ltda, a pagar indenização de 400 salários mínimos, porque uma mosca foi encontrada em um frasco de 30 gramas de pimenta(32).
O Superior Tribunal de Justiça tem se manifestado a respeito do tema. No REsp 185.836- SP, manteve a condenação da Ford do Brasil, para que fosse entregue um novo veículo. O bem apresentou vício de qualidade. O REsp. 114.447- 3- RJ acolheu tese para a substituição de mobiliário defeituoso(33).
O Código apregoa o defeito para a finalidade de reparação. A imperfeição do produto deverá acompanhar o nexo de causalidade, para que o dano seja reparado pelo fornecedor.
3.6.2 – O fornecedor-direto (comerciante) no contexto da responsabilidade do CDC.
O Código nos incisos I, II e III, do art. 13, relata a situação do comerciante, relativamente, ao dever de compor o evento danoso a que der origem. Na hermenêutica do CDC, o agente fornecedor-direto suporta a responsabilização de forma subsidiária, e nos seguintes casos: (a) quando a cadeia fornecedora não puder ser identificada; (b) não havendo identificação clara nos produtos distribuídos; e, (c) em caso de não conservar com adequação os produtos perecíveis.
A subsidiariedade justifica-se por que o produtor é quem espalha os produtos no mercado. Em todo caso, o direito de regresso é garantido pelo § ún. do art. 13.
O sistema do CDC é criticável, à medida que, o comerciante ou fornecedor-direto, em caso de produtos não industrializados não é responsabilizado prima facie, em detrimento ao produtor rural ou do artesão. No quadro comparativo, o comerciante, geralmente é o que tem maior lastro econômico(34).
Convém sinalizar que o preceptivo legal (art. 12), não se referiu ao comerciante, imputando-lhe qualquer obrigação. O negociador-direto é o principal elo de ligação com o consumidor, mas o legislador, neste primeiro momento optou por não inclui-lo no elenco do artigo 12, somente o fazendo no art. 13.
Ainda a Professora Lima Marques (1999, p. 622)(35), declina lição do mestre italiano Alpa, o qual atribui a concentração da responsabilidade ao construtor, fabricante e ao produtor, porque a maioria dos defeitos ocorrem na origem, ou seja, na produção. Na comercialização o risco é afastado, exceto a título subsidiário, na leitura do art. 13 e seus incisos. Esclarece-se assim, a motivação do escritor da lei.
4. Excludentes de responsabilidade do fornecedor.
4.1 – Excludente, um parêntesis à teoria do risco.
Na diretriz dos incisos I, II e III, § 3o, do art. 12, é afastada a responsabilização do fornecedor, quando este provar: “I — que não colocou o produto no mercado; II — que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III — a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”.
As causas exonerativas superpostas, explicam a natureza jurídica da responsabilidade acolhida pelo Código de Proteção. Preferiu o CDC, a teoria do risco mitigada; ou seja, comporta algumas excludentes a favor de quem deve indenizar, consoante as previsões legais.
A responsabilidade objetiva pelo risco, quando aplicada na modalidade de abrandamento (mitigada), busca um ponto de equilíbrio entre a causa danosa e a distribuição da reparabilidade. É o que se chama de repartição do risco; o equilíbrio, na tarefa de distribuição de justiça, com o desiderato de alcançar o núcleo do princípio da eqüidade. Espanca o CDC, portanto, a tese do risco integral.
Comentando o art. 5o do Decreto-Lei de Portugal, n. 383/1989, Calvão da Silva (1990, p. 717) diz que o Texto Legal incorpora disposição do art. 7o da Diretiva Européia, e na alínea ‘a’ dispõe que o produtor não é responsável “se provar que não pôs o produto em circulação”(36).
O fato é que, quando houver culpa exclusiva do consumidor, o agente econômico ficará isento de qualquer responsabilidade.
A culpa concorrente não é excludente de responsabilidade, mas simples atenuante. A teor do art. 7o, n. I, do Dec.-Lei n. 383, de 6.11.1989, a culpa concorrente é tida como atenuante e não como cláusula de exclusão(37).
A existência da culpa exclusiva é motivo suficiente para impedir que se manifeste o nexo de causalidade, fato indispensável para a responsabilização. Nesta ótica, não importará que haja defeito, porquanto será “defeito juridicamente irrelevante”, em consonância com estudo de James Marins (1993, p. 110).
4.2 – Os institutos do caso fortuito e a da força maior e a possibilidade de aplicação no CDC.
Problemática das mais complexas é a atinente aos institutos do caso fortuito e da força maior, na estreiteza do Código do Consumidor.
A índole civilista dos conceitos da força maior e do caso fortuito é proeminentemente.
Lançando luzes sobre o parágrafo único e seu art. 1.058, o clássico Clóvis Beviláqua (1979, p. 172) menciona: “Conceitualmente o caso fortuito e a fôrça maior se distinguem. O primeiro, segundo a definição de Huc, é “o acidente produzido por fôrça fisica ininteligente, em condições que, não podem ser previstas pelas partes”. A segunda é “o fato de terceiro, que criou, para a inexecução da obrigação, um obstáculo, que a boa vontade do devedor não pode vencer”.
Importa considerar que o Código Civil adotou expressamente os regimes jurídicos multicitados. É possível a exclusão das regras em espécie. Clóvis Beviláqua (1979, p. 173) baliza: “O caso fortuito e a fôrça maior escusam o devedor de responsabilidade pelos prejuízos; mas êle pode, por cláusula expressa, ter assumido essa responsabilidade”(38).
O CDC não faz menção à força maior e ao caso fortuito. Nos dispositivos que consignam as causas exonerativas de responsabilidade do fornecedor (art. 12, § 3o, I, II e III), não tratam sobre o assunto.
Mais uma vez, convém transcrever o magistério do erudito jurisconsulto, Clóvis Beviláqua (1979, p. 173): “Não é, porém, a imprevisibilidade que deve, principalmente, caracterizar o caso fortuito, e, sim, a inevitabilidade”(39).
O fator decisivo, parece-nos, é a inevitabilidade do acontecimento. Já ficou frisado em linhas precedentes que, o defeito do produto é fato previsível – mas inevitável –, no gênero defeito de construção ou de produção.
A doutrina brasileira pertinente ao assunto, divide-se entre defensores e oposicionistas. As regras jurídicas invocadas, no campo de aplicação do CDC – a título de cláusulas excludentes – têm como ilustres defendentes, dentre outros, Denari (1997, p. 155), Vasconcellos e Benjamin e Calvão da Silva (autor português). Defendem os renomados estudiosos do Direito do Consumidor que, os fornecedores beneficiam-se das excludentes da força maior e do caso fortuito. (40-41) James Marins (1993, p. 153), parcialmente: distingue a ocorrência da força maior ou caso fortuito, em dois estágios: (a) se ocorre antes (b) ou depois da inserção do produto no mercado. Ocorrendo na etapa inicial, o fornecedor responderá pelos danos; na segunda etapa, as excludentes afastarão quaisquer formas de responsabilização para o agente produtor.
No outro pólo, com a mesma eloqüência doutrinária: Arruda Alvim, Castro Nascimento, Ferreira da Rocha, Lima Marques e Nery Jr., sem exaurir a listagem.
Para o ressarcimento não importa que tenha havido caso fortuito ou força maior. A mens legis colhida do CDC, quanto às circunstâncias exonerativas, não contempla os institutos referidos. Portanto, excludentes do dever de reparação são numerus clausus e o fornecedor não pode livrar-se da obrigação. A Lei n. 6.938/1981, dispondo sobre os danos causados ao meio ambiente, em seu art. 14, inadmite que força maior e o caso fortuito impeçam a concretude da responsabilização (Nery Jr., 1992, p. 56).
A imputabilidade objetiva com escora na ação dos agentes fornecedores e na existência efetiva do defeito, espancaria o colóquio de que o defeito seria originado em caso fortuito e na força maior. Exemplificando: a devolução indevida de cheque com a anotação ‘sem fundos’, um registro equivocado em banco de dados, o corte ilícito de energia elétrica” (Lima Marques, 1999, p. 627).
A força maior e o caso fortuito não são causas de exclusão da responsabilidade objetiva prevista no CDC. Ferreira da Rocha (1992, p. 112) apresenta argumentação, para justificar a não aplicabilidade da força maior e do caso fortuito na esfera das relações de consumo. Expõe: (a) a responsabilidade do fornecedor funda-se na existência de um produto defeituoso; (b) o defeito fundamenta-se em um fato necessário, “cujo efeito era impossível evitar ou impedir” (caso fortuito ou força maior). Considera como dois os momentos da configuração do defeito: (1) quando o defeito ocorrer antes do ingresso do produto no mercado; (2) quando o defeito ocorrer após a entrada do produto no mercado. Na primeira preposição, tendo sido a causa gerada ou produzida antes de o produto ingressar no mercado, o agente econômico ainda teria a oportunidade de corrigir o defeito, evitando que os consumidores suportassem gravames; na segunda: se o defeito for causado após a colocação do produto na rede de consumo, o fornecedor não será responsabilizado; contudo, não pelos regramentos da força maior e do caso fortuito, mas pelo disposto no art. 12, § 3o, II. De qualquer forma, a força maior e o caso fortuito, como excludentes, não se aplicam ao CDC.
O catálogo das cláusulas exonerativas dos arts. 12, § 3o, e 14, § 3o, é exaustivo. Diferentemente do que informa o Código de Clóvis (art. 1.058, § ún.), para os acontecimentos na órbita civilista, o CDC não traz a previsão de aplicabilidade do caso fortuito e da força maior. A redação empregada nos textos, é: “… só não será responsabilizado quando provar”. Assim, afasta-se a incidência daqueles instituto” (Castro Nascimento, 1991, p. 55).
Arruda Alvim (1996, p. 146) defende que, em qualquer caso da existência do defeito do produto – antes ou depois de o fornecedor pôr o produto no mercado de consumo – deverá assumir os percalços da responsabilidade por caso fortuito e força maior. Assim, não há falar-se em causa exonerativa.
A tese de oposição à incidência do caso fortuito e da força maior, como causas excludentes da responsabilidade do fornecedor, é unânime: o CDC não inscreve os institutos como fatores de afastamento da responsabilidade.
Calvão da Silva (1990, p. 737) assinala que nem o Dec.-Lei n. 383/1989, tampouco a Diretiva 384/CEE, disporam sobre a força maior como excludente de responsabilidade do produtor. Caso o legislador comunitário pretendesse exclui-la, teria feito expressamente(42).
Denari (1997, p. 155) destaca que, se for depois da disponibilização do produto na rede de consumo, a ocorrência da força maior e do caso fortuito, incide a “ruptura do nexo de causalidade que liga o defeito ao evento danoso”.
No contexto da doutrina do direito comum, pelo suporte clássico, a inevitabilidade é o elemento caracterizador do regime da força maior ou do caso fortuito. No âmbito do CDC, parece-nos, que o transporte daquele pressuposto é inevitável, não sendo possível ao operador econômico evitar o fato extraordinário (e externo ao seu alcance), no caso de o produto já encontrar-se no mercado de consumo.
No nosso embrionário modo de apreciar o thema, não é justo que a responsabilidade seja conferida ao produtor, pois o vínculo de causalidade não estaria presente, no caso de o produto apresentar defeito depois do seu ingresso na rede consumerista. Razão suficiente para arredar a responsabilidade do fornecedor.
4.3 – Risco do desenvolvimento e a responsabilidade do agente produtor.
Qualquer atividade desenvolvida pelo ser humano compreende algum risco; especialmente quando se produz em grande escala. A minimização do percentual de falhas e defeitos é tarefa fundamental. Exige-se significativos investimento financeiro e esforços, na tentativa de se evitar gravames aos destinatários dos produtos. A ferramenta da tecnologia é preponderante para a prevenção de riscos. Maior atenção é dispensada, quando o objeto da produção diz respeito a medicamentos ou à bens que envolvam a segurança(43).
No estágio de competitividade global enfrentado por todos os segmentos na sociedade de consumo, é imperioso que os agentes de produção eliminem o risco de produtos que venham a ocasionar prejuízos ao agente consumidor. O empreendimento produtor constantemente concorre ao prêmio de melhor qualidade; e assim, estará solidificando a sua imagem comercial no mercado que exige a mais ampla performance.
Todo produto para ser lançado no mercado de consumo perpassa por uma série de etapas. Desde o projeto de idealização até a confecção do produto final, demanda-se, um fluxo de tempo. No iter projeto à produção, costumeiramente, transcorre o que a doutrina identifica como risco do desenvolvimento (developmental risk ou development risk)(44). O risco do desenvolvimento significa um risco que, mesmo com todo o aparato das avançadas técnicas preventivas, não é identificado no momento em que o produto é distribuído na rede de consumo, mas somente é identificável, após um período de uso. O exemplo mais comum é o de medicamentos novos, os quais chegam a produzir efeitos colaterais que prejudicam a saúde.
Macena de Lima (1990, p. 82) lapidarmente diz que, os riscos de desenvolvimento são defeitos do produto, já existentes, no momento em que ele é distribuído no mercado, contudo, segundo os conhecimentos científicos e técnicos da época, são irreconhecíveis.
É na fase de concepção em que se configura a problemática do risco do desenvolvimento. É premissa lógica que, a imperfeição resulta da ausência de informações científicas, na época da concepção. Faltava o domínio de tecnologia nova.
Ferreira da Rocha (1992, p. 110) observa ser decisivo saber em que proporção um defeito poderia ser cognoscível, de acordo com o conhecimento científico contemporâneo à distribuição do produto.
O autor português Calvão da Silva (1990, p. 510-511), apoiando-se no Decreto-Lei n. 383/1989 (de Portugal), e doutrinando sobre o estado da arte ou estado da ciência e da técnica, obtempera: o critério legal é objetivo e para que o produtor se exima da responsabilidade, exige-se que este faça a prova de que, o estado dos conhecimentos científicos e técnicos não lhe permitia detectar os defeitos existentes; e não que o conhecimento científico não lhe permitiu inteirar-se sobre a existência do defeito (art. 5º, al. e). Arremata: “Noutros termos: o que a lei requer é a impossibilidade absoluta e objectiva de descobrir a existência do defeito por falta ou insuficiência de meios técnicos e científicos idóneos, e não a impossibilidade subjectiva do produtor em causa”. Argumenta ainda: o produtor deve estar atualizado sobre as experiências e técnicas científicas mundiais.(45-46)
É interessante o confronto das expressões: não lhe permitia e não lhe permitiu. O tempo verbal, em paralelo, com o conhecimento científico contemporâneo – por certo – é o divisor de águas para a fixação da responsabilidade do agente produtor do defeito.
Questão relevante é descortinar a quem competirá assumir o ônus do risco do desenvolvimento.
Destaca Ferreira da Rocha (1992, p. 111) que os Direitos Português, Italiano e o Alemão(47), fizeram a opção legislativa no sentido de atribuir ao consumidor o encargo de assumir com o risco do desenvolvimento. O fornecedor foi excluído a título de cláusula exonerativa.
Na exegese de Calvão da Silva (1990, p. 510-511) o Dec.-Lei Português somente libera o produtor pelo defeito gerado no risco do desenvolvimento, em caso de impossibilidades absoluta e objetiva de desvendar a existência da deformidade industrial. Portanto, a exclusão da responsabilidade é mitigada, adstrita ao fato em cotejo.
Ferreira da Rocha (1992, p. 111) opina que no Direito Brasileiro a exclusão mediante o risco do desenvolvimento não é possível, pois o § 3o do art. 12, não contempla tal hipótese. É que na situação concreta, inexistiu culpa exclusiva pelo consumidor – logo – o fornecedor responderá pela ocorrência danosa do produto defeituoso.
Norris (1996, p. 91) assinala que são muitas as razões pelas quais a teoria do risco não pode ter aplicabilidade no cenário pátrio. A sua eficácia, no ambiente do CDC, dar-se-ia no caso de o art. 12, § 3o mencioná-la expressamente.
Arruda Alvim (1996, p. 147) expressando opinião sobre o assunto jurídico em análise, inclina-se pelo posicionamento de que, no direito brasileiro não se recepciona a idéia de aplicação do risco de desenvolvimento. A obrigação do fornecedor é inafastável, e a teoria do risco do desenvolvimento não pode deslocar-se como eximente de responsabilidade. A argumentação esgota-se na assertiva de que, se o Código considerou o produto defeituoso (à segurança que é esperada legitimamente), fica impossível e incongruente comungar com entendimento diverso.
James Marins (1993, p. 137) considera o risco de desenvolvimento como um defeito juridicamente irrelevante, assim, insuscetível de atribuir-se responsabilidade ao fornecedor.
O tema não é dos mais fáceis. A Diretiva/CEE, no art. 15, al. ‘b’, derrogou o art. 7, al. ‘e’ (que previa uma responsabilidade por riscos de desenvolvimento); sendo assim, cada Estado-Membro disporia sobre o assunto (Macena de Lima, 1990, p. 84).
A questão parece resvalar em premissas singelas. É conceito universal: quem arrisca deverá suportar o ônus inerente. O produtor é o dono do negócio e ganha para expor o objeto da sua produção. Receber pagamento e causar gravames pela mercadoria vendida, não é passível de reparação? Decerto, é uma troca injusta.
Excluir a responsabilidade por risco de desenvolvimento do fornecedor, é tornar plenamente vulnerável as vítimas das falhas produzidas pelo agente produtor. Não se pode imputar ao lado mais fraco da relação de consumo, um encargo para o qual não corroborou; não participou da elaboração do projeto, tampouco da produção final. Não há nexo entre o risco do produto e o comprador, posto que a mercadoria já traz ínsita o defeito.
Considerar a exclusão do agente econômico de qualquer responsabilização, é admitir, em certo grau, a teoria do enriquecimento ilícito, posto que somente o fornecedor auferiu lucros, e todo o risco do insucesso foi arcado pelo consumidor. Sendo este o entendimento predominante, o preceito da eqüidade estaria violado. Em síntese: o produtor vende, obtém lucros; o comprador adquire e tem prejuízos.
O risco é próprio da atividade desempenhada. O risco deve ser endereçado ao fornecedor e não ao agente que consome o produto.
Talidomida foi um produto que causou alvoroço social em todo o mundo. É consistente exemplo de que não se pode admitir a idéia de aplicabilidade do risco de desenvolvimento na conjuntura brasileira.
5. A responsabilidade subjetiva no CDC. O fornecedor como profissional liberal.
O Código do Consumidor também traz em seu bojo, a responsabilidade subjetiva.
A norma do § 4o (art. 14) constitui-se como exceção da doutrina do Código, porque aborda a reparação na ótica da theoria aquiliana. A modalidade subjetiva constante no CDC estende-se à classe dos profissionais liberais. Os integrantes da carreira liberal por prestarem serviços intuitu personae fruem de benefício extraordinário na apuração do dano. Os elementos da confiança e presunção de competência, por parte do interesssado no serviço, são determinantes para que a categoria dos trabalhadores liberais responda, a título de compensação, com sustentáculo na responsabilidade extracontratual. Advogado, dentista e médico, exemplificam a profissão liberal.
Assim, o caráter personalíssimo na entrega do serviço, é fator determinante, para que a culpa seja levantada.
Contudo, o ofício liberal, quanto à caracterização do dano, poderá reger-se sob o domínio da responsabilidade sem culpa. Responderá objetivamente o responsável, nesta situação: (a) quando o profissional liberal contrata através de pessoa jurídica (sociedade de médicos, por exemplo); (b) se o profissional labora para a pessoa jurídica prestadora do serviço.
Sobressai, in casu, a responsabilização da pessoa jurídica, e não à dos profissionais liberais, pois inexiste o pressuposto da pessoalidade para os da carreira liberal.
É possível também que o profissional liberal ressarça o dano nos moldes da teoria do risco, quando contratar obrigação de resultado, verbi gratia: um médico que garante o sucesso de qualquer intervenção cirúrgica.
Aliás, no caso de operação plástica, a jurisprudência nacional tem considerado que se trata de obrigação de resultado, conforme Lex 142/117 (Stoco, 1997, p. 91).
A orientação do art. 6o, VIII do CDC merece exame ante à exceção do subjetivismo da culpa. O normativo outorga ao agente usuário, a proteção legal de que o juiz poderá inverter o ônus da prova(48). O disposto no art. 14, § 4o, garante ao profissional liberal a apuração do dano, por entremeio da clássica teoria da responsabilidade subjetiva.
Aparentemente persiste a contradição entre as normas citadas. Na estrutura protetiva do Código, quiçá, arriscaríamos a dizer que, a preleção do art. 6o (VIII) sobressairia. Mas, é imprescindível anotar que não há antinomia entre os preceitos respectivos. O texto vertido no art. 14 (§ 4o) é especial – faz a exceção –, e dessa forma, o julgador não poderia aplicar a contraversão do ônus da prova, pena de contrariar direito do operário liberal.
6. CONCLUSÃO
Os fundamentos históricos da obrigação de indenizar encontram sustentação no classicismo da teoria da responsabilidade subjetiva.
Civilizações do passado cultivaram formas de reparação, como a pena de Talião. A motivação de compensar o dano sofrido orientou esse critério. Mas naqueles tempos, o corpo humano e a vida eram o real objeto do ressarcimento.
Alguns ordenamentos ficaram famosos: os Códigos de Hammurabi e Manu; a Lei da XII Tábuas; as normas mosaicas.
No Direito Romano aflorou a Lei de Aquília, em 286 a. C. A responsabilidade com culpa surgiu na lei aquiliana. Qualquer modalidade de reparar um dano encontrava sua justificação no elemento culpa.
Estudiosos insatisfeitos com o modelo ressarcitório milenar, esbravejaram com uma nova opinião: responsabilidade pelo risco causado, desconsiderando-se a culpabilidade.
Saleilles e Josserand foram os revolucionários do novo conceito, nos idos de 1894 e 1897). Muitos outros absorveram a idéia, a exemplo dos irmãos Mazeaud.
O Código Francês em seu art. 1.384, § 1o, no concernente a danos causados por incêndio, espelhou aquela maneira de se obter a reparabilidade.
A responsabilidade como arrimo na teoria objetiva é mais eficaz; sintetiza maior justiça.
O Código Civil Brasileiro recepcionou o princípio vertido na Lei de Aquília. O critério subjetivo da culpa está expresso nos artigos 159 e 1.518.
Dentro desse prospecto, a indenização funda-se nos seguintes pressupostos: (a) o ato ou omissão que cause dano; (b) o dano produzido; (c) o nexo causal; e, (d) a culpa.
Alguns artigos do Código de Beviláqua admitem a objetividade da compensação econômica, exempli gratia: 1.528, 1.529 e 1.546. Igualmente, alguns diplomas legislativos ingressaram no ordenamento jurídico. O Decreto n. 2.681, de 7.12.1912 e o Decreto-Lei n. 483, de 8.6.1938, para ilustrar.
Mormente, o germe da responsabilidade sem culpa encontra-se na Magna Charta de 1988 (arts. 21, XXIII, ‘c’ e 37, § 6o).
O Código do Consumidor também acolheu o regime da teoria do risco, na forma mitigada. Mitigada é uma modalidade de reparação que admite exceções.
A previsão constitucional dos direitos dos consumidores é capítulo importante para a defesa dos usuários dos produtos e serviços. Surge, dessa forma, o princípio constitucional da defesa do consumidor, reiterado na ADIn 319-4-DF.
Valiosos institutos jurídicos alinharam-se em prol do consumidor. Boa-fé nas relações de consumo, inversão do ônus da prova, proteção contratual de cláusulas abusivas, princípio da segurança à saúde, vulnerabilidade do consumidor, equilíbrio nas relações de consumo, dever de informar; são princípios de especial relevo para a defesa do consumidor.
No Mercosul os diplomas que estão sendo escritos estabelecem correlatas proteções.
O fornecedor é o alvo da responsabilidade trazida pelo CDC. A sua conceituação é ampla. É o produtor, o prestador de serviços. Pode ser real, aparente ou presumido, nos moldes da Diretiva 85/374/CEE.
O CDC exige a segurança e proteção dos consumidores, e impõe o dever de informar. A informação para ter o efeito imposto pelo Código, deve ser adequada e suficiente.
A segurança contra os riscos dos produtos não é absoluta, e encontra limitação no conceito de segurança legitimamente esperada, como também nas excludentes pró-fornecedor.
O defeito do produto pode causar danos ao consumidor. Existem defeitos que não apresentam risco à saúde dos utentes, como uma peça de roupa que desbota na primeira lavagem. Não obstante, constata-se que produtos potencializam riscos à saúde. Um medicamento cuja data de vencimento já expirou, continua sendo comercializado e tem efeitos danosos; um produto perecível, que é acondicionado sem as precauções necessárias; uma instalação elétrica irregular, que causa estrago em equipamentos eletrônicos.
O caso MacPerson v. Buick Motor Co., julgado em 1916, pelo Tribunal de Apelação de Nova York, ilustra a noção dos nefastos defeitos insertos nos produtos.
Na sistemática do CDC, para que o dano seja importante é indispensável: (a) a existência do defeito; (b) o dano; (c) o nexo causal.
A prova de ausência do defeito afasta a responsabilidade do fornecedor.
O defeito do produto é o dano causado, apto a render ensejo a responsabilização do agente econômico. Os agentes beneficiados pela indenização serão todos os que sofrerem danos, adicionando-se os bystanders.
A doutrina contrói conceitos. Os riscos são (a) intrínsecos e (b) os decorrentes de defeito (a periculosidade adquirida).
Os defeitos são de fabricação, concepção e de informação. Na etapa de fabrico ou manufatura, os defeitos se caracterizam como previsíveis e inevitáveis. Na arquitetura da concepção, as deformidades são as mais comprometedoras, porque ocorrem na origem, e contaminam toda a produção. A informação é defeituosa quando incompleta. Melhor explicando, quando é inadequada ou insuficiente.
Compete ao Judiciário atribuir valor à imperfeição, apreciando a ocorrência, em consonância com cada caso concreto. Órgãos jurisdicionais brasileiros têm desempenhado suas funções nesse mister. Quando os produtos apresentam defeitos e causam prejuízos, a lei determina a respectiva indenização.
O comerciante responde subsidiariamente a par dos incisos I, II e III do art. 13, CDC. É que em sua maioria, os defeitos, são gerados na fase de concepção ou produção; fato próprio do fornecedor. De toda sorte, estará garantido o direito de regresso.
Como já frisado, a teoria da responsabilidade contornada pelo Estatuto do Consumidor, admite temperamentos. As excludentes de responsabilidade do produtor, confirmam a premissa.
Por culpa exclusiva do consumidor, o agente da produção não é provocado a reparar quaisquer danos.
O artigo 12 (§ 3o, I a III) lista as hipóteses em que incidem as cláusulas exonerativas pró-fornecedor. Neste caso, o risco pela atividade industrial encontra um parêntesis no espectro da teoria do risco.
O Dec.-Lei Português, n. 383/1989, também prevê causa de exclusão para o produtor.
No caso de culpa concorrente, não se configura o nexo de causalidade, abrindo-se caminho para a plena isenção do operador econômico.
No registro do direito comum, controlado pela larga teoria civilista, despontam os tópicos da força maior e do caso fortuito.
O Código não inseriu qualquer dispositivo com alusão aos institutos cotejados. A doutrina oscila, entre os defensores e oposicionistas, quanto ao emprego dos regimes jurídicos na esfera das relações de consumo. O tema é árduo e ainda movimenta-se, carregando o fardo das dúvidas.
O ponto de discórdia, numa primeira análise, parece localizar-se na inevitabilidade dos eventos.
Quando o fato ocorre antes de o produto ser ofertado na rede de consumo, impera a responsabilidade do produtor. Sendo o fato externo e atingindo o produto após a sua distribuição no mercado, não se pode atribuir responsabilização ao fabricante (fornecedor lato sensu).
A atividade humana, qualquer que seja, convive com o risco, com o perigo.
As doutrinas nacional e estrangeira bifurcam-se sobre a temática do risco do desenvolvimento.
Múltiplas são as etapas vencidas para que um produto adentre no mercado de consumo. Projetos, testes, produto final, compõem o catálogo da produção. O fornecedor nesse iter tem todas as oportunidades para extirpar os defeitos da sua obra.
O risco do desenvolvimento ou developmental risk tem sede na concepção ou na produção do artefato. Somente é identificado o defeito quando o produto é utilizado. O fato é previsível, mas inevitável.
Assim, objetivamente, o modelo da responsabilidade esposada pelo CDC, com singeleza de análise, não dar azo para que o agente produtor escape da obrigação de ressarcir pelo dano causado. O argumento de que, o estado dos conhecimentos científicos e técnicos não permitia ou não permitiu que o fornecedor evitasse o risco de desenvolvimento, não elide a conduta danosa.
A lógica é: o fornecedor produz, vende e aufere lucros; o consumidor adquire e suporta um prejuízo por comprar algo, que tinha a legítima expectativa de segurança. Paga para ter prejuízos. O liame anunciado é injusto e traz ínsito a pecha da iniqüidade. O risco é de quem labora com a produção. Os preceitos insculpidos no CDC espancam a tese em relevo.
O fornecedor responde, portanto, pelos danos causados pelo risco do desenvolvimento
A teoria subjetiva da culpa, igualmente, é prevista no ambiente do Código do consumidor. O artigo 14, § 4o explana a respeito.
Os profissionais liberais são os beneficiários da norma. O princípio basilar é o de que, o integrante da carreira liberal contrata seus serviços com base na qualidade personalíssima. O médico, o advogado, que age nesse mister, suportará a indenização com apoio na responsabilidade subjetiva.
Há casos, contudo, em que o profissional liberal é chamado a responder pelo regime da teoria do risco. Por exemplo, quando participa de pessoa jurídica e em nome dela realiza o pacto para prestar os serviços.
Por fim, está patenteada, inexoravelmente, a importância do Código de Defesa do Consumidor na sociedade brasileira.
O tônus doutrinário do Código repercute na defesa dos utentes, e na expansão dos princípios protecionistas ali concatenados.
Nos ditames da Lei n. 8.078, de 1990, encontra-se o moderníssimo conjunto de preceitos de ordem pública. Aspecto merecedor de reconhecimento internacional, por especialistas da matéria.
A responsabilidade civil sob o color da objetividade, é avanço jurídico-constitucional dos mais eloqüentes.
Reputado instituto persegue o preceito universal de eqüidade, buscando maior justiça e complementando a garantia do preceito fundamental da defesa dos consumidores.
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