por Luís Nassif
Na sexta feira fui mediar um debate em um seminário internacional promovido por agentes fiscais em São Paulo. Dava orgulho assistir as apresentações, os últimos avanços tecnológicos para cercar os sonegadores, as ferramentas tecnológicas, estatísticas.
Tirei a capa de mediador e vesti luvas de boxe apenas quando o representante do BID reiterou o apoio da instituição, elogiou o aumento da carga tributária, e atribuiu à choradeira as reclamações contra os impostos e os alertas de empobrecimento da classe média.
Parabenizei os fiscais presentes, enalteci a relevância de seu trabalho, mas alertei que, sem ser por sua culpa, estavam a serviço de um modelo ferozmente anti-social, no qual só sobrevivem os cartéis e o crime organizado.
Chego para meu encontro semanal com a crônica, e abro no e-mail do jovem procurador da Fazenda de Ribeirão Preto, indignado com minha demonstração de apoio ao empresário em dificuldades, que foi tratado como criminoso e condenado à prisão. Diz que o papel deles é fazer cumprir a lei, defender o empresário correto do sonegador. Respondo-lhe que só a idade ou a sabedoria precoce torna as pessoas suficientemente sábias para ter o discernimento de separar o criminoso do homem sério em dificuldades. Ele tem 32 anos, mas chega lá.
Aí coloco no computador o “Regreso a La Tonada”, cantado por Mercedes Sosa e procuro na caixa postal o e-mail que me foi enviado pelo advogado Léo Iolovitch, colega de escritório do dr. Paulo Brossard. E reproduzo a história que me mandou.
Em setembro de 2003 foi procurado por uma amiga de infância que não via há muito tempo. Ela tinha uma confecção de roupas e com muito trabalho, cresceu. O marido, engenheiro especializado em informática, deixou a profissão e foi auxiliá-la na administração da empresa.
Então veio o Real, o câmbio foi apreciado, as importações inundaram o país, a roupa importada passou a chegar a um custo inferior ao do próprio tecido que a empresa utilizava. Começou o penoso caminho rumo à ruína. Cheque especial, factoring, agiota, e a escolha terrível: ou pagar salários ou recolher a contribuição previdenciária. Os salários foram pagos.
A empresa fechou, os empregos se acabaram, ficaram as dívidas. Não tiveram nem recursos nem ânimo para se defender dos processos criminais na Justiça Federal. O marido foi condenado a prestar serviços à comunidade em uma creche, em uma vila popular.
Teve início o duro recomeço, através de um concurso para cargo administrativo no Ministério Público Estadual. Foi muito bem classificado. Quando foi assumir o emprego, foi impedido. A condenação criminal havia suspendido seus direitos eleitorais.
O marido havia cumprido metade da pena. No final do ano seria publicado o tradicional indulto de Natal. Faltavam dois meses. Iolovitch procurou o presidente em exercício do TRE, falou com o Procurador Geral da Justiça, mas nada poderiam fazer ante o impedimento legal.
Sem alternativa, entrou com ação judicial pedindo a reserva da sua vaga. O juiz indeferiu. O advogado fez um agravo ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. O desembargador relator acolheu o pedido e deu despacho favorável, com prazo até 31 de dezembro para obter a negativa da Justiça Eleitoral.
Ocorre que o indulto daquele ano saiu diferente, dando o benefício para quem tivesse pena privativa de liberdade, mas silenciando sobre os que tiveram restritiva de direitos, como era o caso dele.
Iolovitch tentou o indulto, então, perante o Juiz das Execuções Criminais da Justiça Federal. Depois de algum tempo, veio a decisão favorável, uma aula de humanismo e de justiça: “Infeliz do julgador ao qual apraz a imposição de sentença condenatória, apenas o fazendo por dever de oficio, quando a comprovação da prática da conduta delituosa o impele a tal solução processual. Porém, feliz do magistrado que tem a possibilidade de assegurar a justiça por meio de sua decisão. E este Juízo sente-se satisfeito em assegurar ao requerente o pleno exercício de seus direitos, com base em argumentos que, reconhece-se, podem ser juridicamente imprecisos, todavia de inequívoca intenção humanitária”.
Ao receber a sentença, Iolovitch chamou o cliente ao escritório. Leu a sentença a um homem que chorava intensamente o reinício da sua vida.
O advogado recebeu, como pagamento, a alegria daquela família e, no Natal, um mata-borrão para sua caneta tinteiro, e um tinteiro antigo, juntamente com um quadro encomendado a um calígrafo, agradecendo sua atuação.
Vou terminando a crônico, ouvindo os gritinhos das menininhas na chuva. Sempre que chove, a mãe deixa que se molhem. Acha que a chuva limpa a alma. No computador, Mercedes Sosa continua cantando, e lamento não ter ainda o site pessoal pronto, para que o leitor possa ler a crônica tendo a música como fundo. E vou me dando conta que ando muito sentimental para um jornalista.
* Artigo publicado no site da Agência Dinheiro Vivo
Revista Consultor Jurídico, 14 de Março de 2005