Por: José Carlos Teixeira Giorgis (*)
Email: jgiorgis@tj.rs.gov.br (*)
Uma das páginas mais jocosas da literatura brasileira é a indignação de Vadinho quando o banco onde contraíra um empréstimo exige que cumpra a obrigação assumida, e vencida. “E o avalista, indaga revoltado, porque não pagou?” Ante a surpresa do gerente completa: “E a gente procura sempre selecionar os avalistas entre pessoas dignas e respeitáveis, que acabam não honrando a indicação!” E mais não disse e nem lhe foi perguntado, por que se retirou de forma olímpica, mandando às favas a quitação do título devido. Embora o diálogo possa não ser absolutamente fiel, é triste a constatação de que o fato se repete com assiduidade e pessoas criam brotoejas quando o amigo põe a sua frente um contrato ou uma promissória com seu nome já datilografado à esquerda, atitude adiantada pela confiança na velha e fraterna relação.
Não há como escapar, melhor é abrir uma poupança, jejuar dos prazeres mundanos, transferir a compra do automóvel, adiar a viagem ao exterior, desistir de um novo filho, pois com regular precisão vai se incomodar. E pagar, sem possibilidade de retorno. Claro, há expressivas exceções, mesmo porque os proprietários se cercam de expedientes para proteger seu cabedal, mas a estatística não é animadora, alguma inquietação sempre existirá. As regras de locação instituiram a fiança como importante garantia do contrato como obrigação acessória a um compromisso principal, tal como acontece com a hipoteca, o penhor, a anticrese, cujas existências se vinculam ao dever básico. Na verdade são reforços ao cumprimento da obrigação principal, desta seguindo a sorte, salvo incapacidade do agente, ineficácia do pacto, novação subjetiva pela cessão ou transferência da locação, fiança do cônjuge sem adesão do parceiro ou prestada por sociedade quando o contrato proíba, além de outras causas. Há um direito subsidiário, o que não ocorre no aval onde a responsabilidade é autônoma e independente, somente desaparecendo a acessoriedade da fiança com a asfixia da obrigação principal. Dita responsabilidade abrange locativos, eventuais danificações, multas, incêndios e os outros encargos contratuais, salvo quando o devedor subsidiário apenas se obrigou ao pagamento dos aluguéis. Embora não figure como parte, é necessário que o fiador seja cientificado da demanda despejatória, oportunizando a purga da mora, também para evitar outros ônus. Caso não o faça, pode submeter-se à ação autônoma de execução, desde que tenha sido noticiado do pleito de defenestração, como predito.
As cortes julgadoras achavam que constando do contrato uma cláusula expressa, a fiança persistia mesmo no caso de prorrogações do acerto locativo, salvo sua exoneração nas hipóteses legais. Hoje mudou o entendimento, como revelam as continuadas decisões do STJ, para quem a obrigação decorrente da fiança locatícia deve restringir-se ao prazo originalmente contratado, descabendo se exigir do garantidor o pagamento dos débitos do período de prorrogação da locação, com o que não consentiu. Ou seja, agora a jurisprudência é firme no sentido de que o contrato acessório de fiança deve ser interpretado de forma restritiva: vale dizer, a responsabilidade do fiador fica delimitada a encargos do pacto originalmente estabelecido, de modo que a prorrogação do contrato por tempo indeterminado, compulsória ou voluntária, sem anuência dos fiadores, não os vincula, pouco importando a existência de cláusula de duração da responsabilidade do fiador até a efetiva devolução das chaves (por todos, Resp. 421.098, j.17.02.04). Nesta senda o fiador não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu (STJ, Súmula n.214). Como se vê, agora os fiadores podem ter razoável folga em seus haveres, acautelando-se com as renovações de contratos para não terem nova fadiga emocional.
Descrição do Autor
desembargador do TJRS