1. Introdução
A expectativa que se faz em torno da pena de prisão, bem como do encarceramento de determinados criminosos rotulados como “chefes do crime”, transmitem à sociedade uma falsa ilusão de segurança, punidade e de dever cumprido pela autoridade estatal.
Diante disso, vemos que a simples prisão ou até mesmo a condenação efetiva desses marginais não é suficiente para fazer cessar a máquina criminosa. Ao contrário, as prisões constituem fábricas indiretas de delinqüentes.
A legislação brasileira acerca do sistema prisional dispõe sobre a necessária individualização penal a fim de se vislumbrar um planejamento ressocializador eficaz, além de obstar a dessocialização. No entanto, tal medida não é respeitada, o que por conseqüência afronta os direitos e garantias fundamentais do preso.
A problemática da pena de prisão nunca deixou de ser um tema atual, entretanto, é preciso que se recorra à privação da liberdade apenas em casos extremos, ou seja, quando o direito penal for indispensável à estabilidade do corpo social. O congresso da ONU realizado em 1995 já apontava no seu contexto final medidas emergentes para o caos mundial, citando dentre as soluções a implantação de penas alternativas.
A busca incansável por métodos e programas que ajudem a facilitar a implantação de políticas públicas no sistema penitenciário, visando seu desafogamento e prosperando uma real reintegração social do apenado, é o ideal primeiro a ser perseguido.
Neste esteio, não devemos renunciar à busca de uma solução razoável e que se aproxime o mais possível do ideal, pois, contrário sensu, a sociedade será dominada pelo terror.
2. A ressocialização como finalidade da execução da pena privativa de liberdade
Falar de luta contra o crime significa, hoje, assinalar uma finalidade ao direito penal, qual seja, à pena.
Apesar de inserida na Lei de Execução Penal, à perspectiva de recuperação do condenado e sua readequação ao convívio social, presenciamos que os fins propostos pela sanção penal não passa de uma falácia, e o Estado, além de não ter controle da comunidade carcerária existente, intervém de maneira falha e tardia.
Logo, como reflexo imediato, existe uma execução penal “primitiva” que necessita de constantes reparos, a fim de evitar a dessocialização do criminoso. Dessa forma, em não havendo o estabelecimento de políticas sérias de melhoramento social, a vala comum da prisão irá se aumentar cada vez mais, pois o cerne da delinqüência está mais na ausência de oportunidades do que na própria maldade do ser humano.
A crise da pena privativa de liberdade é bem retratada por Cezar Roberto Bitencourt que aponta alguns efeitos negativos dela: problema do autoconceito do recluso; problema sexual na penitenciária; violência carcerária; elevados índices de reincidência; anulação da personalidade do recluso etc.
Tais abusos consistem também na não separação dos presos pela idade, pela natureza da infração, condição processual dentre outros infinitos métodos previstos legalmente.
Haja vista os inúmeros problemas relacionados com a execução penal no Brasil, vislumbra-se que o melhor caminho a ser seguido não é o da reclusão, e sim o da aplicação de penas alternativas, tais como, prestação de serviços à comunidade, doação de alimentos aos necessitados, enfim, penas que não retiram o condenado do meio social, além de impor-lhe uma responsabilidade habitual.
A execução da pena é o primeiro e o último momento em que se torna possível a ressocialização. Só assim a superlotação dos presídios que hoje é tormento para a sociedade irá diminuir e a ressocialização do apenado com pena privativa de liberdade será efetivada.
3. O risco social diante da atuação das organizações criminosas
As organizações criminosas surgiram a partir da explosão populacional nas cadeias e das condições de vida precária que nelas vigorava. Organizar-se era uma forma de se proteger, evitando assassinatos e estupros por outros presos. Era também uma maneira de tentar dialogar com as autoridades e reivindicar melhores condições de vida na prisão.
Neste escopo de combater as injustiças, desigualdades e ofensas aos direitos individuais geradas dentro do sistema prisional, as atividades das organizações criminosas foram se intensificando. Com o passar do tempo, o número de adeptos crescia e seus seguidores se profissionalizavam no mundo do crime.
Tal situação se revela preocupante, o perfil desse novo criminoso é diferente, pois ele não assalta, não consome ou vende drogas, foi treinado por muito tempo para obedecer à ordem e possui uma qualidade diferenciada da cidadania comum: o civismo patriótico.
Dentre inúmeros fatores que assolam o chamado crime organizado, a influência que este exerce no tratamento ressocializador de muitos condenados é altamente aviltante para o Estado. A fragilidade e impotência demonstrada pelo Estado é bem retratada por Edmundo Oliveira.
“A prisão se apresenta como um espetáculo deprimente, atingindo além da pessoa do delinqüente; orfana filhos de pai vivo; enviúva a esposa de marido combalido; prejudica o credor do preso tornado insolvente; desadapta o encarcerado à sociedade; suscita graves conflitos sexuais; onera o Estado; amontoa seres humanos em jaulas sujas, úmidas, onde vegetam em olímpica promiscuidade”.
Emerge uma política criminal de emergência, onde o Estado deve buscar o equilíbrio entre a defesa da sociedade e a salvaguarda do mínimo vital dos condenados, pois, caso contrário, estamos condizentes com a atuação criminosa dessas organizações.
Basta entender que o direito penal é o instrumento mais opressivo e deve ter a resposta mais áspera de que os demais ramos de controle social, entendendo ainda que o sistema falhou e que o direito penal não é campo para elucubrações e teorizações que não se amoldam ao atual plano social do país.
4. Conclusões
A falência do sistema penitenciário é uma realidade, sendo apenas combatível por posturas que se importem mais com o recluso. A ressocialização do preso consiste na humanização da própria execução penal, que não só permitirá ao condenado retornar à condição de cidadania ativa, mas também interessa à própria segurança pública .
Ao fim, devemos ressaltar que inúmeros são os problemas na fase executória, então a aplicação de medidas alternativas que ajudem a amenizar tal situação é indispensável à segurança da sociedade e dos próprios presídios.
É certo também que no postulado básico de justiça esta contida a ótica do razoável e do bom senso, logo, o combate às organizações criminosas é um dever Estatal e uma conquista social.
5. Referências Bibliográficas
— BITENCOURT, Cezar Roberto. A Falência da Pena de Prisão: Causas e alternativas. 3ª Ed. Saraiva. São Paulo. 2004.
— GOMES, Luiz Flávio. Penas e medidas alternativas a prisão. 1.ed.,2.tir. São Paulo: RT, 1999. p.30. Apud FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir, trad, Ligia Vassallo, 2 ed., Petrópolis: Vozes, 1983.
— OLIVEIRA, Edmundo. Política criminal e alternativas à prisão. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
— RODRIGUES, Anabela Miranda. Novo olhar sobre a questão penitenciaria. São Paulo: RT, 2001.
— SHECAIRA, Sérgio Salomão; CORRÊA JUNIOR, Alceu. Teoria da pena. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
— SILVA, Carlos Alberto Fanchioni. O liminar do século XXI no sistema penitenciário: justa opção entre o combate a criminalidade das organizações criminosas ou ensaio na aplicação dos direitos aos encarcerados. Disponível na Internet: www.ibccrim.org.br, 12 de agosto de 2002
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*Márcio Zuba de Oliva é advogado e pós-graduado em direito e processo penal na UEL-PR
*Rafael Damaceno de Assis é formado em direito e trabalhou no TJ-PR (Tribunal de Justiça do Estado do Paraná) e na Vara de Execuções Penais e Corregedoria dos Presídios da Comarca de Londrina