A violência do direito –a técnica de camuflá-la como coerção

O artigo tenta expor levemente a complexidade acerca da violência. Apontando que o direito também usa da violência tecnicamente camuflada como coerção.

Gisele Leite

Seria ingenuidade acreditar que o direito tem sua origem no Estado posto que é apenas mais um dos inúmeros grupos sociais, muito embora um grupo de considerável importância social e cultural.

Mesmos as sociedades mais primitivas e primárias sem a presença do Estado conheciam efetivamente tanto o direito civil como o direito penal. Aliás, as regras de como punir eram tão importantes como as religiões, quando não eram conjugadas por estas.

Mas as regras jurídicas segundo Malinowsky são sancionadas por um mecanismo social definido de força vinculante. E nisto podemos dizer é onde reside a violência do direito. Seja entendido como fato social, seja como controle social.

Fato social em strico sensu corresponde a todos os processos de interação social; sem sentido amplo, abrange também os objetos da cultura material e não-material; caracteriza-se pela transcendência aos indivíduos pela coerção e pela generalidade.

Emile Durkheim afirmou que o fato social não é simples soma das consciências individuais, mas transcende ao próprio indivíduo, existindo como concepção própria e autônomo; por isto o fato social é coercitivo porque exerce ação coatora sobre os indivíduos e é genérico porque abrange todos os indivíduos pertencentes à sociedade.

Controle social é o mesmo que coerção social processo pelo qual uma sociedade procura assegurar a obediência aos seus membros por meio de padrões de comportamentos (pode ser pessoal, ético, difuso e organizado).

A grande preocupação dos sociólogos do Direito é conseguir extrair conceitos universais para crime capaz de ser válido em diferentes sociedades.

Por certo que o crime não possui tão-somente um traço estatutário definidor. Pois tal critério seria aplicável para um universo fechado e limitado preso a certa uma sociedade e a um determinado tempo.

De qualquer modo, para a definição de violência é indispensável termos a definição de crime ou pelo menos de transgressão da ordem jurídica.

O direito como conjunto de regras ou controles feito pelo homem pode ser modificado à medida que ocorrerem as descobertas científicas.

É meio de alcançar a convivência social pacífica.

Para Hoebel, o direito é o social web, isto é, parte do emaranhado social, e sendo o direito uma das ciências sociais, não pode ser rigidamente apartado dos outros saberes sobre o agir humano que é um todo.

Com efeito, o sociólogo Cláudio Couto pontifica que o direito é formulação científico-positiva atualmente insuperável do sentido básico permanente humano do dever ser. Reincidindo o autor na conexão entre a regra de justiça com os sentimento de justiça.

A referência do sentimento do dever ser expressa o que é próprio do homem. E, em se tratando do ser humano, um animal social por excelência, e, portanto um animal político. Será inumana, a violência? Ou talvez seja mesmo tão peculiar a raça humana como o é peculiar na História da humanidade.

A amplíssima variável que compreende a idéia de justiça não confronta em absoluta com a definição de violência. Posto que o direito de certa forma legitima determinadas violências descriminaliza outras (como por exemplo: a legítima defesa, o exercício regular de direito e, etc…) e taxativamente proíbe e pune o cometimento de tantas outras violências (sejam estas definidos por ser crimes ou não).

O uso lingüístico comum da palavra direito lembrado por Henri Levy-Bruhl temos a palavra droit em francês, right em inglês, Recht em alemão e diritto em italiano e liga-se a uma metáfora geométrica, tomando sentido moral depois de jurídico.

O direito é a linha direita que se opõe à curva, ou à oblíqua, o que se aparenta com as noções de retidão, de sinceridade, de lealdade nas relações humanas.

O uso lingüístico dos juristas chama de direito tudo que for conteúdo normativo de formas de coercibilidade estatal.

Os teóricos de direito conjugam os significados de lei e justiça, muito embora seja fenômeno concreto (e não aventado) a lei injusta.

Tradicionalmente o direito representa o mínimo ético devendo construir a segurança nas relações sociais e apresenta o máximo possível de precisão e certeza em suas formulações.

Desta forma, o direito seria o que está de acordo com o sentimento de dever ser ou com a ciência atual. Também o direito vivo (distante do ideal do direito) é o centro de gravidade do desenvolvimento jurídico, é o direito em sociedade, é o saber jurídico explícito e vivenciado pelas instituições.

De qualquer maneira não será uma definição de violência que nos trará uma solução que escape da óbvia e simples repressão e, trate da violência não puramente como causa. Mas principalmente como uma das conseqüências. Da exclusão social, da exclusão política, cultural e econômica dos segmentos mais desfavorecidos da sociedade.

Cada sociedade enfim labora copiosamente a violência que a depedra, dilacera e faz agonizar a crença nas instituições.

Outro detalhe explícito é que a violência atinge o rei e o súdito, o cidadão comum e o eminente. O emprego da força física para obtenção de resultado ilícito como forma de coação, mas a violência não é só isto… A violência só redunda em efeitos nulos ou pelos menos anuláveis na esfera cível.

Não vou usar o discurso ensaiado e tão repetitivo e simplesmente alegar que é falta de vontade política do poder instituído. Pois realmente creio que algo mais grave do que isto. É a completa falta de conhecimento a respeito da complexidade que envolve a violência e, todos seus pavorosos sucedâneos.

Não há como aplacar sem o devido reconhecimento do terreno, mais que apenas reprimir há uma significativa parcela da sociedade brasileira que vive em quase miséria absoluta e, urge ressocializá-la.

E os contrastes quer regionais ou simplesmente urbanos afrontam as vistas de inúmeros sociólogos, psicólogos e juristas. E sensibilizadas as autoridades (até porque tão mortais quanto nós) tentam solucionar o crime apenas com a sua respectiva punição.

É pouco ou inócuo e, pior que diante de um sistema penitenciário e carcerário falido acumulamos também um sistema educacional decadente e um sistema de saúde incurável…

Por onde então começar? Pela conscientização compulsiva e imediata, deflagrando inúmeras metas ressocializadoras e, que restaure alguma dignidade humana nas camadas mais pobres da sociedade. Precisamos construir urgentemente uma sociedade mais justa e equânime.

Quem assim também ressuscitaremos a verdadeira vocação do direito.

Gisele Leite é professora universitária, mestre em direito, e conselheira do IBPJ Instituto Brasileira de Pesquisas Jurídicas.

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