A vitória dos contribuintes na MP do planejamento fiscal

Autor: Marcelo Knopfelmacher (*)

 

No dia 3 de novembro, os contribuintes brasileiros obtiveram importantíssima vitória na Câmara dos Deputados, a respeito da pretendida obrigatoriedade de declaração de planejamentos fiscais.

Os artigos 7º a 12 da Medida Provisória 685 foram suprimidos, a partir de emenda supressiva apresentada pelo deputado Bruno Covas (PSDB-SP), em que apontava diversos vícios jurídicos, inclusive de iniciativa, para tratar desse tema em sede de medida provisória.

Nos termos da justificação da emenda supressiva que prevaleceu em Plenário, em que o Movimento de Defesa da Advocacia teve a oportunidade de tecnicamente colaborar, assentou-se com propriedade que “não é possível enxergar, nos arts. 7º ao 12 da Medida Provisória nº 685, de 2015, normas que atribuam à autoridade administrativa esse poder-dever porque as obrigações ali impostas destinam-se ao próprio contribuinte: o dever de declarar. Nesse sentido, é de se concluir que os artigos em questão da Medida Provisória nº 685 não correspondem à lei ordinária a que alude o parágrafo único do art. 116 do CTN”.

Daí porque, e fiel ao mesmo raciocínio, tais artigos da Medida Provisória 685 não estavam em conformidade com o Código Tributário Nacional, violando o disposto no artigo 146, III, “b” da Constituição Federal, que atribui à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários.

Se tanto não bastasse, a declaração imposta aos contribuintes, de informar qualquer negócio jurídico que porventura pudesse ser interpretado como planejamento tributário abusivo, facultava à autoridade competente desconstituir a operação ao seu alvedrio e exigir os tributos que fossem supostamente devidos. Porém, faltavam balizas legais para que o Fisco pudesse conduzir suas atividades no sentido previsto pela medida provisória e descaracterizar ações legais promovidas pelos contribuintes.

Outro aspecto extremamente problemático era o artigo 12 da aludida medida provisória, que criava presunção para qualificação da multa tributária, inclusive na esfera penal, pois que a conduta tida como irregular pelo auditor fiscal implicaria o reconhecimento de sonegação ou fraude, o que, segundo, a Lei 8.137, de 1990, configura crime contra a ordem tributária.

Ora, sabe-se bem que matéria penal não pode ser tratada por meio de medida provisória, tal como rigidamente estabelece o artigo 62, parágrafo 1º, inciso I, alínea “b” da Constituição Federal, motivo de mais uma impropriedade da pretendida imposição de declaração de planejamento tributário inserta na aludida medida provisória.

Sugestão intermediária de criar uma blacklist com os temas passíveis de serem informados pelos contribuintes mostrou-se um avanço em relação ao texto original, tal como proposto pelo senador Tasso Jereissati (PSDB/CE). Porém, essa proposta não retiraria da Receita Federal poderes amplos e irrestritos para colocar na lista tipos e conceitos abertos como, por exemplo, “dedutibilidade de despesas”, situação que obrigaria todos os contribuintes sujeitos à apuração pelo lucro real a informar todas as despesas que entendiam dedutíveis, atendendo-se, na prática, os anseios iniciais da medida provisória dando-se carta branca ao Fisco federal para multar severamente aqueles que, entendendo lícitos e válidos seus atos e operações, porventura deixassem de promover a declaração.

De fato, os contribuintes obtiveram uma importante vitória ao se afastar mais uma obrigação acessória burocratizante e sufocante, em um ambiente já tão desgastado para os negócios como este em que estamos vivendo por consequência da forte crise econômica e política que lamentavelmente se abateu em nosso país.

Daí porque não procedem as colocações do secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, ao sustentar em matéria jornalística, rebatendo as declarações deste articulista, que “quem perde são os contribuintes”. Não, quem perdeu foi mesmo o governo, e a oposição se mostrou ativa e combativa, impedindo que uma exigência inoportuna e inválida sob o aspecto jurídico fosse levada adiante.

É importante lembrar que o Fisco já dispõe de todos os meios para fiscalizar, com muito rigor, os contribuintes brasileiros, sejam estes pessoas físicas ou jurídicas. O aparato fiscalizatório não encontra precedentes em nenhum outro país, tamanhas as declarações e obrigações acessórias já impostas a todos e o grau de sofisticação, por meio de pesados investimentos em tecnologia, do Fisco brasileiro.

O que se combateu aqui foi a presunção automática de culpa a ser atribuída aos contribuintes brasileiros, como que todos já fossem de antemão sonegadores acaso, na dúvida, deixassem de informar operações que, em sua própria opinião, são lícitas e regulares, em verdadeira inversão de valores e atribuições.

Esse crivo cabe exclusivamente à autoridade administrativa, e jamais aos contribuintes, especialmente considerando que na esmagadora maioria das vezes em que os particulares consultam a administração sobre determinado procedimento as respostas são sempre voltadas ao interesse arrecadatório, ainda que fundamentadas em atos internos e infralegais, gerando insegurança e instabilidade nessa tão delicada relação Fisco-contribuinte em nosso país.

Por tais razões, é de se considerar que, quanto aos artigos 7º a 12 da Medida Provisória 685, os contribuintes obtiveram importantíssima vitória junto ao Congresso Nacional.

 

 

 

 

Autor: Marcelo Knopfelmacher  é advogado e diretor presidente do Movimento de Defesa da Advocacia (MDA).

 


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