"A velha fraude foi perfeitamente incorporada ao meio digital"

Na medida em que a utilização da Internet avança e transforma a sociedade, o governo e a maneira de efetivação de negócios, surgem mais e mais formas de condutas delituosas neste ambiente. Incentivados pelo anonimato que a grande rede proporciona, e também pelo baixo custo de aparatos tecnológicos possibilitadores de crimes cibernéticos, os infratores se mostram cada vez mais inventivos e capacitados na arte do dano informático.

A velha fraude, tão conhecida entre nós brasileiros por constar quase diariamente nas manchetes de nossa imprensa, foi perfeitamente incorporada ao meio digital. Com graus variados de requinte, fraudadores encontram na web um campo fértil para suas maquinações criminosas, levando a atividade de ludibriar o alheio ao destaque na seara dos delitos informáticos. A intangibilidade fornece abrigo para mentes ardilosas planejarem seus golpes.

Tais assertivas são corroboradas pelo conclusivo relatório do FBI – Federal Bureau of Investigation, em seu órgão voltado exclusivamente para fraudes na Internet, o Internet Fraud Complaint Center (IFCC), cuja existência já aponta a importãncia do tema abordado neste texto. O IFCC foi constituído em maio de 2000, como uma parceria entre o FBI e o órgão investigador de crimes de “colarinho branco” dos Estados Unidos, o National White Collar Crime Center (NW3C), com a missão de catalogar e encaminhar para investigação as ocorrências de fraudes na Internet.

Cobrindo o período de janeiro a dezembro de 2002, o relatório do IFCC traz um painel representativo de ações fraudulentas que permite uma visão acurada do problema. O primeiro dado relevante demonstrado neste documento é a progressão delituosa no ambiente digital. Desde o início de sua operação, o IFCC passou a receber denúncias de fraudes ocorridas na Internet por meio de seu website, e-mail, telefone, correio, fax, pessoalmente, por material impresso e via salas virtuais (chat rooms). Os números apresentam escala crescente.

O resultado pode ser percebido nos números abaixo:

Ano – número de denúncias
2000 – 16.838
2001 – 49.957
2002 – 75.063

Destaque para o salto quantitativo no período 2000-2001, em decorrência dos ataques terroristas de 11 de setembro, quando este canal de comunicação foi amplamente utilizado por cidadãos americanos relatando informações referentes ao caso e atividades suspeitas.

Destarte, o número de denúncias continua a crescer, informando sobre o incremento das atividades dos fraudadores cibernéticos.

Os dez tipos fraudulentos mais cometidos

Temos a classificação dos dez tipos de fraude mais praticados no período pesquisado:

— Fraude em leilões online – 46.1%
Tipo mais comum de fraude, onde o delito pode ocorrer com a falsa oferta de produtos, comercialização de frutos de roubo, ou ainda se dar no campo da propriedade intelectual.

— Fraude em contrato de compra e venda (falta de entrega ou pagamento) – 31.3%
O comércio eletrônico também é caminho para fraudadores, como a oferta de produtos e serviços efetuados de maneira fraudulenta.

— Fraude em cartão de crédito ou débito – 11.6%
A obtenção de números de cartões alheios acarretando uso criminoso.

— Fraude de investimento – 1.5%
O fraudador utiliza de artimanhas de convencimento e tecnologia para alegar a possibildiade de ganhos financeiros, se a vítima concordar com esquemas de investimento inexistentes, como “pirâmides”. Ainda, pode ser enquadrado aqui o espelhamento de websites de instituições bancárias, fraudando-se correntistas desavisados com pedidos de recadastramento, o que ocorreu recentemente no Brasil. Esta atividade mereceu um alerta da International Chamber of Commerce, no ano de 2002.

— Fraude em negócios – 1.3%
Empresas utilizando o ambiente digital para cometer fraudes comerciais semelhantes às perpetradas no mundo físico, tais como fraude contra credores e infrações de propriedade industrial.

— Fraude em confidência – 1.1%
Delito presente em relacionamentos, quando o criminoso se utiliza de informações confidenciais para causar perda financeira. Este item engloba uma vasta gama de ações delituosas, como fraude em leilões, falta de entrega de produto ofertado e demais falsidades.

— Roubo de identidade – 1.0%
Problema crescente com casos relatados em vários países do mundo, com grande incidência no leste europeu. Há efetivação de negócios lícitos e ilícitos com utilização de identidade de terceiros. Compras, jogos em casinos online e assinaturas de serviços de pornografia na web são as principais atividades efetuadas por ladrões de identidade.

— Fraude em fatura – 0.5%
Tipo delituoso que se enquadra em fraudes contra instituições financeiras, ocorre no ato do pagamento de algum débito legítimo efetuado eletronicamente.

— Fraude “Nigerian Letter” – 0.4%
A conhecida “Conexão Nigéria” ou “419 Fraud”, em alusão ao código penal nigeriano, funciona como um “pedido de relacionamento comercial”, com alegação de possibilidade de expatriação de fundos (ilegais ou legais) sob a hipótese de depósito de “comissão antecipada” ou “taxa de transferência” na conta do proponente. Este golpe é conhecido como “scam”, possui um sem número de variações e pode ser melhor conhecido no website Scam O Rama (www.scamorama.com). Os prejuízos com este golpe somam 1.6 milhão de dólares em 2002.

— Fraude de comunicações – 0.1%
Processos fraudulentos envolvendo sistemas de informação em diferentes meios de comunicação, como clonagem de aparelhos móveis, redes sem fio, etc.

O rol elencado acima é referente ao território norte-americano, mas é evidente o caráter transterritorial da Internet, o que torna esta listagem importante para qualquer jurisdição.

Temos, então, um panorama inusitado: a mesma tecnologia que transforma nosso cotidiano também serve de suporte para o incremento de possibilidades delituosas, as quais todos estamos expostos. Velhos gatunos caçando novos incautos. O mundo digital demanda precauções redobradas.

Rodney de Castro Peixoto é advogado especialista em Tecnologia da Informação, consultor de empresas de Internet, autor do livro “O Comércio Eletrônico e os Contratos” (Forense, 2001) e professor do IPGA – Instituto de Pós-Graduação Avançada em Tecnologia e Negócios.

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