A Semelhança entre o Disco de Vinil e o Direito

Mario Antônio Lobato de Paiva

Advogado em Belém
Sócio do escritório Paiva & Borges Advogados Associados
Professor (pós-graduação em Direito de Informática) da Universidade Estácio de Sá em Minas Gerais
Sócio-fundador do Instituto Brasileiro da Política e do Direito da Informática – IBDI
Membro do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico
Presidente da Comissão de Estudos de Informática Jurídica da OAB-PA
Conferencista

(Breve retrospecto do impacto tecnológico no Direito)

Estamos diante de um novo quadro mundial onde o potencial de um indivíduo é mensurado pela capacidade de adaptação que possui diante das modificações verificadas em seu contexto social.
As transformações que nos referimos ocorre no campo da tecnologia e que tem um impacto profundo tanto na vida de um simples trabalhador como na de um empresário ou cientista.
Não podemos mais fechar os olhos ou ignorar os avanços ocorridos nesta área. Seria como estivéssemos em um automóvel dirigindo em alta velocidade sem freios, em mão única e sem retornos.
Esse caminho sem volta nos é imposto pela tecnologia que com sua constante evolução impõe a todos uma mudança de hábitos construindo uma verdadeira Sociedade da Informação e caracterizando o novo milênio como uma espécie de Era Digital.
Para que o leitor não tenha dúvidas de nossas palavras podemos citar vários exemplos que modificaram práticas comuns a todos. Um deles é a substituição (extinção) dos discos de vinil pelos Cd’s (compact disc). Hoje a venda do vinil é rara e até mesmo os aparelhos que o reproduzem saíram da linha de produção das fábricas especializadas.
Tal revolução no campo musical é um exemplo de que o impacto tecnológico pode ser percebido em todos os demais segmentos da sociedade e é por isso que devemos fazer um esforço conjunto para alcançar sempre uma maior evolução em outras áreas para nos aproximar o máximo possível da tecnológica.
Infelizmente no campo jurídico não temos visto um acompanhamento satisfatório. A nosso ver possuímos uma realidade jurídica que não condiz com a realidade fática. Seria como se estivéssemos (nós operadores do direito) ouvindo discos de vinil enquanto que toda a sociedade ouve o som puro do compact disc.
Temos uma gama imensa de situações jurídicas hoje ocorridas no chamado mundo virtual que não são acompanhadas pelo Direito. A grande maioria da questões são “resolvidas” por intermédio de legislações velhas que nem sequer sonhavam com a existência e muito menos com a aplicação do computadores em determinadas questões.
E, mesmo assim, existem ainda uma série de doutrinadores respeitados que defendem a tese de que todas as relações ocorridas no mundo virtual são plenamente resolvidas pela legislação vigente. Assemelhamos tal prática ao sujeito que insiste em colocar o disco de vinil em aparelho de reprodução de um CD ou vice-versa. Hipoteticamente poderemos até ouvir alguma coisa parecida com música mas que não passará de ruídos.
Assim acontece com a aplicação da legislação velha aos casos virtuais. Poderemos até aplicá-la enquanto não houver outra solução porém, da mesma forma do exemplo acima citado, alcançaremos apenas ruídos de algo semelhante a correta e justa interpretação do Direito.
Alguns especialistas dizem que avançamos em muitos pontos. Porém, entendemos que ainda estamos muito aquém da realidade. Muitas medidas elementares ainda não foram tomadas causando insegurança jurídica a todos. Vejamos alguns exemplos que achamos por bem alertar:
a) Dos Delitos Eletrônicos- os chamados cibercrimes multiplicam-se causando pânico a todos. Hackers e crakers invadem sites institucionais, aniquilam sistemas de segurança e, em resumo, causam grandes prejuízos. Além disso o crimes contra honra, a integridade física e, frenquentemente, casos de pedofilia. Apesar de tudo verificamos que a doutrina ainda não sente segurança em puní-los pois a legislação vigente não prevê estes tipos específicos de crimes, uma vez que contamos ainda com um Direito Penal que não permite a analogia e a interpretação extensiva e, muito menos, a interpretação in pejus para o acusado. Contamos além disso com o princípio de que não há crime sem lei anterior que o defina. Assim entendemos que enquanto houver omissão do legislador deveremos aplicar o ordenamento vigente porém de forma a não deixar que os crimes proliferem, mesmo que com pouca legitimidade doutrinária e legal, o que traz um sério risco para a sociedade.
b) A Propriedade intelectual na internet deve receber um tratamento específico para conseguir que os direitos autorias sejam resguardados pois várias práticas tem sido utilizadas impedem o respeito a esses direitos. Além disso ressentimos de discussões mais profundas como a que se refere a função social da propriedade intelectual que visa o maior alcance da produção cultural atingindo a camada menos desfavorecida da população.
c) O Spam- a praga das mensagens não solicitadas vem alastrando-se de um forma irracional e inconveniente na caixa de e-mail gerando prejuízo a milhares de usuários. Só para que tenhamos idéia nosso e-mail recebe por dia cerca de sessenta cartas eletrônicas indesejadas por dia e não temos a intenção de mudá-lo pois trata-se do mais importante e certo endereço que possuímos ao mesmo tempo em que encontra-se afixado em diversos artigos de nossa lavra por dezenas de revistas e portais no Brasil e no Exterior que nos permite o contato direto com os leitores. Por isso se mudarmos de endereço eletrônico como tenho sido aconselhado sofreremos sérias perdas e com certeza dessa forma não resolveremos verdadeiramente nosso problema além de nos privarmos deste intercâmbio cultural.
d) Direito Eletrônico- acreditamos que o caminho mais importante a ser seguido é o da criação de um Direito específico para o tratamento das questões oriundas do mundo virtual. Por isso a necessidade de um esforço conjunto dos operadores jurídicos de todas as áreas no sentido de oferecer cursos de graduação e pós-graduação nessa área concomitantemente com a criação de seus institutos e princípios que a norteiem. Inserí-lo também como matéria obrigatória nas provas de concurso público na área jurídica.
e) Governo Digital- neste ano precisamos de investimentos direcionados a informatização dos serviços públicos. Nas Bibliotecas públicas, por exemplo, devem ser instaladas salas de computação com o fulcro de ensino, de pesquisa e manuseio dos aparatos eletrônicos. No Judiciário terminais inteligentes, guias de pagamento eletrônicas, despachos simples uniformizados, certidões expedidas pela internet e, principalmente, o preparo dos servidores e profissionais para utilizar de forma correta os mecanismos eletrônicos postos a sua disposição desburocratizando os serviços. Além disso investir no ensino a distância dado oportunidade a todos a educação, especificamente, aqueles que não tem condições de se deslocar até a unidade de ensino.
f) Monitoramento- a questão da fiscalização do tráfico de e-mail na empresa pelo empregador ainda é matéria extremamente difícil de ser resolvida por não possuírmos justamente legislação específica. Pois coloca em confronto preceitos constitucionais que levam qualquer simples reclamação trabalhista para o Supremo Tribunal Federal e, portanto, não trazendo justiça para os litigantes que precisam esperar anos a fio para obter seus créditos alimentares.
g) Legislação- Não há como fugir da necessidade de legislação específica para dar segurança as relações perpetuadas na internet. Devemos alertar nossos representantes na Câmara sobre a necessidade de proposição urgente e aprovação dos projetos envolvendo esses tipos de questões como um forma de dar ordem as relações virtuais, pois quem mais sofre com este tipo de ausência é sem dúvida o comércio eletrônico e a tributação incidente que deixa de realizar vultosos negócios e arrecadar milhões de reais que poderiam ser revertidos em favor da população.
h) Prova- outra questão que deverá ser enfrentada é a da validação dos documentos eletrônicos, da assinatura digital e dos cartórios cibernéticos pois são de fundamental importância para o desenvolvimento do aparelho judicial. Devido a sua grande dimensão esse assunto não deve ser tratado apenas por intermédio de medidas provisórias e organismos independentes sob pena de sofrer conseqüências gravíssimas aos usuários como em questões de sigilo e desvio de finalidades dos dados assegurados aquela entidade privada. Imaginemos por exemplo, que uma simples e-mail possa servir como prova irrefutável para o deslinde de uma lide mais em virtude de sua fragilidade probatória será considerado como mero indício mesmo que nele esteja escrito declarações contudentes para decidir a questão.
Em nosso sentir esses são os chamados pontos de estrangulamento que devem ser observados no momento em que resolvermos enfrentar o assunto.
Tentamos com esta breve exposição demonstrar ao leitor que estamos diante de um Novo Mundo, um Novo Direito, uma Nova Sociedade transformada pela tecnologia que rompe fronteiras, aniquila, modifica e fragiliza conceitos importantes. Precisamos então de uma rápida resposta de nossos representantes no poder no sentido de viabilizar maneiras de enfrentar as questões advindas do mundo virtual por intermédio de leis, atos e investimentos capazes de assegurar maior segurança nas relações virtuais incentivando assim tanto o cidadão comum como o empresário a realizar suas tarefas e estabelecer negócios pela via eletrônica trazendo assim facilidade, economia e simplificação de nossas vidas.
Por fim queremos despertar os colegas para a seriedade dos acontecimentos incentivando a todos a tomada de uma postura firme diante do impacto cibernético que estamos sofrendo para que possamos transformá-lo não em um impecílio e sim em um instrumento de conquista de uma vida mais digna e qualitativa para nós e para a Sociedade. Portanto deveremos nós operadores do Direito estar em simetria com a realidade vivida por todos. Não podemos deixar que o mundo real se distancie do mundo jurídico. Devemos dançar conforme a música da vida. O que não poderemos continuar é a ouvir o mais puro som de nosso Direito sendo reproduzido em uma vitrola velha que só toca discos de vinil como é o caso de nossa legislação.

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