Autor: Rodrigo Forcenette (*)
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, concedeu medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.835 para suspender dispositivos da LC 157/16 que alteraram, em junho de 2017, critérios relativos ao local de pagamento do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN).
A decisão foi proferida com fundamento no artigo 10, parágrafo 3º, da Lei 9.868/99, estando sujeita ao referendo do Plenário do STF. O ministro solicitou data para julgamento, nos termos do artigo 21, X, do RISTF.
O processo, também por decisão do relator, segue o rito do artigo 12 da Lei 9.868/1999, o que desencadeia um processamento mais célere, permitindo-nos intuir que, ao julgar o referendo, provavelmente o Plenário decidirá definitivamente a questão.
A célere definição da matéria é almejada pelos contribuintes afetados pela legislação impugnada, que primam por segurança jurídica, assim como pelos próprios municípios, já que impossibilitados de exigir o ISSQN.
Em 30/5/2017, o Congresso Nacional derrubou veto do presidente da República em trecho da LC 157/16 que alterava o local do recolhimento do imposto para determinadas atividades.
Seguem dispositivos referidos:
Art. 1º A Lei Complementar no 116, de 31 de julho de 2003, passa a vigorar com as seguintes alterações:
Art. 3º O serviço considera-se prestado, e o imposto, devido, no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXV, quando o imposto será devido no local:
…
XXIII – do domicílio do tomador dos serviços dos subitens 4.22, 4.23 e 5.09;
XXIV – do domicílio do tomador do serviço no caso dos serviços prestados pelas administradoras de cartão de crédito ou débito e demais descritos no subitem 15.01;
XXV – do domicílio do tomador dos serviços dos subitens 10.04e 15.09
Art. 6º …
§ 2º …
…
III – a pessoa jurídica tomadora ou intermediária de serviços, ainda que imune ou isenta, na hipótese prevista no § 4º do art. 3º desta Lei Complementar.
§ 3º No caso dos serviços descritos nos subitens 10.04 e 15.09, o valor do imposto é devido ao Município declarado como domicílio tributário da pessoa jurídica ou física tomadora do serviço, conforme informação prestada por este.
§ 4º No caso dos serviços prestados pelas administradoras de cartão de crédito e débito, descritos no subitem 15.01, os terminais eletrônicos ou as máquinas das operações efetivadas deverão ser registrados no local do domicílio do tomador do serviço.
Os pontos questionados determinam que o ISSQN seja devido no município em que situado o tomador do serviço, no tocante às atividades de planos de saúde, fundos de investimento, administração de consórcios, administração de cartões de crédito/débito, franquia, factoring e arrendamento mercantil (leasing).
A ação é movida pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) e pela Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (Cnseg). Alegam violação aos artigos 5º, caput, XXXII, LIV, 146, I e III, “a”, 146-A, 150, I, 156, III e 170, caput, IV e parágrafo único, todos da Constituição Federal de 1988.
Invoca-se, ainda, afronta ao princípio da segurança jurídica, na medida em que a alteração efetivada faz tábula rasa à jurisprudência de nossos tribunais superiores com relação à forma de tributação de algumas das atividades alvejadas. Cita-se os casos de leasing, consórcios e das operadoras de planos de saúde.
Antes da LC 157, o ISSQN era exigido, para esses serviços, no local do estabelecimento prestador do serviço.
Outras ações foram interpostas perante o STF sob as mesmas alegações, praticamente. Tratam-se das ADIs 5.742, 5.838, 5.840, 5.844 e 5.862 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 499.
Ao conceder a liminar, o ministro relator entendeu que:
“Diferentemente do modelo anterior, que estipulava, para os serviços em análise, a incidência tributária no local do estabelecimento prestador do serviço, a nova sistemática legislativa prevê a incidência do tributo no domicílio do tomador de serviços.
Essa alteração exigiria que a nova disciplina normativa apontasse com clareza o conceito de ‘tomador de serviços’, sob pena de grave insegurança jurídica e eventual possibilidade de dupla tributação, ou mesmo inocorrência de correta incidência tributária.
A ausência dessa definição e a existência de diversas leis, decretos e atos normativos municipais antagônicos já vigentes ou prestes a entrar em vigência acabarão por gerar dificuldades na aplicação da Lei Complementar Federal, ampliando os conflitos de competência entre unidades federadas e gerando forte abalo no princípio constitucional da segurança jurídica, comprometendo, inclusive, a regularidade da atividades econômica, com consequente desrespeito à própria razão de existência do artigo 146 da Constituição Federal”.
A decisão é um alento às sociedades que atuam nesses ramos. A LC 157/16, ao ensejar a alteração do local de recolhimento do ISS, além de configurar patente incompatibilidade à realidade operacional desses serviços (o local do tomador do serviço não condiz, efetivamente, com o local da prestação) e às normas constitucionais que disciplinam a matéria, notadamente com relação à competência conferida aos municípios para instituição do tributo (para grande parte da doutrina deve incidir no local da prestação do serviço), trouxe óbices capazes de comprometer o exercício regular destas atividades.
Destacamos os distintos padrões estabelecidos pelos municípios para o cumprimento das obrigações assessórias (emissão de notas fiscais, declaração de serviços prestados etc.), para aferição da responsabilidade pela retenção do imposto, bem como critérios de definição/composição da base de cálculo.
O STF, ao julgar o mérito da ação, terá a oportunidade de definir o critério espacial possível da regra matriz de incidência a ser instituída pelas legislações municipais, a partir do arquétipo constitucional previsto para o ISSQN, bem como legislação complementar (artigo 146, III, “a”, e 156, III e parágrafo 3º, da CF).
O tema, apesar de histórico, ainda é objeto de muitas discussões na doutrina e jurisprudência.
Há tempos se discute se os impostos discriminados pela CF na competência da União, estados, Distrito Federal e municípios possuem um arquétipo constitucional capaz de vincular suas regras-matrizes (pré-definidas) ou se haveria certa liberdade para atuação dos entes tributantes quando da edição de suas leis específicas.
Ou seja, no caso específico do ISSQN, teria a CF definido, nos termos do artigo 156, III, como hipótese de incidência (fato gerador) possível a “prestação” de serviços de qualquer natureza? Ou o constituinte teria outorgado ao legislador complementar (artigo 146, III, “a” e 156, III) e respectivas legislações municipais autonomia para fixar a tributação na tomada do serviço?
Destacamos a lição de Roque Antônio Carrazza:
“Na realidade, o ISS não alcança propriamente os serviços de qualquer natureza, mas a prestação (onerosa) destes serviços. Daí podemos avançar o raciocínio, frisando que o tributo em pauta só pode surgir da execução de uma obrigação de fazer, mais precisamente, do fato de alguém prestar serviços. (…) Embora a Constituição, em seu art. 156, III, faça expressa menção a serviços, ela, elipticamente, está aludindo a serviços prestados a terceiros, ou seja, a prestação de serviços. (…) Ademais, como o ISS deve obedecer a uma série de princípios constitucionais, dentre os quais o da capacidade contributiva, é necessário agregar, à expressão serviços de qualquer natureza, o verbo ‘prestar’. Qualquer outro verbo (‘fruir’, por exemplo) negaria os postulados constitucionais informadores da tributação por meio de ISS”.
Se pré-definida constitucionalmente a hipótese de incidência como “prestação de serviços”, os critérios “especial”, “pessoal” e “quantitativo” deverão corresponder, dentro de uma análise lógica, ao local da prestação, ao município onde o serviço foi prestado/prestador do serviço (sujeitos ativo e passivo) e ao preço do serviço, respectivamente.
Essa linha de pensamento não exclui a possibilidade de instituição do tomador de determinado serviço figurar como sujeito passivo responsável, a teor do que dispõem os artigos 121 e 128 do CTN.
Trata-se, pelo que se depreende, de uma importante diretriz a ser definida pela suprema corte, com efeitos que transcendem à estrutura jurídica do ISSQN.
Aguarda-se, agora, com esperança e serenidade, a decisão definitiva a ser proferida pelo Plenário do STF e que, na sequência, o Congresso Nacional, ciente dos supostos equívocos cometidos, discipline a matéria de acordo com as especificidades que tais atividades apresentam, sem onerá-las e ou inviabilizá-las, respeitando os desígnios constitucionais.
Dentre os projetos de lei em trâmite no Congresso sobre a matéria destacamos o PL 445/07, que visa centralizar o cumprimento de obrigações acessórias e recolhimento do ISSQN, para posterior divisão entre os municípios competentes. Referido projeto já foi aprovado no Senado e encaminhado à Câmara do Deputados.
Por tal projeto, contudo, continua sendo possível a tributação no local da tomada do serviço, e não na localidade em que efetivamente é prestado.
Até final decisão, fica suspensa a cobrança de ISSQN e obrigações acessórias (emissão de notas fiscais, declarações de serviços) por todo e qualquer município, com base nas alterações efetivadas pela LC 157/16.
A cobrança, contudo, poderá ser realizada pelo município do local da prestação (estabelecimento prestador), respeitados os preceitos legais vigentes e não “atacados” pela medida cautelar.
Importante atentar para as especificidades e os mais variados efeitos de cada legislação municipal, em especial no tocante as hipóteses de retençãoinstituídas em algumas localidades. Recomendamos a cientificação dos tomadores incutidos nessas obrigações, alertando-os acerca da desoneração ora comentada.
Por se tratar de decisão provisória, recomendável o provisionamento contábil para fazer face às eventuais contingências tributárias que poderão advir, caso haja reforma, modificação do entendimento, sendo mantidas as disposições contidas na LC 157.
Vale a ressalva, por fim, que os valores recolhidos até a data da concessão da medida cautelar não poderão ser objeto de restituição, devendo-se aguardar final julgamento a ser realizado em sessão plenária.
Autor: Rodrigo Forcenette é sócio do escritório Brasil Salomão e Matthes e professor de Direito Tributário.