José Carlos Teixeira Giorgis (*)
Não foi feliz o novo Código Civil em repor a culpa como causa para dissolução da arquitetura conjugal, afastada já deste nicho há mais de vinte e cinco anos e inumada pela constância das decisões judiciais.
A posição do tribunal gaúcho é iterativa em afastar a identificação do culpado pela ruptura da sociedade conjugal (APC 70002690824 e 599349305, entre outros), pois se cuida de debate que não conduz a objetivo algum, senão à satisfação de erigir-se um dos cônjuges como inocente na corrosão do casamento, espécie de vitimização que não afeta a partilha, a guarda dos descendentes e até mesmo a concessão de alimentos, mas que reflete tristemente na personalidade dos filhos.
Conforme a literatura, o exame da culpa conjugal se ancora no direito canônico, quando este prevalecia sobre outras as formas jurídicas, apoiando-se no relevo da moralidade e da ordem pública, daí o casamento indissolúvel e a vedação ao divórcio; nesta etapa, as separações apenas se davam por motivos estritos, muito graves, incapazes de sustentar mais o arcabouço familiar, entre os quais o adultério, delito que é o que mais facilmente se suspeita e, ao mesmo tempo, o mais difícil de se provar (RT 262/466).
Em países como a Alemanha, há muito foi abolida qualquer possibilidade processual de pesquisar a culpa dos cônjuges pela derrota do seu matrimônio, pois a máquina judiciária estará mais bem aproveitada se concentrar seus recursos e esforços, com equipes muldisciplinares ensinando os que se separam como devem enfrentar suas renovadas experiências afetivas, corrigindo para suas novas núpcias, ou mesmo para suas relações informais, as falhas que tenham por ventura provocado dentro do relacionamento conjugal, por inocência, cisma, ingenuidade ou cizânia, já que nada na seara do amor, é realmente inalterável quando houver vontade de crescer como pessoa e fortalecer suas relações.
A discussão tende a ressurgir rancores, constituindo-se em intromissão estatal na intimidade das pessoas, ofendendo sua dignidade, adentrando-se na angústia existencial, na luta entre o bem e o mal, o que não afasta a idéia de vingança ou crueldade em indigitar alguém como responsável, quando nem mesmo os cônjuges têm consciência onde reside a verdadeira causa do malogro.
Cabe ao Judiciário, então, catalogar estes restos de amor e declarar, numa divisão maniqueísta, quem vence ou perde, quando é difícil ou mesmo impossível aferir a culpa real pelo desenlace.
Por tudo, embora prevista da legislação civil vigente, é absolutamente inadequada a discussão sobre a culpa na erosão do edifício familiar, aguardando-se que as propostas de reforma venham adequar o instituto da separação ao roteiro consagrado ou os pretórios anatemizem o retrocesso.
(*) Desembargador. (jgiorgis@tj.rs.gov.br)