É incrível o crescimento das críticas e das queixas sobre o presidente Lula, sobre o seu Governo e sobre o seu partido. Essas críticas são, de fato, surpreendentes – não pelo conteúdo ou pela forma, mas pelo momento em que elas vêm sendo feitas.Foi preciso esperar mais de dois anos de governo e de inúmeras desilusões e desmandos para que se começasse a enxergar a realidade.
Não estou decepcionado- não esperava nada melhor do que vem acontecendo–, mas impressionado de ver como muitas pessoas tinham expectativas otimistas,grandiosas e imediatas com relação a Lula e ao PT.
O Brasil é hoje um país cheio de energia, mas sem governo sério ou estratégia consequente. A antiestratégia compartilhada pelo governo atual e pelo governo anterior resume-se a inspirar confiança aos mercados financeiros,mesmo à custa de estrangular nossa produção e de empobrecer nosso trabalhador.No auge de ciclo de liquidez na economia mundial, essa não-estratégia rende estagnação.Quando o ciclo apontar para baixo,ela renderá retrocesso e ruína.
Há vazio crescente na política brasileira,de idéias e de pessoas. Escândalos preenchem esse vazio. Se essa experiência desmoralizadora for corretamente entendida,pode fortalecer-nos no cumprimento da tarefa maior de oferecer alternativa ao país. Para que tenha essa utilidade,porém,precisa ser interpretada à luz de três constatações.
A primeira constatação é que a corrupção mora no centro,não na periferia de nosso sistema político.A imprensa e o Congresso ocupam-se com o negocismo corriqueiro facilitado pela partilha política de cargos públicos. É variante miúda de algo mais básico e mais grave:governantes achacam grandes empresários e grandes empresários compram governantes.Todos os maiores negócios realizados no país dependem do beneplácito do governo.Ora sob o disfarce do interesse público,ora sem ele,o governo exige contribuições partidárias para deixar que tais negócios se consumam.Os grandes empresários pagam,reclamando,à boca pequena de estarem sendo achacados.Enganam-se:a metade deles quebraria sob regime de concorrência aberta e de direito para valera metade cujo talento se resume a comprar e a vender consciências e a usar acessos e informações privilegiados.Não são empreendedores; são agenciadores.Foi assim no governo anterior.É assim,mais ainda,no governo atual.
A segunda constatação é que a causa imediata dessa putrefação está no financiamento eleitoral. Se se assegurasse o financiamento público das campanhas eleitorais e se obrigasse todo candidato a falar na televisão diante de fundo branco,sem truque milionário de marqueteiro, a política brasileira não se transformaria,de noite para o dia,em limpa.Contaria,contudo,com antídoto de emergência contra veneno que paralisa nossa democracia.Tanto o governo atual quanto o governo anterior elegeram-se prometendo reformar o financiamento eleitoral.Foi uma das primeiras promessas que ambos traíram.Enfraqueceram-se porque se acomodaram a corrupção sistêmica,tentando aproveitá-la como instrumento de poder.
A terceira constatação é que ,suprimida a causa mais premente da corrupção,o critério para reorganizar nossa vida pública é criar uma democracia mais mudancista e experimentalista do que aquelas que existem no Atlântico Norte,democracia própria para um povo como o nosso,que tem tudo por fazer. – Não uma democracia fria e ajeitadinha,pautada pelo tipo de reforma política,boa para a Escócia,que se discute entre nós.Isso,porém,já não é preliminar;é incidente e consequência da luta para reorientar o rumo do país. Para avançar,não precisamos reordenar,antes,toda a vida política da Nação.Só precisamos acender os holofotes,destrinchar as dimensões da podridão e preencher o vazio que avança sobre o Brasil não com moralismo estéril,mas com alternativa factível,sobretudo com inteligência e vontade acima de tudo.
José Passarelli
Engenheiro civil e Professor Universitário com especialização em Dinâmica de Estruturas Não-Lineares pela Escola de Engenharia de São Carlos-USP