A responsabilidade da administração pública na contratação de serviços tercerizados

Rodrigo Curado Fleury

A terceirização é um fenômeno atual e irreversível no mercado de trabalho nacional, e sua utilização pela Administração Pública vem sendo incentivada desde o tempo do Decreto-Lei 200/67(art. 10), passando pela Lei 5.645/70, e mais recentemente, o Decreto 2.271/97. Ao largo do debate acerca da eficácia do instituto como forma de gerenciamento, alguns aspectos jurídicos merecem relevo e especial atenção dos administradores da coisa pública.
Trata-se de mecanismo anômalo de contratação de força de trabalho, fugindo à fórmula clássica de relação empregatícia bilateral (CLT, arts. 2º e 3º). Com ele surgem as figuras da empresa prestadora de serviços,contratante formal do empregado e, aparentemente, o empregador, e a empresa tomadora dos serviços, efetiva beneficiária da força de trabalho do obreiro, que revela-se, em realidade, como um empregador disfarçado. Inserido nesse contexto o trabalhador, elo fraco do triângulo relacional cuja pretensão resume-se, no atual contexto sócio-econômico, à obtenção e garantia do emprego, bem como ao recebimento dos direitos trabalhistas a ele inerentes. Esse o quadro social e jurídico submetido ao crivo da Justiça do Trabalho.
O Tribunal Superior do Trabalho, buscando normatizar a matéria, traçou um marco distintivo entre a terceirização lícita e a ilícita. Enquanto esta caracteriza-se pelo trabalho prestado em atividade finalística da empresa, ou seja, os serviços especializados são nucleares e essenciais à dinâmica empresarial, aquela tem como característica a contratação de trabalhos relacionadas à atividade-meio do tomador, desde que ausentes a pessoalidade e a subordinação direta. A conseqüência da atividade terceirizada ilícita é a formação de vínculo de emprego diretamente com a empresa tomadora de serviços, e a daquela, deconhecida como válida pela jurisprudência, é a responsabilidade subsidiária do tomador, embora o liame empregatício permaneça ligado ao prestador, responsável direto e primeiro pelas obrigações trabalhistas para com o obreiro. É o que se extrai do entendimento consagrado pelo Enunciado nº 331 da Súmula de Jurisprudênciado Colendo Tribunal Superior do Trabalho.
No que pertine à subsidiariedade, que mais diretamente interessa ao tema proposto, “a inteligência vem calcada no aproveitamento concomitante ou simultâneo, por parte de prestador e tomador, do resultado da força de trabalho do empregado. Enquanto o primeiro realiza seu objeto social, o segundo aufere os benefícios diretos do labor – daí a vinculação obrigacional entre as pessoas jurídicas. Finalmente, as figuras da culpa in eligendo e in vigilando também geram os efeitos consagrados pelo elevado precedente(CCB, art. 159)”(Juiz João Amílcar). Portanto, se a empresa tomadora dos serviços, beneficiária direta dos serviços prestados pelo obreiro – substrato lógico, escolhe mal a empresa prestadora, optando por uma firma inidônea (ação imprudente), e/ou deixa de acompanhar a execução do contrato em sua inteireza, inclusive no que diz respeito às obrigações contratuais assumidas em relação aos empregados (omissão negligente), é também responsável pelo eventual inadimplemento das obrigações trabalhistas da prestadora para com o trabalhador – substrato jurídico.
Em que pesem os respeitáveis e abalizados entendimentos em sentido contrário, o fato é que a doutrina e a jurisprudência vêm consolidando essa tese da responsabilidade subsidiária, ou seja, inadimplente o real empregador – prestador de serviços, e esgotadas as tentativas de executá-lo, pode-se exigir do tomador de serviços a reparação do dano causado ao obreiro, desde que tenha participado da relação processual e conste do título executivo judicial.
Muita polêmica tem surgido, no entanto, quando a relação jurídica envolve ente público. No caso da terceirização irregular, impossível cogitar-se da formação do vínculo de emprego com Administração Pública, como ocorre com as empresas privadas, pois olvidada a formalidade essencial do concurso público (CF, art. 37, inciso II). A questão vem expressamente tratada no inciso II do Enunciado 331 do C. TST, não comportando maiores ilações ante a imperatividade do dispositivo constitucional. Já no caso da chamada terceirização lícita, surge a questão acerca da possibilidade de, à exemplo do que ocorre no campo privado, também responsabilizar a Administração Pública pelo inadimplemento das obrigações de índole trabalhista para com o obreiro.
A dúvida surge basicamente por duas razões, a ausência de disposição específica no precedente jurisprudencial em comento, e a expressa previsão constante do art. 71, § 1º, do estatuto das licitações públicas (Lei 8.666/93), que veda a transferência ao contratante da responsabilidade pelo pagamento de encargos trabalhistas, previdenciários e fiscais.
Quanto à falta de previsão específica no enunciado, penso que o fato apenas consagra a responsabilidade subsidiária indistinta do tomador, seja ele ente público ou privado. Quando o C. TST quis diferenciar o fez expressamente, caso do inciso II do precedente jurisprudencial. Não o fazendo no inciso IV, revelou inexistir razão para o discrímen. Ademais, por ocasião da edição do enunciado, já estava em vigor a norma proibitiva específica antes mencionada, que aliás, apenas repete aquela insculpida no § 1º, do art. 61, do Decreto-lei nº 2.300/86(com redação dada pelo Decreto-lei nº 2.348/87), norma anterior que regulava as licitações e os contratos administrativos. De se concluir, pois, que quando a corte superior trabalhista consagrou a tese, considerou, por óbvio, a ordenamento jurídico vigente, concluindo que as normas legais acima citadas não revelavam o condão de impedir a imputação de responsabilidade ao ente público tomador de serviços especializados. Tanto assim o é, que à exceção da C. 5ª Turma (RR-333.071/1996.1, DJU de 15.10.99, pag. 378, v.g.), o C. TST, por meio de suas turmas e subseções especializadas, vem aplicando indistintamente a previsão constante do inciso IV de seu Enunciado 331.
Resta justificar, porém, a inaplicabilidade da norma legal proibitiva e específica da lei de licitações. Em primeiro lugar, no campo infraconstitucional, há um evidente conflito entre o art. 159, do Código Civil Brasileiro, e o § 1º, do art. 71, da Lei nº 8.666/93. Aparentemente de fácil solução, pois em se tratando de normas de mesma hierarquia, a última, por específica e mais recente, deveria prevalecer sobre a regra geral anterior, a questão impõe, no entanto, a análise de outras variáveis. É que o direito em discussão é o do obreiro, fazendo emergir os princípios do direito laboral. Vem a lume, in casu, o princípio da proteção, que consagra a preocupação do direito do trabalho em estabelecer um amparo preferencial ao trabalhador, em razão de sua posição de inferioridade frente ao poder econômico do empregador. O objetivo final é alcançar-se uma igualdade substancial e verdadeira entre as partes (Plá Rodriguez). Uma das formas de materialização do princípio é a aplicação da norma mais benéfica ao trabalhador, ou seja, existindo duas regras disciplinando uma determinada situação concreta – em se tratando de direito do trabalho – aplica-se aquela que resulte em maiores benefícios ao empregado, afastando-se o princípio da hierarquia das normas, bem como as regras de aplicação das leis no tempo e no espaço.
A prevalecer tal entendimento, a proibição da norma que rege a contratação de empresas de prestação de serviços por parte da Administração Pública não pode preponderar quanto aos direitos de índole trabalhista, especialmente quando devidos como decorrência indireta do contrato de natureza administrativa firmado entre a empresa prestadora e o órgão público. Dessa relação reflexa, nasce outra consideração que merece destaque, que refere-se à abrangência da norma reguladora dos contratos administrativos. A legislação administrativa estabelece regras, em muitas oportunidades amparadas na prevalência do interesse público sobre o privado, norteadoras da relação jurídica entre o ente público contratante e a empresa privada contratada, cujos efeitos apenas a estas partes é capaz de obrigar. A proibição insculpida no § 1º, do art. 71, da Lei 8.666/93, deve ser entendida, pois, como proibição de transferência direta da responsabilidade trabalhista para o ente público contratante, via previsão editalícia ou contratual. Não revela o condão, porém, de eliminar a conseqüência decorrente da inadimplência da prestadora para com os empregados, pois esta é indireta e não advém do contrato de prestação de serviço, mas sim do contrato de trabalho anômalo antes já
referido.
Passando a análise da questão para o nível constitucional, mais clara fica a responsabilidade subsidiária estatal. O aspecto inicial que merece relevo é o da aplicação do princípio constitucional da isonomia insculpido na Magna Carta(CF, arts. 1º, III, 3º, I e IV, 5º, caput e I, e 7º, XXXII), um dos pilares do estado de direito democrático. A isonomia pressupõe tratamento igualitário aos iguais, e diferenciado aos desiguais, na medida de suas desigualdades. Mais especificamente ao caso concreto, significa que a adoção de critério discriminatório entre trabalhadores exige uma condição de desigualdade que a justifique, até para que o tratamento diferenciado permita a recomposição do tratamento isonômico constitucionalmente assegurado. Estabelecido o alcance teleológico do princípio, ainda que a vôo de pássaros, não nos parece crível que dois trabalhadores de uma mesma prestadora, com idênticas atividades e atribuições, possam ter tratamento absolutamente diverso, no que pertine às garantias de seus direitos, apenas porque um presta serviços em um local onde funciona um ente privado e outro onde está instalado um órgão público. Inexiste um único motivo gravado de um mínimo de razoabilidade que justifique a diferenciação. O fato de um deles estar amparado pela responsabilidade de ambos os empregadores, o “aparente” e o “dissimulado” (Maurício Godinho Delgado), o direto e o indireto, e o outro contar tão somente com a garantia do empregador formal , sendo a situação de ambos absolutamente idêntica, não encontra eco no comando maior. Dessa forma, a vedação insculpida no estatuto de licitações, em relação ao empregado e seus direitos trabalhistas, viola de maneira flagrante o princípio da isonomia, não passando pelo crivo dos dispositivos constitucionais mencionados em linhas volvidas.
Ainda nessa seara, convém salientar que a diferenciação de tratamento pelo fato de o contratante ser um órgão público, estando presentes as razões do bem comum, justifica-se em relação exclusivamente à empresa contratada, e não ao terceiro, não partícipe direto do ajuste, como é o caso do empregado. As regras do contrato administrativo, em geral, não ferem a isonomia se comparadas às de um contrato privado, de natureza similar. É que, neste aspecto, a presença do Estado na outra ponta do acerto justifica a diferenciação, não se podendo aqui invocar a igualdade de partes. Tal autorização discriminatória, no entanto, não transcende a figura dos contratantes, não podendo atingir terceiros, pois em relação a eles a natureza do ajuste é outra, merecendo regência própria. A relação indireta do Estado para com o obreiro rege-se por normas do direito privado, aplicando-se, por analogia, inclusive, a previsão constante do inciso I, do § 3º, do art. 62, da Lei 8.666/93.
Outro aspecto de ordem constitucional que merece destaque, que no meu entendimento soterra qualquer dúvida porventura ainda existente quanto à possibilidade de responsabilizar o Estado nos casos sub examine, é o princípio da responsabilidade civil objetiva do poder público, inscrito no § 6º, do art. 37, da Carta da República. Pela teoria do risco administrativo que o informa, e que vem sendo consagrada pelas sucessivas Constituições Brasileiras desde a Carta de 1946, o prejuízo causado a terceiro, pela ação ou omissão dos agentes estatais, deve ser indenizado pelo poder público, independentemente da comprovação de culpa ou dolo, exigindo-se tão somente que haja nexo de causalidade entre o dano sofrido e os atos comissivos e/ou omissivos dos agentes públicos, garantido ao Estado, contra estes, o direito de regresso.
Ora, no caso da terceirização envolvendo a Administração Pública, e nas hipóteses de inadimplemento de obrigações trabalhistas, o terceiro prejudicado é claramente o empregado que não recebeu os seus direitos, decorrência concorrente da ação imprudente dos agentes responsáveis pela licitação e contratação, que mal escolheram a contratada, não se cercando das garantias legalmente previstas, e/ou omissão dos responsáveis pela execução do contrato que inobservaram o cumprimento das obrigações da prestadora. O nexo de causalidade é evidente, do que resulta a responsabilidade também do Estado.
A licitação como forma de contratação de obras, serviços, compras e alienações por parte da Administração Pública(CF, art. 37, inciso XXI), tem por objetivo selecionar a proposta mais vantajosa para Poder Público, garantido o princípio constitucional da isonomia (Lei 8.666/93, art. 3º). De se notar, pois, que a licitação visa a obtenção da melhor proposta entre potenciais fornecedores que estejam em condições de igualdade, e não o menor preço absoluto oferecido por qualquer empresa interessada. Diversamente do que equivocadamente entendido por muitos, a licitação não visa o menor preço e sim o melhor preço, este entendido como o menor ofertado por aqueles que demonstrem ter condições de cumprir o objeto pretendido pela Administração. Portanto, cumpre à Administração selecionar, em primeiro lugar, aquelas empresas interessadas do ramo que têm condições jurídica, técnica e econômica de fornecer na íntegra aquilo que se pretende, para dentre elas contratar aquela que ofereça o menor preço. Tal atuação faz valer o princípio da igualdade, pois estabelece diferenças justificáveis entre empresa idôneas e inidôneas, capazes e aventureiras, que por óbvio não se equiparam. Tem por escopo, também, proteger o interesse público. Para tanto o estatuto das licitações colocou à disposição dos agentes responsáveis pelo certame os critérios de habilitação(Lei nº 8.666/93, arts. 27 a 37).
Dessa forma, cumpre ao administrador público verificar a habilitação jurídica da empresa, sua qualificação técnica, ou seja a demonstração de que tem aptidão técnico-profissional para realização de objeto compatível com o da licitação, a qualificação econômica e financeira, consistente na verificação da saúde financeira da empresa, por meio de demonstrações contábeis e exigências de garantias reais, e finalmente, a regularidade fiscal da empresa. Na fase de habilitação já é possível ao agente identificar as empresas capazes de cumprir integralmente o objeto da licitação, afastando aquelas que não demonstrem condições para tanto.
Por outro lado, em se tratando de contratação de serviços especializados via empresa interposta, a proposta de preço consiste em importante instrumento para se avaliar a viabilidade da preço ofertado(§ 3º do art. 44 da lei de licitações). Ora, se a proponente não observa o piso salarial da categoria, não adota percentual de encargos sociais compatíveis com os divulgados pelos institutos especializados, ou mesmo apresenta preços irrisórios para os insumos necessários à realização do serviço oferecido, certamente essa proposta representará problemas para Administração, que deve de plano rejeitá-la, por inexeqüível.
Finalmente, após a contratação, cumpre à Administração velar pela adequada e correta execução do contrato (art. 67 e §§, da Lei 8.666/93), o que abrange o integral cumprimento de suas cláusulas, inclusive, mais especificamente no caso de serviços terceirizados, a correta satisfação das obrigações trabalhistas devidas aos empregados.
Observa-se, pois, que a mesma norma que veda a transferência de responsabilidade ao Estado pelo inadimplemento dos encargos trabalhistas, exige, de outra sorte, que o administrador público responsável eleja a melhor proposta e acompanhe a fiel execução do ajuste. O cumprimento dessas premissas certamente impossibilitará a responsabilização subsidiária da Administração, de que ora se cogita, por ausência de danos. Tendo o agente público o cuidado de contratar uma empresa juridicamente habilitada, tecnicamente capaz,
econômica e financeiramente sólida, que forneça, inclusive, garantias reais, não apenas para participar do certame, como para firmar o contrato, válidas por toda sua vigência (Lei 8.666/93, arts. 31, III, 55, VI, 56 e §§), que esteja regular com suas obrigações previdenciárias e fiscais, e que tenha apresentado uma proposta
compatível com o compromisso assumido, basta, a partir do contrato e periodicamente, acompanhar passo a passo a execução do ajuste e o cumprimento das obrigações junto aos obreiros, para se afastar definitivamente o risco de ter o dever de indenizar. As garantias reais têm, inclusive, esta finalidade.
A título de exemplo, tomemos a contratação de uma empresa prestadora de serviços especializados de vigilância. Por óbvio, para obtenção de uma proposta mais vantajosa, deve o administrador dimensionar o contrato para o máximo previsto em lei que é de 60(sessenta) meses(art. 57, inciso II da Lei 8.666/93), pois dessa forma os custos de mobilização e desmobilização de pessoal podem ser diluídos ao longo do contrato. Ora, nesta circunstância, temos que apenas para participar do certame a empresa interessada deve oferecer um garantia real de 1%(um por cento) do valor estimado do contrato. Os aventureiros certamente não terão condições de oferecê-la. O vencedor deverá prestar, desde que exigida, garantia equivalente a 5%(cinco por cento) do total do ajuste, ou seja, o equivalente a 03(três) meses de contrato, e que deverá ser mantida atualizada até o fim da avença. A execução fiel, acompanhada pari passu, como, aliás, exige a lei, de par com a garantia de que dispõe o ente público contratante já são suficientes para impedir o descumprimento das obrigações contratuais por parte da empresa, entre elas a de responsabilizar-se pelo pagamento das obrigações trabalhistas devidas aos empregados.
Nesse acompanhamento, verbi gratia, pode e deve a Administração exigir, antes do pagamento de cada fatura mensal, os comprovantes de recolhimentos para o INSS e FGTS e demais encargos sociais estabelecidos em lei (art. 29, inciso IV, da Lei 8.666/93). Deve a Administração acompanhar o horário de trabalho dos obreiros, verificando mensalmente a satisfação das horas extras, controlar o pagamento e a fruição de férias, a satisfação correta das verbas salariais, enfim o cumprimento integral das obrigações decorrentes da relação de emprego mantida entre o obreiro e a prestadora.
Agora, se o órgão público licitante não exige no Edital preços compatíveis com os de mercado, que inclusive possibilitem à empresa o integral cumprimento do ajuste, garantias reais, comprovação de aptidão técnica e econômica, e deixa de acompanhar minuciosamente a execução do contrato, é evidente sua co-responsabilidade pelo eventual prejuízo que venham a ter os trabalhadores que lhe prestarão serviços.
Indene de dúvidas, portanto, que salvo a hipótese de comprovada fraude documental, dispõe a Administração de todos os elementos jurídicos suficientes a garantir a execução plena do contrato administrativo de terceirização lícita de serviços especializados, razão pela qual eventual inadimplemento de obrigações trabalhistas por parte da contratada frente aos empregados, certamente contou com a conivência, ainda que sem culpa ou dolo, dos agentes públicos responsáveis, tanto na escolha da prestadora, donde decorreria a culpa in eligendo por parte da Administração, quanto na falta ou insuficiência de acompanhamento da execução do contrato, o que materializaria a culpa in vigilando. E nesta circunstância, o dever de indenizar do Estado decorre da previsão constante do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, que por força do princípio da hierarquia das leis sobrepõe-se à vedação de que trata o § 1º, do art. 71, da Lei 8.666/93.
De se observar, por fim, que estão presentes, na hipótese, os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público(Ministro Celso de Mello), e que compreendem a) a alteridade do dano, emergente da insatisfação dos direitos trabalhistas do obreiro; b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) e/ou negativo (omissão) dos agentes públicos, decorrente da contratação mal realizada de empresa inidônea ou incapaz de realizar o contrato, e da falta ou insuficiência de garantias contratuais e acompanhamento da execução do ajuste ; c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agentes do Poder Público, que tenham, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não do comportamento funcional, o que ressai claro da oficialidade dos procedimentos licitatórios e contratuais; e por fim, d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal, que se vislumbra pela inexistência da caso fortuito ou força maior, e a não concorrência, em regra, doobreiro para a consecução do dano.
Concluindo, sob qualquer ângulo que se examine a questão, data venia das respeitáveis opiniões em sentido oposto, afigura-se-me clara a responsabilidade subsidiária da Administração Pública pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte das empresas prestadoras, assim como ocorre com a empresa privada contratante, tendo indistinta aplicabilidade o inciso V do Enunciado 331 da Súmula de Jurisprudência do Colendo Tribunal Superior do Trabalho.
A questão é de todo polêmica, tanto que há diversas correntes jurisprudenciais conflitantes nos Tribunais trabalhistas de todo o Brasil, e inclusive dentro do próprio Tribunal Superior do Trabalho, e por essa razão não teria, por óbvio, a pretensão de esgotar o tema. O objetivo deste singelo estudo, que reflete apenas posicionamento pessoal, é de apenas e tão somente permitir o debate e a reflexão permanente sobre o tema, cuja tendência é de ganhar contornos de grande magnitude, pois a terceirização vem tomando corpo na moderna administração, seja ela pública ou privada.

Brasília, outubro de 1.999.

Rodrigo Curado Fleury é bacharel em Direito e Administração, pós-graduado em Administração Judiciária pela Fundação Getúlio Vargas. Foi Diretor-Geral do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, onde atualmente exerce a função de Assessor de Juiz togado do Tribunal.

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